sábado, 7 de março de 2015

Crônica do Dia - A impotência dos pais órfãos - Ruth de Aquino

A violência urbana absurda no Brasil, sem paralelo no mundo, deixa órfãos milhares de pais e mães todos os anos. Crianças e jovens são mortos por balas perdidas, por balas de assaltantes, por balas de PMs. Em qualquer lugar. Escola, clube, restaurante, calçada, ponto de ônibus, praia e até dentro de casa. Pais e mães de todas as classes sociais perdem seus filhos para o descaso e o desleixo de um Estado que se omite ou contribui para a barbárie armada. O Estado brasileiro é criminoso, é cúmplice, é culpado por falhar em todas as suas atribuições.


Alex Schomaker Bastos tinha 24 anos. No dia 8 de janeiro, acordou às 7 horas, tomou café preto com iogurte e banana. Não usava relógio. Vestiu, como sempre, bermuda e camiseta. A mochila não era de grife. Só gastava dinheiro com computador. Seu celular era comum, não era iPhone, ele dizia que não precisava. Para estudar biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Praia Vermelha, no bairro de Botafogo, pegava o ônibus 434, linha que passa na esquina de casa, no bairro do Flamengo.

Gostava de mitologia nórdica. Na perna, uma tatuagem do martelo de Thor, algumas runas. Na mão direita, outra tatuagem, com o símbolo dos deuses da força. Alex se decidiu cedo pelo estudo de biologia, com especialidade em genética. Lia Darwin desde os 12 anos. Queria fazer doutorado na Finlândia. Sonhava em conhecer Galápagos. Um passatempo era o jogo eletrônico de cartas Magic. Outro era jogar futebol americano. Andava de bicicleta no Aterro. Na Praia Vermelha, na Urca, tomava água de coco.

Alex foi atingido por sete tiros, um deles no coração, no ponto de ônibus, às 21h30 do dia 8 de janeiro, depois de passar uma mensagem pelo celular para a mãe, às 21h16. Os dois assaltantes, em duas motos, se irritaram quando Alex segurou assustado a mochila, com documentos, R$ 12 e um cartão de transporte, RioCard. Mandaram bala e fugiram, só levaram o celular. No momento em que Alex caía ao chão, sua mãe, a professora Mausy Schomaker, tirava da geladeira seu jantar, no ato rotineiro de toda mãe. Alex não jantaria naquele dia e em nenhum outro mais, não iria a Galápagos, não daria aulas de biologia, não faria mestrado e doutorado, não casaria com a namorada, Bia, também bióloga, não teria filhos.

Antes de entrar em choque, Alex deu o endereço de sua casa a quem o socorreu. A mãe recebeu a PM pouco depois das 22 horas e soube que o filho estava baleado no Hospital Miguel Couto. Foi para lá, “desarvorada”, e os outros filhos não a deixaram ver o corpo de Alex. Só viu o rosto depois, no caixão. Alex foi cremado, e os pais jogaram as cinzas na Enseada de Botafogo. As roupas, os objetos, os livros foram distribuídos entre amigos. Os pais dizem viver uma “irrealidade”. Quando Mausy e Andrei se apaixonaram, cada um já tinha dois filhos do primeiro casamento. Alex era o caçula, o único que vivia ainda com os pais.

“Hoje tomei uma cerveja com os outros filhos, fizemos um almoço em casa e lembramos dele. Chorei muito. É como se traísse Alex ao sorrir, ao beber uma cerveja”, disse Mausy. “Mas é o que ele quer de nós. Alex é nosso filho, nossa dor, nossa tristeza eterna, o buraco da alma. Nós somos Alex. Não perdoamos. Nem o assassino, nem o Estado, nem o país. Não tenho um pingo de perdão, um pingo de fé. Não sou Deus, Maomé ou Buda. Não quero ouvir consolo de pessoas religiosas. Sou de esquerda, sempre serei de esquerda. Mas tem algo muito errado neste país, que se esqueceu da educação. Eu tinha 19 anos na ditadura e me sentia mais livre para andar na rua do que qualquer garoto de 16 ou 17 anos hoje. Um dia aquele ponto de ônibus será iluminado, haverá ali uma cabine, com policial dentro. Não tenho sentimento de vingança, não quero matar ninguém. Mas espero que cada um no Estado cumpra seu papel. A gente precisa trocar as armas por livros. O Hino Nacional não pode ser cantado só no Maracanã.”

