OLAVO BILAC: VIDA, CARACTERÍSTICAS E ANÁLISE DE POEMAS
“Ao contrário dos seus gloriosos
companheiros, que tatearam com indecisão a cidadela da Forma, Bilac, ao estrear
com seu volume “Poesias” aos vinte e três anos, se apresentou no maior rigor da
nova escola, e, no entanto, com uma fluência na linguagem e na métrica, uma
sensualidade à flor da pele, que o tornavam muito mais acessível ao grande
público.”
Manuel Bandeira
I – VIDA:
Olavo Bilac (O. Braz Martins dos Guimarães B.), jornalista, poeta, inspetor de ensino, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 16 de dezembro de 1865, e faleceu, na mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918.
Seu pai, um cirurgião do Exército, serviu na Guerra do Paraguai, e somente conheceu o filho quando este contava 5 anos. Aos 12 anos, quando era interno no Colégio São Francisco de Paula, Olavo Bilac começou a arriscar os primeiros versos.
Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras criou a Cadeira nº. 15, que tem como patrono Gonçalves Dias.
Eram seus pais o Dr. Braz Martins dos Guimarães Bilac e D. Delfina Belmira dos Guimarães Bilac. Após os estudos primários e secundários, matriculou-se na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, mas desistiu no 4º ano. Tentou, a seguir, o curso de Direito em São Paulo, mas não passou do primeiro ano. Dedicou-se desde cedo ao jornalismo e à literatura. Teve intensa participação na política e em campanhas cívicas, das quais a mais famosa foi em favor do serviço militar obrigatório. Fundou vários jornais, de vida mais ou menos efêmera, como “A Cigarra”, “O Meio”, “A Rua”. Na seção “Semana” da Gazeta de Notícias, substituiu Machado de Assis, trabalhando ali durante anos.
Republicano e nacionalista escreve, em 1889, a letra do Hino à Bandeira.
Fazendo jornalismo político nos começos da República, foi um dos perseguidos por Floriano Peixoto. Teve que se esconder em Minas Gerais, quando frequentou a casa de Afonso Arinos em Ouro Preto. No regresso ao Rio, foi preso. Em 1891, foi nomeado oficial da Secretaria do Interior do Estado do Rio. Em 1898, inspetor escolar do Distrito Federal, cargo em que se aposentou, pouco antes de falecer. Foi também delegado em conferências diplomáticas e, em 1907, secretário do prefeito do Distrito Federal. Em 1916, fundou a Liga de Defesa Nacional.
Sua obra poética enquadra-se no Parnasianismo, que teve na década de 1880 a fase mais fecunda. Embora não tenha sido o primeiro a caracterizar o movimento parnasiano, pois só em 1888 publicou “Poesias”, Olavo Bilac tornou-se o mais típico dos parnasianos brasileiros, ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia.
Fundindo o Parnasianismo francês e a tradição lusitana, Olavo Bilac deu preferência às formas fixas do lirismo, especialmente ao soneto. Nas duas primeiras décadas do século XX, seus sonetos de chave de ouro eram decorados e declamados em toda parte, nos saraus e salões literários comuns na época. Nas “Poesias” encontram-se os famosos sonetos de “Via-Láctea” e a “Profissão de Fé”, na qual codificou o seu credo estético, que se distingue pelo culto do estilo, pela pureza da forma e da linguagem.
Ao lado do poeta lírico, há nele um poeta de tonalidade épica, de que é expressão o poema “O caçador de esmeraldas”, celebrando os feitos, a desilusão e morte do bandeirante Fernão Dias Pais.
Bilac foi, no seu tempo, um dos poetas brasileiros mais lidos do país, tendo sido eleito o “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, no concurso que a revista “Fon-Fon”, em 1907. Alguns anos mais tarde, os poetas parnasianos seriam o principal alvo do Modernismo. Apesar da reação modernista contra a sua poesia, Olavo Bilac tem lugar de destaque na literatura brasileira, como dos mais típicos e perfeitos dentro do Parnasianismo brasileiro.
Obteve honrarias e cargos políticos, revelou-se um brilhante orador, participou de viagens oficiais, liderou cruzadas pela erradicação do analfabetismo e pelo serviço militar obrigatório. Foi também o autor da letra do Hino à Bandeira. Quando faleceu, foi enterrado com honras de general e, por decreto presidencial de 1966, passou a ser considerado o patrono do Serviço Militar.
