sábado, 11 de janeiro de 2014

Te Contei, não ? - Você não quer ser professor por quê?

O Brasil tem à frente o enorme desafio de melhorar seu Ensino público, mas, para isso, precisa resolver uma questão primordial: a valorização de seus mestres. Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), divulgados no final de 2013, mostraram que os países com melhor desempenho na Educação são aqueles que fazem a carreira Docente atrativa aos mais talentosos jovens que saem do Ensino médio. Não é o nosso caso. No Brasil, apesar de alguns avanços, os salários ainda são baixos em comparação com as demais ocupações universitárias, poucos jovens cogitam seguir a carreira Docente e, nos últimos anos, menos se formam em cursos de licenciatura.

Um levantamento feito pelo GLOBO nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, mostra que Professores tiveram, desde 1995, aumento médio na renda superior aos demais profissionais com Ensino superior. Mesmo assim, em 2012, um Professor do primeiro ciclo do Ensino fundamental (que dá aulas para crianças de 6 a 10 anos) recebia, em média, somente 57% do registrado entre profissionais também com nível superior. Entre Docentes do Ensino médio, esta proporção aumenta para 70%. Em 1995, esses percentuais eram, respectivamente, de 39% e 51%.
A baixa remuneração, além de desmotivar os próprios Professores, é um dos fatores que leva muitos jovens a descartar de seus planos a carreira em salas de aula. Uma pesquisa feita pela UniCarioca com exclusividade para O GLOBO mostra que apenas 20% dos Alunos do Ensino médio do Rio que pretendem ingressar no Ensino superior manifestam algum interesse pelo magistério. Eles são, em comparação com os que planejam outras carreiras, jovens de menor renda e que estudaram, principalmente, em Escolas públicas.

Se na entrada do sistema está difícil atrair jovens para os cursos de magistério, dados do Censo do Ensino Superior, do Ministério da Educação, mostram que há também um problema recente na saída das universidades. A quantidade de estudantes concluindo faculdades de licenciatura em disciplinas do Ensino básico, que na década passada teve aumento de 63%, registrou queda de 16% de 2010 a 2012. O mesmo movimento é percebido quando se analisa as matrículas: depois de aumentarem 60% na década passada, caíram 4% nos últimos três anos da pesquisa.
Se a queda do número de licenciaturas se confirmar ao longo dos anos, a tendência pode dificultar o cumprimento de uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação na Câmara dos Deputados, que estipula que todos os Professores do país tenham formação com licenciatura até 2024.
Mas como explicar a aceleração das licenciaturas até 2010, e depois freada brusca? O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, prefere uma saída econômica. Segundo ele, na última década, o Brasil viveu um dos maiores crescimentos de sua História, com inclusão de renda, e consequentemente, de crescimento da parcela da população à Educação superior. Com uma economia mais complexa, surgem outras oportunidades de trabalho mais atrativas.
Para Cara, este cenário precisa ser revertido urgentemente, já que o país precisaria de 1,5 milhão a dois milhões de novos Professores até 2023, segundo seus cálculos, para cumprir metas de inclusão no Ensino médio e de Educação integral do PNE:
- A partir de 2010 nós temos a solidificação do momento de boa avaliação econômica brasileira. Com isso, boa parte dos jovens acaba considerando que há outras oportunidades no mercado de trabalho que não a de Docente. E a situação é alarmante porque, com as metas do PNE, vamos precisar de um número muito maior de Professores na próxima década.
Mas o desinteresse pelo magistério é mais sentido por umas disciplinas do que por outras. Em alguns cursos, sequer houve declínio de licenciaturas. É o caso das Humanas (História, Geografia, Filosofia e Sociologia). De 2011 para 2012, o número de concluintes do grupo subiu 1%.
Já a área de Exatas (Matemática, Física, Química e Biologia) teve 13% a menos de formandos no mesmo período. E o drama para essas disciplinas é ainda maior se forem observados o período de 2010 para 2012, onde houve queda de 14% dos concluintes em Física, 13% em Biologia, 10% em Química e 21% em Matemática.
Não por acaso, essas matérias foram alvo do programa "Quero ser cientista, quero ser Professor", lançado em setembro pelo Ministério da Educação (MEC), que prevê a concessão de bolsas de R$ 150 a cerca de 100 mil Alunos do Ensino médio que manifestem vocação para a docência. Além da gratificação, os aspirantes a Professor terão orientação de Professores da Escola onde estudam e de estudantes universitários de cursos de licenciatura.
Para o presidente do Inep, Luis Cláudio Costa, o programa é a principal aposta do governo federal para a valorização do Professor. No entanto, Costa reconhece a dificuldade da tarefa:
- Não adianta, o estudante, a família e a sociedade procuram a carreira que é valorizada socialmente. Temos muitos jovens vocacionados para o Ensino, que seriam excelentes Professores, mas que estão procurando outras carreiras porque percebem que o magistério não é valorizado. É um desafio nosso, como ministério, fazer essa valorização.
Em algumas universidades do país, o desinteresse é visível em sala de aula. No Departamento de Matemática da Uerj, por exemplo, o segundo semestre de 2012 teve 100 Alunos ingressantes, 16 formandos, e nada menos que 84 debandaram do curso. E essa proporção se repete em períodos letivos anteriores.
Testemunha da evasão na área de Exatas é a coordenadora do curso de graduação em Matemática da UFRJ, Márcia Fusaro. Segundo ela, nos últimos dois anos, muitos de seus Alunos têm optado por trocar de curso, migrando geralmente para as Engenharias, ou simplesmente se contentando com o bacharelado. A cada ano, em média, seu departamento recebe cerca de 90 novos Alunos, e forma outros 20:
- Temos uma evasão muito grande na Licenciatura. Eles mudam ao longo do percurso para outros cursos. A verdade é que Matemática não é um curso fácil, e muitos pensam que vão encarar um curso difícil para depois não obter o retorno do esforço intelectual. Portanto, a mudança de curso acaba sendo natural: o Aluno que entra é jovem, e tem tempo para perceber que não era isso que ele queria. Se não houver a compatibilidade dos salários da docência com o mercado privado, realmente vamos perder profissionais que seriam excelentes Professores - diz Márcia.
Pedagogia no sentido oposto
A queda em cursos de licenciatura não é verificada em outra área da Educação: a Pedagogia. De 2002 a 2012, houve crescimento contínuo de 136% no número de matrículas, e 125% no de concluintes. Entretanto, diferentemente da licenciatura, o diploma de pedagogo só habilita o profissional a dar aulas nos primeiros anos do Ensino fundamental.
Neste caso, no entanto, especialistas alertam que o crescimento da Pedagogia não necessariamente significa maior interesse pela Educação. Mesmo ressaltando que ainda não há estudos que correlacionem a evolução dos cursos de graduação em Pedagogia e de licenciaturas, a pesquisadora em Educação da USP, Paula Louzano, cita a hipótese de que muitos usariam o título de pedagogo apenas como meio mais fácil de acesso ao Ensino superior. Se confirmada essa tendência, a pesquisadora aponta que então o problema não seria necessariamente a falta de Educadores, mas, sim, entender em quais setores profissionais estes pedagogos estariam atuando:
- A pergunta é se eles escolhem ou são escolhidos, se eles vão para carreira por falta de opção ou se eles querem mesmo. Talvez seja mais fácil passar para Pedagogia, que é menos especializado, do que numa Engenharia ou em Medicina, por exemplo. E a chance de eles conseguirem emprego em outras áreas é maior em Pedagogia do que em licenciatura. Então será que já temos muita gente formada que não está exercendo? Se for isso, a solução seria políticas de atratividade para a carreira, como salários, e não de formação.
 
