sexta-feira, 27 de março de 2015

Resenhando - José Eduardo Agualusa - Tradutor de mundos

RIO — Era uma rainha africana com um harém de 50 homens, aos quais ela se referia como “minhas mulheres” — e os vestia como tal. A Rainha Ginga, por sua vez, vestia-se de homem. Ajudou os holandeses, que já ocupavam o Nordeste do Brasil, a dominar Luanda. Lutou pela independência de seu povo. Guerreou e depois fez alianças com os portugueses. E, assim, virou figura central da história angolana no século XVII, de forma que crescer em Angola sem ouvir o nome dela seria como crescer no Brasil sem saber quem é Zumbi dos Palmares.



É ao redor dessa mulher que gira a história de “A rainha Ginga — E de como os africanos inventaram o mundo” (Foz Editora), livro que o colunista do GLOBO José Eduardo Agualusa lança hoje no Rio. Com a obra, o autor angolano volta ao romance histórico depois de 16 anos, quando lançou “Nação crioula”. E agora conta a história dessa personagem já abordada por muitos: o Marquês de Sade a encarava como exemplo de devassidão; ativistas americanos, como um ícone gay; e políticos angolanos, como uma heroína nacionalista. Isso para ficar só em alguns exemplos.

— É uma figura que não aceitava regras. Que foi capaz de criar seu próprio universo, feito à sua imagem — diz Agualusa. — Quis mostrar nesse livro que os africanos não foram agentes passivos, como são retratados na História oficial. Eles tiveram participação ativa na construção de fronteiras de Angola e do Brasil. E ajudaram Portugal a se reinventar.

Ginga é uma figura que desconcerta, diz o autor. E ele discorda do uso que os nacionalistas angolanos tentam fazer de sua história, transformando-a em uma figura que lutou pela independência do país. Afinal, Angola nem existia como país àquela época.

— Ela não lutava por Angola. Nem havia Angola ainda. Na verdade, ela é uma heroína contra Angola. Se tivesse vencido, Angola não existiria — afirma o escritor. — É a mesma coisa que alguns fazem no Brasil com Calabar. Se ele tivesse vencido, não existiria o Brasil.

PADRE BRASILEIRO É O NARRADOR

O novo romance é narrado por um padre brasileiro, tradutor, que vai servir na corte da rainha como seu secretário. Diante da distância cultural entre o autor e a rainha Ginga, o padre surge como alguém que pode tornar aquele mundo acessível ao leitor. O que lembra, diz Agualusa, o papel dos escritores angolanos na comunidade lusófona. Afinal, grande parte de seus leitores está fora do país.

— Temos essa necessidade de fazer uma tradução de mundos. Acho que, sem esse narrador, não teria conseguido escrever esse livro. E quis escrevê-lo a vida inteira, mas, quando tentava, aquilo era demasiado para as minhas forças — diz o angolano.

No caso de “A rainha Ginga”, essa tradução vai mais longe. Agualusa conta que sempre buscou em seus livros um português global — que não esteja limitado às fronteiras geográficas do Brasil, Angola ou Portugal. No novo livro, ela acrescenta mais um elemento a essa mistura: as palavras mortas.

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— Dessa vez quis incluir um português que já desapareceu. Traduzir, assim, um mundo que já morreu. Essa arqueologia das palavras me interessa muito — afirma Agualusa.

Ao fazer a pesquisa histórica, Agualusa hesitou em usar fatos reais. Ao descrevê-los, eles eram tão fantásticos que pareciam clichês. Os mares da época, por exemplo, eram cheios de piratas. Um deles, Cornelis Jol, que ajudou os holandeses a tomar Luanda e a ilha de São Tomé, tinha uma perna de pau. De verdade.

— Não inventei isso! Nem queria usar, porque iam dizer que assim já era demais. Como um sujeito cria um pirata com perna de pau, olho de vidro e cara de mau? — ri Agualusa. — Como escritor, eu tive medo de usar a realidade, com medo de que parecesse forçado.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/livros/jose-eduardo-agualusa-lanca-no-brasil-rainha-ginga-15624385#ixzz3Vd1BlW6N

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