Cabe ainda lembrar-se do grande amor de sua vida, Amélia Mariano de Oliveira, irmã do poeta Alberto de Oliveira. Amélia era poetisa e ele foi sua maior inspiração.
Bilac, num bilhete, diz-lhe: “Foste a única mulher que me soube fazer conhecer toda a divina delícia, toda a suave tortura do verdadeiro amor. Amei-te no primeiro dia em que te vi: amei-te em silêncio, em segredo, sem esperança de te possuir e sem refletir”.
Desde a data da morte do poeta, em 1918 até janeiro de 1945, Amélia visitou diariamente o túmulo de Bilac, cobrindo-o de flores. Ambos morreram solteiros.
No entanto, para o crítico João Adolfo Hansen, "o mestre do passado, do livro de poesia escrito longe do estéril turbilhão da rua, não será o mesmo mestre do presente, do jornal, a cronicar assuntos cotidianos do Rio, prontinho para intervenções de Agache e a erradicação da plebe rude, expulsa do centro para os morros".
II - OBRAS:
Poesias (1888), compreendendo “Panóplias”, “Via-Láctea”, “Sarças de Fogo”, “Viagens”, “Alma Inquieta” e “O Caçador de Esmeraldas”.
Poesias infantis
Crônicas e novelas (1894)
Crítica e fantasia (1904)
Conferências literárias (1906)
Dicionário de rimas (1913)
Tratado de versificação (1910)
Ironia e piedade, crônicas (1916)
Tarde (1919)
Poesia, org. de Alceu Amoroso Lima (1957)
III - CARACTERÍSTICAS DO AUTOR:
Segundo o Prof. Antônio Cândido:
“Na sua obra há uma combinação feliz da tradição clássica portuguesa com o exemplo dos parnasianos franceses, refundida por um ardente temperamento plástico e retórico. Em nossa literatura, não há muitas de tão acabada perfeição formal seja na pureza da língua, seja na habilidade da versificação. Entretanto, embora poucas vezes pareça simples malabarismo, a sua poesia é superficial como visão do homem. Isto se deve com certeza ao fato de parar na camada sensorial das cores, dos sons, das combinações plásticas, fazendo as próprias ideias e sentimentos se transformarem em meras palavras bem ordenadas. Deve-se, também, à incapacidade de concentração mental, que transforma os seus conceitos poéticos em tiradas banais.
Há nele um aspecto estritamente parnasiano, descritivo, arqueológico, que se desdobraria mais tarde na poesia patriótica de cunho épico, à maneira de “O Caçador de Esmeraldas”, ou em sonetos de pura sugestão plástica. Há um aspecto de fervor amoroso, que se bifurca no lirismo espiritualizado da “Via-Láctea” e na forte sensualidade de outros poemas, principalmente os de “Sarças de Fogo”.
Há ainda um aspecto de sugestão mágica, impressionista em certas poesias descritivas, sonhadora noutras, que procuram captar a tonalidade do momento fugaz. Finalmente, há um pesadelo lastro didático, que prejudica sobretudo os sonetos demasiado factícios do último período.”
Olavo Bilac apesar de ter escrito poemas parnasianos, na maior parte de sua produção o que se vê é o rigor formal aliado a uma sensibilidade quase em tudo romântica. Em muitos momentos ele questiona a eficiência da palavra para expressar os estados da alma. Teve influências de Bocage e, com menos frequência, de Luís de Camões.
No entanto, fora da poesia parnasiana podemos perceber manifestações de outra faceta de Bilac. As poesias em que ironiza o então ditador Floriano Peixoto são excelentes: Floriano é satirizado como “Hamleto, o príncipe das Alagoas”; as crônicas publicadas em jornais cariocas revelam o lado galhofeiro e insolente de Bilac, segundo o professor Antônio Dimas, suas crônicas são “ideologicamente irregulares e ora apontam para soluções reacionárias, identificadas com o sistema vigente, ora para sua contestação”.
Suas obras parnasianas podem ser assim caracterizadas:
• Em “Panóplias”, o poeta está voltado para a Antiguidade Clássica, basicamente para Roma. Pertencem a essa fase, entre outros, os sonetos “A sesta de Nero”, “O incêndio de Roma” e “Lendo a Ilíada”.
