quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Artigo de Opinião - ENEM, ARMADILHA PARA NEGROS E POBRES

Frei David Santos e Flávio Passos

A Educafro faz uma alegre partilha e um questionamento em forma de denúncia: de 2009 a 2013 o Pré-vestibular Quilombola, do Município de Vitória da Conquista, Bahia, parceiro da ONG, aprovou nos vestibulares públicos um total de 143 quilombolas. O projeto atende estudantes de 40 comunidades da região sudoeste da Bahia. Em nenhum outro lugar do Brasil conseguiu-se tamanha inclusão de quilombolas no ensino superior.

É uma experiência fantástica e que merece ser mais estudada. Dos 143, 132 foram aprovados nos vestibulares da Universidade Estadual da Bahia (Uesb); quatro, na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); sete, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Inclusive, em cursos concorridos como Psicologia, Medicina, Direito, Odontologia e Enfermagem. Com a substituição do vestibular tradicional pelo ENEM, no início, achávamos que essa nova metodologia de seleção - derrotando a decoreba dos cursinhos caros - iria trazer grande incentivo aos jovens, vítimas dos governos estaduais que oferecem um péssimo conteúdo acadêmico a quem só tem como opção de educação a escola pública.

O ENEM nasceu com uma proposta de avaliação do ensino médio. Agora, está imitando a tortura dos vestibulares conteudistas e que adotam a meritocracia injusta como visão pedagógica de seleção. O grande filósofo do Direito, da universidade de Harvard, Michael Sandel chama a atenção e conclama as universidades do mundo a reverem suas compreensões de meritocracia, passando a adotar a meritocracia justa.

Descobrimos que o uso do ENEM como vestibular, na forma como ele é aplicado, corre o perigo de se transformar numa armadilha para os pobres, negros, quilombolas e indígenas do Nordeste. A Uesb, a partir de 2012, disponibilizou metade das suas vagas no SISU, via ENEM. Naquele ano, apenas um quilombola do projeto foi aprovado via SISU.

Na UFBA, em 2013, a primeira parte do processo seletivo foi via SISU. Também apenas um quilombola da região foi aprovado. Em 2013, enquanto nenhum quilombola da região conseguia ingressar na Uesb via SISU, outros 22 foram aprovados via vestibular. Em 2014 a nota de corte para o ingresso na UFBA, que passou a adotar o SISU como o seu processo seletivo único, ficou na média de 650 pontos.

Globalizar o processo de entrada nas universidades públicas via ENEM pode ser uma armadilha cruel para o povo pobre, negro, quilombola e indígena do Nordeste. Estamos prevendo que o ENEM-SISU 2014 trará para o nosso povo mais exclusão. A meritocracia justa será colocada para trás mais uma vez.

Será uma grande decepção para o nosso povo local ver o sonho de ingressar em uma instituição pública de ensino se distanciando. Fazer um trabalho de mobilização da juventude quilombola e indígena para a conquista e empoderamento do seu direito à universidade pública não pode ser em vão. Isso vai decisivamente ajudar o Brasil a ser menos desigual e mais justo com os povos tradicionais. Diante deste quadro, queremos uma audiência urgente com o Ministro da Educação, para debater esta nova forma de exclusão, inesperada. Com a palavra, Aloizio Mercadante.

Será uma grande decepção para o nosso povo local ver o sonho de ingressar em uma instituição pública de ensino se distanciando






Frei David Santos é especialista em ações afirmativas e Flávio Passos é professor

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