Esse horror na penitenciária do Maranhão é apenas um exemplo extremo do descaso
com que são tratados os apenados no Brasil. Em geral as prisões brasileiras são
sucursais do inferno, e tem sido sempre assim, não importa quem governe. O que
leva a pensar se não existe, por trás da insensibilidade hereditária, outra
razão para o horror. Verbas para o sistema penitenciário estão tradicionalmente
entre as últimas prioridades do país, o aumento da criminalidade lota prisões
inadequadas, esquecidas pelo poder público, mas não é só isso.
Haveria outra lógica, inconsciente mas não menos culpada, justificando o
descaso. Chamar as prisões de infernos, como é comum, nos dá uma pista do que
seja essa outra lógica. De acordo com a cosmogonia cristã, o inferno é para onde
vão os pecadores — para sempre. Pecadores não merecem perdão nem compaixão, seu
sofrimento é contínuo e eterno.
Existiria a convicção, nunca reconhecida mas prevalente, de que bandido tem
que sofrer mesmo, que deveria ter pensado no que o esperava no inferno da prisão
antes de cometer seu pecado, e que a sociedade não lhe deve a consideração que
daria a um animal.
Qualquer discussão sobre direitos humanos sempre empaca na questão dos
limites de consideração que merece um criminoso. É comum acusarem os que se
preocupam com os direitos humanos de qualquer humano, mesmo os criminosos, de
ignorarem os direitos humanos das suas vítimas. O que é um falso silogismo.
Todo humano é humano antes de ser qualquer outra coisa, inclusive um monstro.
Na questão de como castigar o criminoso é que seguidamente se sente, disfarçada
ou não, a nostalgia da velha e boa, e acima de tudo simples, cosmogonia: o céu
para os bons, o inferno e todas as suas agonias para os maus. Presos amontoados,
matando-se uns aos outros — é pena, mas quem mandou serem maus?
Penitenciárias superlotadas e violentas não são vergonhas só brasileiras,
claro. O problema de como alojar apenados, tratá-los como gente e se possível
reabilitá-los é internacional. Mas as cenas da barbárie no Maranhão mostraram um
grau de selvageria provocado pelos anos de indiferença que espantou o mundo.
Chegamos a isto. Somos os campeões do descaso e das suas consequências.
Luis Fernando Veríssimo é escritor.
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