sábado, 4 de janeiro de 2014

Personalidades - Vinicius de Moraes



No trigésimo aniversário de sua morte, aumenta o reconhecimento do poeta e letrista Vinicius de Moraes, um dos criadores da Bossa Nova

Por Sergio Amaral Silva
        

Foto: Shutterstock

 
Há alguns anos, ao iniciar o levantamento de dados para a biografia de Vinicius de Moraes que pretendia escrever, o crítico José Castello procurou mapear a “fortuna crítica” do autor, inclusive em estudos acadêmicos. Constatou, em suas pesquisas junto a diversas universidades, que havia muito mais trabalhos sobre outros escritores contemporâneos, tais como Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade ou João Cabral de Melo Neto.
Detectou, assim, uma espécie de “preconceito” dos intelectuais, possivelmente motivado pela escolha da música popular como principal campo de atividade de Vinicius a partir de certa etapa de sua vida, além de características da própria personalidade do poeta. Aficionado das noitadas de boemia, embaladas pelo cigarro e pelo uísque (“É o melhor amigo do homem: é o cachorro engarrafado”, dizia), a ponto de ser satirizado em paródias.
Se todos fossem iguais a você (*) Vai tua vida
Teu caminho é de paz e amor
A tua vida
É uma linda canção de amor
Abre teus braços e canta a última esperança
A esperança divina
De amar em paz...
Se todos fossem iguais a você
Que maravilha viver !
Uma canção pelo ar
Uma mulher a cantar
U ma cidade a cantar
A sorrir, a cantar, a pedir
A beleza de amar...
Como o sol, como a flor, como a luz
Amar sem mentir nem sofrer
Existiria a verdade
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você
(*) Com música de Tom Jobim
 

Romântico incorrigível, que se casou nove vezes, Vinicius foi um grande conquistador e viveu movido à paixão, permanentemente em busca do amor ‘‘que não seja imortal, posto que é chama,/mas que seja infinito enquanto dure”. Ele mesmo explicou, em entrevista a Clarice Lispector, que antes de mais nada, amava a sensação de viver apaixonado:“Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes. Eu amo esse amor, mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquela que amei realmente, me dei todo.”
Quando perguntado sobre as três coisas mais importantes de sua vida, invariavelmente respondia: “Em primeiro lugar, mulher; em segundo, mulher; e em terceiro... mulher!” Diplomata, aposentado prematuramente pelo regime de exceção que se instaurou no Brasil na década de 1960, intelectual que, ao sisudo convívio acadêmico, preferiu a descontração da música popular, o que lhe custou a antipatia de vários críticos, que passaram a considerá-lo um “poeta menor”. Um dos criadores da Bossa Nova. Sendo na vida tudo isso, foi letrista e poeta, foi antes de tudo Vinicius. Foi plural como seu nome, singular como figura, foi autor e personagem de nossa diversa cultura. E como diria seu parceiro Toquinho, foi mestre a nos lembrar que “a vida é pra valer, a vida é pra levar. Vininha, velho, saravá!”.
Hoje, quando transcorrem os primeiros trinta anos de sua morte, aumentou sobremaneira o interesse pela obra de Vinicius.

Recentemente, alguns especialistas têm classificado o poeta entre os nomes mais importantes no panorama da literatura brasileira. É o caso de José Castello, que o coloca entre os ‘cinco poetas extraordinários produzidos no País pelo século 20’, na companhia de Drummond, Cabral, Bandeira e Cecília. Ainda segundo Castello, ‘esses cinco tomaram uma dimensão superior.
Passaram a simbolizar a grande poesia do século e a sinalizar destinos, ou desafios, para os que os sucederam. Não se escreve poesia, hoje, sem ter um deles, pelo menos, como horizonte.’ Vinicius era uma pessoa de grande erudição, de muitas leituras e amplo conhecimento de obras musicais. Sua relevância para nossa música é indiscutível. Ao se lançar com todo seu prestígio na aventura da música popular brasileira, foi um pioneiro ao absorver toda a carga de críticas e de certa forma abriu caminho para o aparecimento bem-sucedido de gerações de letristas refinados em nosso cancioneiro, poetas dedicados principalmente à música popular. Com certeza, você não terá dificuldade de se lembrar de diversos exemplos, mas Chico Buarque de Hollanda e Caetano Veloso possivelmente constituem os nomes mais emblemáticos.
 