Alunos de ensino médio não querem ser professores
Apenas um em cada cinco estudantes do Ensino médio no Rio de Janeiro pensa em ser Professor no futuro. E as explicações para o desinteresse são variadas. Uma delas, por exemplo, é que cerca de 96% desses mesmos Alunos acreditam que o Brasil não valoriza o Docente. Essas foram algumas das conclusões da pesquisa inédita Interesse pelo Magistério, realizada no final de novembro pela UniCarioca.
O estudo ouviu 1.360 estudantes entre 17 e 23 anos, sendo 44% da rede de Ensino particular, e 56% da rede pública. Ao todo, 88% dos Alunos disseram que pretendem ingressar no Ensino superior. Desses, só cerca de 20% manifestaram interesse pelo magistério, enquanto que outros 68% nem querem ouvir falar nessa possibilidade.
E mesmo os 20% que desejam ser Professor dão explicações variadas para o ingresso numa carreira cada vez menos procurada. Desse grupo, apenas 36% dizem que dar aulas seria como realizar o sonho de sua vida, ao passo que 28% afirmam estar em busca de um emprego estável e outros 20% alegam que o objetivo principal seria seguir o exemplo de seus familiares.
Entre os que não pensam de jeito nenhum em ser Professor, 40% justificam pela falta de vocação, 31% pela a falta de valorização e 18% pelo baixo salário pago aos Professores.
— A pesquisa confirma o crescente desinteresse pelo magistério. E mesmo entre os que querem ingressar na carreira, são poucos os que realmente têm o desejo de dar aulas. Grande parte está ali por outros motivos, como ser mais fácil passar para licenciatura no vestibular do que para uma engenharia, por exemplo — explica Jalme Pereira, coordenador do Núcleo de Pesquisas da UniCarioca.
Ao fazer um raio-X do perfil socioeconômico dos entrevistados, o estudo revelou o abismo entre os aspirantes a Professor e os outros Alunos que pretendem ingressar no Ensino superior. Dos 20% que disseram ter interesse pelo magistério, 64% possuem renda familiar até R$ 3 mil mensais, 63% são de Escolas públicas e 70% residem na Baixada ou na Zona Norte do Rio.
Mais acima da pirâmide social, segundo a pesquisa, estão os que não querem ser Professor. Cerca de 70% possuem renda familiar até R$ 5 mil, 52% são de Escolas privadas e 47% residem no Centro, Zona Sul e Zona Oeste do Rio.
As diferenças não param na barreira social, mas também de gênero: 68% dos interessados na docência são do sexo feminino. Para 47% dos entrevistados, o resgate do prestígio da profissão junto à opinião pública seria fundamental.

