— Tem Coca-Cola?
— Tem.
— Me vê uma, por favor.
— Tem, mas acabou.
Travei essa breve prosa com o dono de um bar em Lisboa. Na época, ri da resposta, crente que o portuga tinha um neurônio a menos. Hoje, vejo que quem se divertia era ele.
Os brasileiros tendem a acreditar que a lógica portuguesa é estúpida. Colecionamos exemplos, sem perceber a ironia deles.
Certa feita, procurando o caminho para a casa de um conhecido, ouvi de um transeunte que eu não deveria virar
à esquerda, nem tomar a segunda à direita, tampouco rodear
a praça nem dobrar à esquerda, que chegaria ao local desejado. Segui em frente, atordoada com a sucessão de negativas,
e sem ideia de como alcançar o destino.
Em outra ocasião, passando em revista o menu de um restaurante, quis saber como era o tal peixe e ouvi do garçom que ele era prateado, com olhos grandes e rabo preto.
De volta à terrinha, depois de uma década ausente, percebo que o problema do cartesianismo lusitano não é deles, mas nosso, na formulação das perguntas que nós, brasileiros, fazemos.
Interessada em saber a parada final do elevador da Bica, indaguei a uma amiga em que altura do Bairro Alto ficava o ponto final.
“Em que altura?”, repetiu ela. “Isso”, disse eu,
“o elevador da Bica para em que altura do Bairro Alto?”
“Mas o Bairro Alto só tem uma altura!”, retrucou a gaja, com o olhar espantado.
A incoerência era minha, não dela. E passei a reparar nas inúmeras vezes em que eu propunha indagações absurdas, fazendo mau uso de uma língua que, venhamos e convenhamos, pertence aos de lá. É impossível visitar Portugal e resistir à vontade de imitar-lhe o sotaque. É compulsivo falar com a presteza característica, comendo as sílabas e conjugando de forma devida a segunda pessoa do singular. Os portugueses usam os pronomes oblíquos, tônicos e átonos muito melhor do que nós.
Nosso modo de falar é preguiçoso, manhoso e lento. Tem muita graça, fruto da delicadeza dos índios, do calor dos trópicos e da malemolência africana. Descansamos nas tônicas dos bumbuns, nenéns, minhocas, Itaipus e tapiocas.
Eles, não, são donos de uma prosódia viril, incisiva, imperial. Dominam com exatidão todos os recursos da flor do Lácio e não temem o valor das palavras. Minha mãe, depois de comer um melão docíssimo em Trás os Montes, pediu ao quitandeiro que lhe contasse o segredo para saber quando a fruta está madura. Ele a encarou sério e respondeu: “Meta-lhe o dedo ao c…” . Nem Gil Vicente, pensou ela. A pretensa esperteza brasileira é comparável à maneira com que os adolescentes costumam tratar os pais, olhando-os como seres retrógrados, fadados ao equívoco. Falta-nos um punhado de séculos para descobrir queos doidos somos nós.
Concordo com a autora, achamos que os portugueses falam errado, mas como ela disse, a incoerência vem de nós. Sofremos tantas influências que ficamos distantes do nosso português original.
ResponderExcluirEu não a culpo de ter achado estranho às pessoas não entenderem ela, e vice versa. Isso não é burrice ou falta de educação, é que com tantas gírias e palavras novas é comum ninguém se entender.
Os brasileiros pensam que os portugueses têm “um neurônio a menos” como ela disse, mas somos nós quem estamos errados. Mas eu não concordo com ela, eu sou um brasileiro e não penso dessa forma, e falar que todos pensam desse jeito não é certo.
Então, de tudo que eu aprendi, ao julgar a cultura dos outros, estamos julgando a suas origens, a sua história. No caso da língua portuguesa, estamos julgando a nós mesmos.
Davi Amaral Pereira
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