• Em “Via Láctea”, temos 35 sonetos marcados por forte lirismo. O lirismo e a temática desses sonetos são responsáveis pela popularidade imediata alcançada pelo poeta. Dentre eles, merece destaque o soneto XIII: “Ora (direis) ouvir estrelas...”
• Em “Sarças de fogo” permanece o lirismo, a que se acrescenta agora o sensualismo vazado num erotismo que oscila entre o explícito e o requintado; mas essa sensualidade não vulgariza o amor, que sempre aparece como sentimento nobre e transcendente.
• É famoso o soneto “Nel mezzo Del carmin...”, com seus pleonasmos e inversões.
• Em “Alma inquieta” o poeta volta-se para os temas ditos filosóficos, tão ao gosto dos parnasianos.
• Em “Viagens”, encontramos o poema épico “O caçador de esmeraldas”, que o próprio Bilac definiu como “episódio da epopéia sertanista no século XVII”, e que narra a chegada dos bandeirantes a terras mineiras, com os paulistas individualizados na figura de Fernão Dias Paes.
• Em “Tarde” mostra o poeta mais descritivo e profundamente nacionalista. É exemplo significativo do descritivismo do poeta o soneto “Crepúsculo na mata”, e bem atestam a volta ao passado nacional os sonetos “Anchieta” e “Vila Rica”. No entanto, o que mais chama a atenção do leitor em “Tarde” é a consciência do fim, a proximidade da morte: o crepúsculo do poeta.
IV - POEMAS ANALISADOS:
PROFISSÃO DE FÉ
Le poète est ciseleur.
Le ciseleur est poète.
VICTOR HUGO
(...)
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto
relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla
roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
(...)
O poema inaugural da obra de Bilac, “Profissão de Fé”, expressa a adesão do poeta aos preceitos parnasianos da perfeição formal, da “arte pela arte”, do trabalho artesanal da rima, da métrica, da imagem.
A epígrafe do poema traduz-se por: “O poeta é ourives/O ourives é um poeta.” Observe já na epígrafe a aproximação da poesia aos ideais das artes plásticas (ourivesaria, pintura, escultura, arquitetura etc.)
Nesse poema, o poeta é comparado ao escultor e especialmente ao ourives, artistas que em comum têm por matéria-prima a ser transformada em Arte um material nobre e duro: pedras de alto valor, nobres tais como o mármore Carrara, o ônix, o ouro e a prata. A comparação do ato de construir o poema ao de cinzelar a pedra constitui uma alegoria do processo de criação poética, posto que possa ser decomposta em várias comparações menores associadas/articuladas entre si. Entre elas, à dureza das pedras corresponde a resistência da língua, a dificuldade em seu manuseio, especialmente o artístico, pois este deve atingir o grau máximo da Beleza, que é o da perfeição.
Bilac acentua a importância das palavras precisas, do cuidado com as frases e realça o polimento dos versos, para que o poema se torne uma espécie de objeto precioso, semelhante a uma jóia rara. O trabalho artesanal a que o poeta parnasiano atribui às palavras é para o autor semelhante ao do ourives, perseverante, delicado e cheio de dedicação e minuciosidade.
Outra comparação importante: à nobreza do material (pedras raras e preciosas) corresponde a nobreza dos temas e o tom da linguagem – daí que na poesia clássica não seja bem visto o riso e a galhofa típicos da comédia, admitindo-se apenas a sátira. Este rigor pode ser encontrado na forma, precisa, cujas estrofes, (todas quadras ou quartetos) apresentam rimas consoantes alternadas entre os versos pares e ímpares assim como apresentam metros alternados: octassílabos e tetrassílabos; o número de versos por estrofe (quatro) e metros utilizados são pares, o que se explica pelo fato da paridade conferir simetria e equilíbrio ao texto - e equilíbrio e simetria são expressões do Ideal de Beleza clássico.