 
BIOGRAFIA
Toquinho
(1946) Paulista da capital, o músico, cantor e compositor Antônio Pecci Filho é considerado um dos melhores violonistas brasileiros contemporâneos. com Vinicius de Moraes, formou de 1970 a 1980, uma das mais intensas parcerias de nossa música popular. Das dezenas de sucessos da dupla, pode-se citar tarde em Itapuã, Meu pai oxalá e regra três. com Vinicius, Guido Morra e Maurizio Fabrizio, é também autor de Aquarela.

BIOGRAFIA
Bandeira
(1886-1968) Manuel Bandeira era pernambucano, de recife. No rio de Janeiro, onde morou a maior parte da vida, trabalhou como professor, escreveu poesia e prosa, inclusive crítica literária. seus poemas, de início com influências parnasianas e simbolistas, passaram já no final dos anos 1910, a explorar os versos livres, prenunciando o Modernismo. Autor, entre outros, de Libertinagem (1930) e Estrela da vida inteira (1966), foi um dos maiores poetas brasileiros do século 20.

MEMÓRIA
Cidadão Kane
Filme de estreia de orson Welles como diretor, em 1941. Focaliza episódios da vida de um magnata da imprensa estadunidense, baseando-se na personagem real William randolph hearst. o diretor de fotografia Gregg toland era então considerado o mais hábil operador de câmera de toda a indústria de filmes dos estados unidos. kane foi indicado a nove oscar, ganhou só o de melhor roteiro, mas com suas inovações técnicas, mudou a história do cinema, figurando hoje, em várias listas especializadas, como ‘o melhor filme já feito’.
 
 


BIOGRAFIA
Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim
(1927-1994) carioca, tom Jobim foi músico, compositor e maestro, sendo considerado uma das figuras de maior destaque na música brasileira. em termos de qualidade e sofisticação musical, seu nome é praticamente unânime entre crítica e público. Autor de numerosos sucessos desde a década de 1950, foi um dos criadores da Bossa Nova. com Vinicius de Moraes, compôs a imortal Garota de Ipanema. Venceu, em 1967, o III Festival Internacional da canção, com Sabiá, parceria com chico Buarque.


BIOGRAFIA
Juscelino Kubitscheck
(1902 – 1976) Natural de Diamantina (MG), J.k. de oliveira foi médico e militar. Deputado federal (1934-1937 e 1946-1949), prefeito de Belo horizonte (1940 – 1945) e governador de Minas Gerais (1951-1955), foi o último mineiro eleito presidente da república, cargo que ocupou de 1956 a 1961, reconhecido como estadista e democrata, apelidado de “presidente bossa nova”. uma de suas maiores realizações foi a construção de Brasília, a nova capital federal. eleito senador em 1962 e cassado pelo regime militar, exilou-se na França. Morreu num acidente polêmico na via Dutra. em 2001, foi escolhido o “Brasileiro do século”.


BIOGRAFIA
João Gilberto
(1931) João Gilberto Prado Pereira de oliveira é baiano da cidade de Juazeiro. Músico, compositor e cantor, em 1958 participou, como violonista, de um disco de elizeth cardoso, no qual lançou um modo de tocar que ficaria caracterizado como marco inicial do movimento da Bossa Nova. em seu álbum Chega de saudade, que saiu pouco depois, estendeu a novidade à técnica vocal, interpretando as canções de forma original.

 
 
Origens
A música entrou muito cedo na vida de Vinicius. Em entrevista à escritora Clarice Lispector, ele recordou: “Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas. Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto.”
Sua iniciação musical veio também de outra fonte: do tio mais moço, boêmio e seresteiro, amigo do compositor Bororó.
No final da década de 1920, ainda adolescente, Vinicius escreveu letras para dez canções - nove das quais em parceria com os irmãos Tapajós – Haroldo e Paulo, que conheceu em 1927, no Colégio Santo Inácio. O primeiro registro de sua atuação como letrista data de 1928, aos 15 anos, quando compôs com Haroldo Tapajós a música Loura ou Morena, que foi gravada pelos dois irmãos quatro anos mais tarde, gerando, segundo ele mesmo, seu primeiro dinheiro.
Nos anos 1930, Vinicius de Moraes estabeleceu amizade com os poetas Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Mário de Andrade.