Repetindo: o Estado brasileiro é criminoso, é cúmplice, é culpado por falhar em todas as suas atribuições. A falta de instrução universal e de qualidade – o governo Dilma acaba de cortar R$ 7 bilhões na verba de Educação! A falta de uma política federal e integrada de segurança, que dê apoio logístico e estratégico aos governadores. A falta de prisões dignas e adequadas. A falta de investigação séria – só 8% dos homicídios são esclarecidos! A falta de punição – as leis beneficiam bandidos. A falta de rigor com os policiais assassinos. A falta de controle nas fronteiras, por onde entram fuzis e metralhadoras. Se o Brasil se indigna com o terrorismo ou a pena de morte no exterior, que se revolte com a execução de 56 mil brasileiros todo ano, a sangue-frio! Não há milhões de nós em protesto nas ruas. Somos carneirinhos a caminho do abate?

2 comentários:

  1. Histórias como a de Alex se repetem a todo momento no Brasil. Ele apenas estava fazendo o que fazia todos os dias e, de repente, aconteceu o pior. Podia ter sido com qualquer um. A questão não é a hora que ele estava no ponto de ônibus, a atitude que ele teve ou sua reação, a questão é que o Estado não está fazendo nada para mudar algo que passou a ser rotineiro, algo que não é de agora, e que se depender desse governo atual, sabemos que a situação não vai mudar tão cedo.
    Quem sofre no final dessa história toda não é o Estado, não mesmo, porque ele não liga para esse tipo de acontecimento. Quem sofre é a família do jovem.
    Um problema atual no Brasil, sem contar com a corrupção, o desmatamento, o roubo, entre outros, é o total descompromisso do governo com o povo brasileiro. Onde estão a ordem e o progresso estampados na nossa Bandeira Nacional? Para a solução desses pontos, primeiro temos que mudar as atitudes do governo, senão, de maneira alguma haverá ordem, muito menos progresso. Do que adianta manifestações se o que mais atrapalha não muda?
    Que tipo de governo tira 7 bilhões da verba de educação em um país onde escolas públicas estão em decadência, sem merenda, ensino decente, professores bem pagos e segurança adequada? Sim, estamos falando do Brasil. Porque tirar dinheiro da educação? Será que não é mais interessante para o governo manter a população burra e assim facilitando sua manipulação. Isso e muitas coisas precisam mudar, antes que seja tarde e mais dinheiro seja tirado dos nossos bolsos para ser investido em coisas irrelevantes.
    Mariana Beatriz 802

    ResponderExcluir
  2. A impotência dos pais órfãos

    O que aconteceu com Alex acontece com muita frequência no Brasil, ninguém toma uma atitude, esse Brasil cada vez ganha mais um defeito ao invés de tentar melhorar nos que já tem. Muitas pessoas inocentes estão morrendo em vão, uma coisa horrível, e nós brasileiros estamos deixando isso acontecer, vamos tomar uma atitude, o que aconteceu com ele poderia ter acontecido com qualquer um, e somente por causa desses corações amargos dos ladrões e pessoas ruins, mais uma pessoa vai deixar de realizar seus sonhos. Já parou para pensar se você está realmente seguro? Você já sabe até a resposta, não. Hoje em dia no Brasil existem leis que podem até proibir que os assassinos e ladrões façam outras coisas parecidas com as que eles fazem, mas há também leis que estão beneficiando eles e favorecendo, dando desvantagem a população brasileira inocente, há leis que deixam essas pessoas de coração ruim saírem ganhando, essas estão completamente erradas, essas regras para vivermos em sociedade precisam ser modificadas seriamente, nunca vamos conseguir viver em paz assim, com sangue inocente sendo derramado todos os dias. Nós precisamos achar um jeito de fazer com que essas ações impiedosas parem ou ao menos diminuam, assim poderemos investir em outros setores. A prioridade no momento não é só uma, são várias. Porque essas pessoas fazem isso? Não tem justificativa, pois certamente eles não iriam gostar se fossem com eles.
    Muita gente não se importa com as pessoas que não conhecem, isso tudo bem, mas imagine se o Alex fosse alguém da sua família, um amigo próximo ou até seu namorado, aí sim você iria tomar uma atitude, se coloque no lugar dessas pessoas, você verá que não é um bom lugar para estar. Vamos tomar uma atitude e honrar aos que sofreram por isso fazendo com que as matanças e roubos diminuam ou até parem. O texto explica claramente qual é o problema com o Brasil e ele faz com que você se coloque no lugar de Alex e da família dele, esse texto realmente me fez refletir sobre um assunto, que acontece com muita frequência.

    Lana Silva - 701

    ResponderExcluir