O rigor apontado em "Profissão de fé" também se encontra no soneto bilaquiano “A um poeta” (mais abaixo), o qual apresenta a mesma alegoria para expressar as concepções de Arte e do fazer poético, visto que ao poeta cabe escrever seu verso, assim, como um escultor ou um ourives trabalha com suas pedras, buscando o relevo, a perfeição e servindo à Deusa Forma. A diferença é que o sujeito que agora “lima” o verso não é esse ourives, nem o escultor, mas o monge beneditino em seu claustro. Nesta alegoria, o monge personifica a perseverança e a paciência, assim como a pureza, o equilíbrio e a razão. Pureza, equilíbrio e racionalidade que se materializam na forma do tradicional soneto clássico italiano (que teve em Petrarca seu primeiro mestre) e no controle/domínio das paixões.
A UM POETA
Longe do estéril turbilhão da
rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no
sossego,
Trabalha e teima, e lima, e sofre, e
sua!
Mas que na forma se disfarce o
emprego
Do esforço: e trama viva se
construa
De tal modo, que a imagem fique
nua
Rica mas sóbria, como um templo
grego
Não se mostre na fábrica o
suplicio
Do mestre. E natural, o efeito
agrade
Sem lembrar os andaimes do
edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na
simplicidade.
Assim, o poeta, quando está escrevendo seus versos, deve encontrar um lugar tão sossegado e silencioso como um mosteiro, haja vista que o turbilhão da rua impede o ato de criação, pois é estéril. O último verso, da primeira estrofe, mostra que, para alcançar a forma perfeita, faz-se necessário trabalhar bem com o objeto da poesia, isto é, a palavra.
A ideia de moldar, perfeitamente, a forma, estende-se na segunda quadra. Todavia, o sujeito lírico adverte que o resultado final, isto é, a conclusão do poema, deve ocultar todo esforço que o poeta empregou na construção dos versos. Nesse sentido, o eu lírico compara a forma perfeita a de um templo grego. Eis, desse modo, a ligação com os clássicos, que aparece, não somente na estrutura do texto (a forma dum soneto), mas também, explicitamente, num dos versos.
O primeiro terceto traz o ato de criação, comparado a um extremo sofrimento, jamais deve, na visão do sujeito lírico, transparecer no resultado final. A forma é tudo; o edifício não pode conter marcas do andaime. Em outras palavras, a forma perfeita deve ser leve, natural, as dificuldades de sua construção não podem ser vistas.
Nos três versos finais, o belo é o sinônimo de verdade; logo a forma perfeita é, para os poetas parnasianos, a única maneira de construir uma poesia bela e verdadeira. Desviar-se do culto à forma seria, desse modo, um erro. Em suma, poder-se-ia dizer que “o último verso sintetiza de modo admirável o ideal parnasiano de perfeição formal, pois conjuga elementos clássicos de equilíbrio, de harmonia” (BASTOS, 2004, p. 72).
É importante, no entanto, salientar que a beleza de que nos fala o poeta só pode tratar-se da beleza estética que acompanha a obra de arte. Esta beleza, segundo o poeta, é “gêmea da Verdade”, logo, não pode tratar-se de uma verdade histórica, dotada de verdade.
Na concepção dos parnasianos o conceito da poesia está muito ligado visão “arte pela arte”, ou seja, a pretensão da universalidade através da utilização de uma linguagem objetiva que promove a contenção dos sentimentos e também a excessiva busca pela perfeição formal. O poeta modernista Oswald de Andrade sintetiza muito bem essa característica parnasiana quando diz que: "Só não se inventou uma máquina de fazer versos- já que havia o poeta parnasiano”.
VILA RICA
O ouro fulvo do ocaso as velhas casas
cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que
ambição
Na torturada entranha abriu da terra
nobre:
E cada cicatriz brilha como um
brasão.
O ângelus plange ao longe em doloroso
dobre,
O último ouro do sol morre na
cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e
pobre,
O crepúsculo cai como uma
extrema-unção.
Agora, para além do cerro, o céu
parece
Feito de um ouro ancião que o tempo
enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em
prece,
Como uma procissão espectral que se
move...
Dobra o sino... Soluça um verso de
Dirceu...
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros
chove.
Além de várias figuras de linguagem - comparação, metáfora, metonímia, personificação, inversão etc. -, o poema é rico em sugestões sonoras, como o baladar do sino sugerido pelos fonemas nasais e pela aliteração do fonema /jê/ no 1º verso da 2ª estrofe. Além disso, há várias sugestões cromáticas relacionadas ao ouro (luz do sol e do ouro das minas) e ao negro (da noite, do passado e do próprio nome da cidade). É possível notar também as oposições existentes no poema, que reforçam o contraste entre passado e presente, riqueza e pobreza, dia e noite, o passado glorioso e o presente humilde.
