(Deu no Globo, por Uelinton Farias Alves, em 17/01/09). "O que pensaria hoje José de Alencar da ascensão política do negro Barack Obama em um país poderoso como os Estados Unidos? A pergunta não é aleatória. Ela tem como fundamento um texto publicado do famoso romancista que, em linhas gerais, é o contraponto da história da literatura romântica e indianista que o consagraria.
Reproduzido numa edição bem cuidada, Cartas a favor da escravidão expõe uma faceta bastante desconhecida e malograda do consagrado escritor brasileiro. Depois do seu justificado olvidamento, desde meados do século 19, além de terem sido expurgadas de sua obra definitiva, Cartas a favor da escravidão compõem-se de sete textos jornalísticos endereçados, à época, década de 1860, ao imperador dom Pedro II. Alencar, nesses textos, faz corajosamente a defesa da empresa do cativeiro, justificando a instituição como um fator social, a exemplo do desportismo e da aristocracia, da mesma forma que “a coempção da mulher, a propriedade do pai sobre o filho e tantas outras instituições antigas”. Busca no passado, na Antiguidade, o suporte para suas teorias racistas. Evoca o Gênesis, para mostrar que o homem filia-se a uma família estranha pelo regime natural do cativeiro. José de Alencar chega a dizer que, se a escravidão não fosse inventada, “a marcha da humanidade seria impossível”, para afirmar que o fim da escravidão condenaria “a estabilidade do Império do Brasil”. Na verdade, o que o autor do açucarado Iracema postula é a política de manutenção do trabalho escravo defendida pelos chamados saquaremas, em oposição à política que o combatia, em tese defendida pelos conservadores, aliados do trono e da realeza que, apesar de tudo, enfrentava as agruras da Guerra do Paraguai, que sem ter homens suficientes para o front da batalha, promovia alforrias ou arregimentava os escravos que fossem guerrear pela nação. Este texto de José de Alencar é, sintomaticamente, um petardo na consciência das novas gerações que só conhecem o escritor consagrado pelo cânone do romantismo, através de seus livros, obrigatórios nas aulas de literatura. Em outras palavras: Alencar era brilhante como escritor, medíocre como político, mas muito ingênuo como defensor do comércio de seres humanos, numa quadra da história mundial onde o regime já era totalmente combatido. Neste caso, ele é, ao mesmo tempo, criador e criatura de sua própria trajetória pessoal. A escravidão era intrínseca na história de vida de sua família. O pai do escritor, o famoso senador Martiniano de Alencar, num certo dia 3 de outubro de 1853 (a seis dias, portanto, do nascimento de José do Patrocínio, considerado o mais ferrenho tribuno da abolição) levaria a um cartório do centro do Rio de Janeiro a longa lista de seus filhos naturais, para reconhecê-los, por escritura pública. Como o exemplo vem de casa, se escravidão e poder corriam no sangue do romancista, ora, defender esse regime era uma questão de foro íntimo. Por outro lado, sob o aspecto meramente literário, o livro de José de Alencar tem a validade de documento histórico ao descortinar os horizontes da mentalidade de um homem que viveu e morreu em pleno período monárquico brasileiro. Ou seja, José de Alencar pertence ao passado. Se não fosse isso, não faria falta alguma se Cartas a favor da escravidão continuasse no olvido a que permaneceu todo esse tempo. Na contramão das teorias alencarianas, no entanto, está o trabalho escrito com paciência de pesquisador e visão de historiador pelo antropólogo Carlos Moore, intitulado Racismo & sociedade. Conceitualmente é um livro que busca na história dos povos os pressupostos que nos legaram tanto a escravidão quanto o racismo. Moore, um cubano radicado no Brasil, homem da academia, tem vasta experiência na contextualização dos povos negros em todo o mundo. Ao lado do cientista Cheikh Anta Diop e de Wole Soyinka, prêmio Nobel de Literatura, foi co-fundador da Associação Mundial de Pesquisadores Negros, tendo coordenado a Comissão para a Gestão dos Conflitos Étnicos. Com uma vida política e acadêmica projetada para o dinamismo, Moore apresenta uma obra fundamental para nos fazer pensar, refletir e buscar no passado respostas para os dilemas e conflitos que opõem negros e brancos no mundo contemporâneo. Ao contrário de Alencar, todavia, Moore advoga pelo antiracismo, combatendo tanto as teses do branqueamento, como a falsa política de democracia racial brasileira".
Sabemos que José de Alencar vivia em conflito com Dom Pedro segundo, imperador do Brasil na época.
ResponderExcluirComo era de costume, em suas obras, sempre há algo por trás, um anagrama, uma crítica, sua opinião... As cartas a favor da escravidão foram também uma forma de chamar a atenção de Dom Pedro segundo e de 'provoca-lo vemos isso em muitas outras obras.
É difícil saber realmente a posição de José de Alencar sobre a escravidão, saber se ele era a favor ou contra, é algo que intriga muitas pessoas. Em alguns livros ele tenta expressar o que achava, o que ás vezes era interpretado de outras maneiras pela sociedade.
Mariana Beatriz 802