Cinema e Tom
Outra paixão de Vinicius foi o cinema. Depois de trabalhar como censor, passou a redigir críticas cinematográficas, atividade que estendeu a vários jornais a partir da década de 1940. Em Los Angeles desde 1947, participou como assistente de diversos trabalhos de uma dupla de profissionais muito conceituados junto à indústria cinematográfica: seu amigo Orson Welles e Gregg Toland, dois dos principais responsáveis pelo sucesso do clássico Cidadão Kane. Consta que, ao comentar com Welles, que conhecera no Brasil, sobre a pretensão de fazer um curso de cinema nos Estados Unidos, Vinicius teria sido desencorajado pelo cineasta, mais ou menos nos seguintes Músicatermos: “Bobagem! Não faça nada disso. Sempre que eu filmar, eu te chamo e você aprende.” Assim, o poeta pôde acompanhar o famoso diretor nas filmagens de A dama de Shangai e Macbeth. Ainda nessa época, junto com Alex Viany, Vinicius lançou a revista Film.
Em 1953, Aracy de Almeida gravou o primeiro samba escrito por Vinicius, intitulado Quando tu passas por mim. Composta em parceria com Antônio Maria, a canção era dedicada a Tati de Moraes, então mulher do poeta, e assinalava também o fim do primeiro casamento dele, justamente o mais duradouro (terminou depois de onze anos).
Em 1956, Vinicius montou sua peça teatral Orfeu da Conceição, com cenário de Oscar Niemeyer e a música do jovem pianista Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o Tom. Surgia uma das parcerias mais produtivas e importantes da música popular brasileira. Além da trilha da peça, a dupla Tom e Vinicius compôs ainda outros grandes sucessos que viriam a se tornar verdadeiros clássicos da nossa música.
 
 

Anos dourados e Bossa Nova

Entre 1957 e 1958, o cineasta francês Marcel Camus filmou, no Rio de Janeiro, o Orfeu, com o título de Orfeu Negro. Um ano depois, o filme conquistou a Palma de Ouro, o principal prêmio do Festival de Cinema de Cannes e o Oscar da Academia de Hollywood como Melhor Filme Estrangeiro.
Eram os “anos dourados”, período de florescimento democrático em que os brasileiros, sob a presidência de Juscelino Kubistcheck, chegaram a acreditar num futuro brilhante em que tudo seria possível, inclusive manter as diversas posições de destaque nas artes, cultura e esportes, conquistadas nacional e internacionalmente.
 
 
 
 
Na música popular, esse período, especificamente o ano de 1958, marcaria o início de um movimento de inegável importância: a Bossa Nova é, ainda hoje, a principal responsável pelo expressivo reconhecimento da música brasileira no Exterior. Pode-se considerar como primeira manifestação da Bossa Nova o lançamento do álbum Canção do amor demais, gravado por Elizeth Cardoso. Além da faixa-título, esse antológico disco apresentava outras canções de Vinicius e Tom Jobim, dentre as quais, Chega de saudade.
Esta foi um marco fundamental para o sur- gimento do movimento, especialmente pela participação no acompanhamento do jovem violonista João Gilberto. Este, com sua nova batida, demonstrava um modo inovador de to- car o instrumento, que se caracterizaria como marca registrada da Bossa Nova. Para avaliar a importância desse disco, basta lembrar que ele é citado como referência por artistas como Chico Buarque ou Caetano Veloso.
Foto: Acervo Escola E.E.M. Macário Dantas

A VIDA DE VINICIUS
Vinicius de Moraes nasceu no bairro da Gávea, no rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, numa família originária do Nordeste do Brasil. em quase todas as fontes de pesquisa disponíveis, consta como seu nome completo, Marcus Vinicius da cruz de Mello Moraes, mas de acordo com sua irmã Laetitia, o acréscimo dos sobrenomes cruz e Mello, que de fato faziam parte da família, teria sido uma brincadeira de Manuel Bandeira. Quanto ao nome Marcus, registrado por seu pai, foi abandonado por ele ainda no ginásio, conforme registro em cartório. Passou a assinar-se apenas Vinicius de Moraes, como constaria em seu documento de identidade. tendo estudado na escola Afrânio Peixoto e no colégio santo Inácio, em 1930 matriculou-se na Faculdade de Direito da rua do catete, onde fez muitas amizades e se formou em 1933. Ainda nesse ano, estreou em livro, editado pelo poeta Augusto Frederico schmidt. De 1936 a 38, trabalhou como censor cinematográfico, orgulhando-se de não haver censurado nada. em 1938, viajou para cursar língua e literatura inglesas em oxford, com uma bolsa do conselho Britânico.