No “soluçar” do verso de Dirceu, a repetição do fonema /s/ na última estrofe, ao mesmo tempo em que lembra um choro, sugere também os sofrimentos amorosos de Marília e Dirceu e dos inconfidentes mineiros, apenas sugerindo, nunca enchendo o texto de sentimentalismo e subjetivismo exacerbado. Trata-se, portanto, de um poema que consegue unir técnicas de construção a um rico conteúdo histórico - qualidades que nem sempre foram alcançadas pelos parnasianos. Assim, em Vila rica Bilac mostra a objetividade parnasiana evoluindo para uma postura mais intimista e subjetiva.
ABYSSUS
Bela e traidora! Beijas e assassinas...
Quem te vê não tem forças que te
oponha
Ama-te, e dorme no teu seio, e
sonha,
E, quando acorda, acorda feito em
ruínas...
Seduzes, e convidas, e fascinas,
Como o abismo que, pérfido, a
medonha
Fauce apresenta flórida e
risonha,
Tapetada de rosas e boninas.
O viajor, vendo as flores,
fatigado
Foge o sol, e, deixando a estrada
poenta,
Avança incauto... Súbito,
esbroado,
Falta-lhe o solo aos seus pés: recua e
corre,
Vacila e grita, luta e se
ensanguenta,
E rola, e tomba, e se espedaça, e
morre...
Uma associação insólita entre beleza e traição é a base para a construção do poema “Abyssus”, abismo, em latim. O soneto é todo elaborado a partir de uma comparação que, evocada no título, é apresentada na segunda estrofe.
A mulher, descrita no primeiro verso por meio de características aparentemente incompatíveis (“bela e traidora”) e que promete o amor ao amante, é comparada ao abismo, que representa, alegoricamente, seu poder de destruição. O homem sem forças para evitar o envolvimento emocional, entrega-se e quando ele se percebe numa armadilha já se encontra totalmente destruído.
A força da traição feminina é representada pela maneira como o viajante é seduzido pela aparência “florida e risonha” da fauce, pela delicadeza das “rosas e das boninas”. Quando ele se aproxima do abismo, porém, não percebe a fragilidade do solo, que se desfaz debaixo de seus pés, levando-a a morte.
O poema sugere que a mulher e abismo têm o mesmo poder: depois de seduzir os homens, que lutam para se libertar, arrastam todos para a destruição.
A última estrofe, constituída essencialmente de verbos, apresenta a dramática luta metafórica do homem, vítima incauta da sedução feminina, contra a sua morte certeira. Ainda utilizando-se da metáfora do abismo, o homem segue em direção à mulher, mas quando percebe estar se perdendo, tenta a todo custo escapar de seus encantos, até que não há mais jeito e acaba-se por se deixar levar pela paixão.
Esse soneto é um belo exemplo de como os poetas parnasianos transformam a linguagem em expressão da arte mais pura.
INANIA VERBA
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e
escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não
escreve?
— Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em
breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te
deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de
lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de
neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e
voava.
Quem o molde achará para a expressão de
tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se
levanta?
E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero
mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na
garganta?!
O título do poema, “Inania Verba”, cujo idioma é o latim, significa “palavras inúteis”, explica a dificuldade encontrada pelo eu lírico em traduzir os sentimentos através de palavras. As palavras não os contêm, pois são “vazias”, “frívolas”, “pesadas”.
Nos versos iniciais, o eu lírico resume a angústia de conter em uma forma perfeita e fria as ideias arrebatadoras. Assim, o poeta dirige-se à sua própria alma como uma entidade impotente e escrava das formas que não conseguem traduzir os seus sentimentos. Isso gera para ele uma sensação de dor que é equiparada à mesma que Cristo sofreu quando foi pregado na cruz (vide o verso 3 do primeiro quarteto).
O último verso da primeira quadra complementa o pensamento de impotência, visto que o ideal do sujeito-lírico transforma-se em lodo, isto é, as ideias do movimento parnasianista que tanto o deslumbravam, agora, estão degradados.