Avanço salarial ainda não iguala docente a outras áreas
De 1995 a 2012, enquanto a renda média dos profissionais com nível superior caiu 23%, os salários de Professores da Educação básica registraram aumentos reais de 5%, no caso dos Docentes do Ensino médio, a 19%, no caso dos que dão aulas para o segundo ciclo do Ensino fundamental. Apesar dos avanços, o magistério segue sendo a carreira universitária de pior remuneração.
Em 2012, o Professor do Ensino médio ganhava 70% da remuneração média dos demais profissionais com nível superior. Eram R$ 3.551 contra R$ 2.481. No caso de quem leciona de 1ª a 4ª série e de 5ª a 8ª série, a situação é pior. Os índices são de 57% e 64%. Todas as médias relativas aos Docentes estão ajustadas para 40 horas semanais, como uma forma de tornar possível a comparação.
Uma das esperanças dos profissionais é que o abismo acabe ou ao menos seja atenuado com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE). O projeto do plano foi enviado pelo governo federal ao Congresso em dezembro de 2010 e só foi aprovado pela Câmara dos Deputados quase dois anos depois, em outubro de 2012. Seguiu para o Senado, onde passou por três comissões, em pouco mais de um ano de tramitação, e agora aguarda aprovação do plenário. O texto ainda terá de voltar mais uma vez à Câmara, devido a modificações sofridas.
Uma das 20 metas do plano determina a valorização dos profissionais do magistério das redes públicas de Educação básica. A meta 17 fala em equiparação do rendimento médio dos Docentes ao dos demais profissionais com Escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência do PNE. Especialistas em Educação consultados pelo GLOBO ressaltam que é positivo o aumento no salário dos Professores desde 1995, mas afirmam que é preciso aumentar esse ritmo para atingir o objetivo traçado no plano.
Uma simulação feita pela pesquisadora Gabriela Moriconi com base nos dados tabulados pelo GLOBO mostra que, se o ritmo de crescimento dos salários dos Docentes dos últimos dez anos se repetir nos próximos dez, o Brasil não atingirá a meta de igualar os salários de Professores com os dos demais profissionais do nível superior em uma década.
Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara lembra que os números do levantamento do GLOBO mostram que, em 1995, a remuneração média dos Professores de 1ª a 4ª séries do Ensino fundamental era 39% da média dos demais profissionais de Ensino superior. No ano passado, esse percentual era de R$ 57%. Ou seja, um crescimento de 18 pontos percentuais em 17 anos. Com o PNE, o Brasil teria que aumentar o índice em mais 43 pontos percentuais num espaço de seis anos, para, aí sim, igualar os salários médios de Docentes e demais trabalhadores de nível superior.
- É importante dizer que o PNE está certo. Como todo plano, ele demanda ação e essa é uma questão urgente. E diante dessa urgência será necessária uma inédita vontade política dos gestores públicos e da sociedade brasileira - afirma Daniel.
 
Valor baixo de remuneração afasta profissionais
Salários baixos tendem a se traduzir em carência de Professores. Na rede estadual de Ensino do Rio, por exemplo, onde o salário inicial do Docente é de R$ 15 a hora/aula, a Secretaria Estadual de Educação (Seeduc) luta para tentar preencher cerca de 900 vagas de Docentes, 221 de Matemática, 126 de Física e 65 de Química.
Há ainda regiões crônicas de onde muitos Alunos saem para cursar o Ensino superior, mas quase não retornam com o diploma na mão. São os casos, por exemplo, de Sumidouro, Varre-Sai e Magé. Para atrair profissionais a essas localidades, a Seeduc concede uma “gratificação de difícil acesso”, no valor de R$ 300 mensais. Há ainda a possibilidade de efetuar contratos temporários para Docentes nestas regiões, embora a modalidade hoje represente somente 3% de todos os vínculos empregatícios, segundo a Seeduc.
Para o secretario estadual de Educação do Rio, Wilson Risolia, outro problema que agrava o quadro seria a multiplicidade de planos de carreira entre as redes estaduais e municipais de Ensino. Segundo ele, o ideal seria um único plano, nacional e unificado:
— Acontece geralmente de o Professor ter uma matrícula conosco, e depois outra com algum município. O ideal é que esse Docente fidelize-se em uma só Escola, numa só rede. Mais de 45% dos Professores dão aulas em mais de uma Escola no Brasil. Na Coreia, esse número é só de 8%. Por isso que eu defendo um plano nacional de carreira — argumenta Risolia.

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