Devido à segunda Guerra Mundial, voltou ao Brasil em 1941, ocasião em que escreveu críticas de cinema para o jornal A Manhã. Dois anos depois, foi aprovado em concurso para diplomata do Ministério das relações exteriores. em 1946, foi designado para seu primeiro posto no exterior, como vice- cônsul em Los Angeles. Até o fim da década de 1950 trabalhou ainda como secretário das representações diplomáticas brasileiras nas capitais francesa, italiana e uruguaia, sendo aposentado por razões políticas em 1968. Depois de uma bem-sucedida carreira musical, como compositor e cantor, em 9 de julho de 1980, Vinicius de Moraes começou a se sentir mal na banheira de sua casa, no mesmo bairro carioca em que nasceu, falecendo em seguida.
 
A carreira se consolida
No início dos anos 1960, Vinicius teria um novo parceiro: o cantor, compositor e violonista Carlos Lyra. Escreveu ainda letras para chorinhos de Pixinguinha, estabelecendo também a parceria com o compositor e violonista Baden Powell, da qual resultariam numerosos sucessos, inclusive os chamados ‘afrosambas’.
Em 1962, Vinicius participou do Encontro, um dos mais significativos concertos da Bossa Nova. No mesmo ano, compôs com Carlos Lyra, a Marcha da quarta-feira de Cinzas e Minha namorada. Em 1963, lançou com a atriz Odette Lara seu primeiro álbum, com músicas em par- ceria com Baden Powell.
Em 1964, voltou de Paris, onde estava na delegação brasileira na UNESCO, e logo se apresentou na boate Zum Zum, ao lado de Dorival Caymmi, do Quarteto em Cy e do conjunto de Oscar Castro Neves, show de grande repercussão no meio artístico.
Em 1965, ficou com o primeiro e segundo lugares no Festival de MPB da TV Excelsior, res- pectivamente com Arrastão (parceria com Edu Lobo) e Valsa do amor que não vem (com Baden Powell). No mesmo ano, foi homenageado com um show no Teatro Municipal de São Paulo. Quando ele terminou a apresentação de Se todos fossem iguais a você, a plateia reagiu aplaudindo por 10 minutos ininterruptos.
No ano seguinte, foi convidado a ser jurado do Festival de Cannes. Descobriu que seu Samba da bênção fora utilizado, sem os devidos créditos, na trilha sonora do filme vencedor do festival, Um homem e uma mulher, do francês Claude Lelouch. Para evitar um processo, o diretor preferiu creditar a música a Vinicius.
1967 marcou a estreia de Garota de Ipanema, filme de Leon Hirzsman com Márcia Rodrigues no papel-título, baseado no sucesso homônimo de Vinicius e Tom, que é a segunda canção brasileira mais conhecida internacionalmente, depois de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Ainda naquele ano, o ‘poetinha’ organizou um festival de artes em Ouro Preto e excursionou pela América do Sul.
AMOSTRA DE POESIAMINHA NAMORADA
(*)

Se você quiser ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser, se quiser ser
S omente minha, exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser...
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento:
Ser só minha até morrer...
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E horar bem de mansinho
Sem ninguém saber porque...
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você...
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.
(*) Com música de Carlos Lyra.
 

        


 
REGISTRO
Paródias
E e ssencialmente transmitidas por via oral, uma delas resistiu à passagem das décadas e chegou até os nossos dias. Ttrata-se de uma quadrinha de autoria desconhecida, com o ritmo da cantiga infantil: Se esta rua fosse minha, que os amigos do poeta cantavam em tom de brincadeira, sempre que ele entrava no Antônio’s, um de seus bares favoritos no Rrio: “Sse eu tivesse, se eu tivesse muitos vícios,/ o meu nome poderia ser Vinicius./Ee se esses vícios fossem todos imorais,/ eu seria o Vinicius de Moraes...”

Últimos tempos e parceiro

Durante 1968, Vinicius se apresentou em Lisboa, ao lado de Chico Buarque e Nara Leão. No Brasil, politicamente eram tempos sombrios, de ‘caça às bruxas’ e repressão. No final desse ano, depois de mais de vinte anos de serviços prestados ao Itamaraty, o diplomata foi aposentado compulsoriamente pelo Ato Institucional nº 5.
Em entrevista ao jornalista Narceu de Almeida Filho, em 1979, Vinicius recordou o episódio: “O Otto (Lara Resende) sabe de uma história muito engraçada que aconteceu: quando o decreto veio de Brasília, assinado pelo Costa e Silva, o despacho dizia: "Ponha-se esse vagabundo para trabalhar". Aí, dizem que o Magalhães Pinto botou a mão na cabeça e chamou o Otto imediatamente, comentando: "Ih, isso vai dar um barulho dos diabos. Escreve um arrazoado aí para mandarmos para Brasília". O Otto escreveu e, por isso, o despacho não se tornou público. Mas a exoneração veio de qualquer maneira. O que para mim foi ótimo, porque eu já não aguentava mais aquilo, mas tinha um problema moral devido aos filhos, pois com 24 anos de carreira eu estava mais ou menos próximo da aposentadoria. Tinha um certo medo de jogar aquilo tudo pra o alto. Mas quando me livraram desse problema moral, fiquei muito satisfeito.” Como reparação, há alguns meses, em junho de 2010, ele foi promovido ‘post-mortem’ a Ministro de Primeira Classe da carreira de diplomata.
 
Por ocasião do AI-5, Vinicius estava em Portugal onde, após seu show, estudantes salazaristas concentraram-se na porta do teatro para protestar contra o poeta. Alertado e aconselhado a sair pela porta dos fundos, ele preferiu encarar os manifestantes e, parando na frente deles, começou a dizer os versos de Poética I. Ao final do poema, um dos rapazes tirou a capa do seu traje estudantil e a estendeu no chão para que Vinicius passasse sobre ela — gesto que foi imitado pelos outros jovens e que, naquele país, constitui uma forma tradicional de homenagem acadêmica.
 
LEIA MAISVinicius de Moraes – Site • Oficialhttp://www.viniciusdemoraes.com.br

Moisés• , Carlos Felipe - Vinicius de Moraes - Literatura Comentada – Editora Abril – São Paulo, 1980.

Castello• , José – Vinicius de Moraes – Rrelume-Dumará – Rrio de Janeiro, 2005.

No ano seguinte, Vinicius se apresentou em shows e recitais em cidades como Punta del Este, Lisboa e Buenos Aires. No mesmo período, começou a compor com um novo parceiro, o violonista Toquinho.
Em 1970, o poeta ficou quase um ano em cartaz num show no Canecão, no Rio de Janeiro, com Tom Jobim, Toquinho e Miúcha. Outra apresentação marcante, ao lado de Toquinho e Maria Creuza, foi em Buenos Aires, na boate La Fusa.
Vinicius e Toquinho excursionaram por várias cidades brasileiras e também pelo exterior. Em 1971, a dupla lançou seu primeiro disco gravado em estúdio. Em 1973, fizeram o show O poeta, a moça e o violão, com a cantora Clara Nunes no Teatro Castro Alves, em Salvador.
Nos anos seguintes da década de 1970, continuaram a ser lançados álbuns da dupla, com vários artistas convidados, em participações especiais.
Em 1980 saiu o álbum A arca de Noé, com diversos intérpretes para as composições infantis do poeta, musicadas a partir do livro homônimo. O disco inspirou um especial infantil, exibido pela Rede Globo naquele mesmo ano.
Em julho de 1980, o poeta passou seu último dia de vida na companhia do parceiro e amigo Toquinho, acertando os detalhes finais do volume 2 do disco A arca de Noé, que seria lançado postumamente no ano seguinte.

Após sua morte, a obra musical e poética de Vinicius manteve-se prestigiada e despertando crescente interesse, com o lançamento de vários álbuns e livros. Em 2005, foi homenageado pelo diretor Miguel Faria Jr. pelo documentário Vinicius. O filme combina poemas e canções com depoimentos de quem conviveu com o autor.
Numa avaliação do poeta e de sua obra, a cantora e compositora gaúcha Adriana Calcanhotto sintetizou: “Tudo em Vinicius de Moraes extravasa poesia. O devastador poder de sedução, a alma negra, o gosto pelo prazer, o espírito vagabundo. E, é claro, os poemas infantis, vários dos mais perfeitos sonetos do mundo, algumas das mais belas canções de todos os tempos. Me perdoem os chatos e suas questões sobre altos e baixos. Vinicius é fundamental.”
 
 
 
 
 

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