No segundo quarteto valendo-se de uma metáfora, diz que “O Pensamento” é um “turbilhão de lava”, uma ideia leve,/que, perfuma e clarão, refulgia e voava”. A Forma é um “sepulcro de neve”, “fria e espessa”, “palavra pesada”.
As imagens mostram que a forma é uma espécie de prisão do pensamento; este fervilha, carregado de emoções, enquanto a Forma esfria-o e sepulta-o. Por meio das antíteses (turbilhão de lava/sepulcro de neve, palavra pesada/ideia leve), o poeta torna mais evidente a angústia da criação, a dificuldade de encontrar as palavras exatas para expressar sentimentos e emoções que costumam ser indescritíveis.
Interessante notar que o contraponto que o poeta faz nesse quarteto, vale-se do fogo e da água, essa última em seu estado sólido enterra a capacidade criativa do poeta. No terceiro verso da aludida quadra, fala da impossibilidade da palavra traduzir as ideias, a primeira é pesada e a segunda é leve. Isso evidencia, por exemplo, a incapacidade de traduzir, com perfeição formal, os pensamentos em palavras.
O primeiro terceto abre-se com uma indagação: “Quem o molde achará para a expressão de tudo?” E no seguinte, há um lamento, dado que é achar uma expressão para tudo é impossível. Esse aspecto ganha força no decorrer do primeiro e do segundo terceto.
A poesia patriótica tem em Bilac, alguns momentos expressivos. Apoiado na tradição ufanista assumiu conscientemente o papel de poeta cívico, exaltando a pátria, sua língua, seus símbolos e heróis engajando-se nas causas cívicas de seu tempo.
O amor pela língua seria coroado com o famoso soneto “Língua portuguesa”:
LÍNGUA PORTUGUESA
Última flor do Lácio, inculta e
bela,
És, a um tempo, esplendor e
sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos
vela…
Amo-te assim, desconhecida e
obscura,
Tuba de alto clangor, lira
singela,
Que tens o trom e o silvo da
procela
E o arrolo da saudade e da
ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu
aroma
De virgens selvas e de oceano
largo!
Amo-te, ó rude e doloroso
idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu
filho!”
E em que Camões chorou, no exílio
amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem
brilho!
Nesse soneto, Olavo Bilac faz uma abordagem sobre o histórico da língua portuguesa, tema já tratado por Camões. Partindo para uma análise semântica do texto literário, observa-se que o poeta, com a metáfora “Última flor do Lácio, inculta e bela”, refere-se ao fato de que a língua portuguesa ter sido a última língua neolatina formada a partir do latim vulgar – falado pelos soldados da região italiana do Lácio.
No segundo verso, há um paradoxo: “És a um tempo, esplendor e sepultura”. “Esplendor”, porque uma nova língua estava ascendendo, dando continuidade ao latim. “Sepultura” porque, a partir do momento em que a língua portuguesa vai sendo usada e se expandindo, o latim vai caindo em desuso, “morrendo”.
No terceiro e quarto verso, “Ouro nativo, que na ganga impura / A bruta mina entre os cascalhos vela”, o poeta exalta a língua que ainda não foi lapidada pela fala, em comparação às outras também formadas a partir do latim.
O poeta enfatiza a beleza da língua em suas diversas expressões: oratórias, canções de ninar, emoções, orações e louvores: “Amo-te assim, desconhecida e obscura,/ Tuba de alto clangor, lira singela”. Ao fazer uso da expressão “O teu aroma/ de virgens cegas e oceano largo”, o autor aponta a relação subjetiva entre o idioma novo, recém-criado, e o “cheiro agradável das virgens selvas”, caracterizando as florestas brasileiras ainda não exploradas pelo homem branco. Ele manifesta a maneira pela qual a língua foi trazida ao Brasil – através do oceano, numa longa viagem de caravela – quando encerra o segundo verso do terceto.
Ainda expressando o seu amor pelo idioma, agora através de um vocativo, “Amo-te, ó rude e doloroso idioma”, Olavo Bilac alude ao fato de que o idioma ainda precisava ser moldado e, impor essa língua a outros povos não era um tarefa fácil, pois implicou em destruir a cultura de outros povos.
No último terceto, para finalizar, quando o autor diz: “Em que da voz materna ouvi: “meu filho!/ E em que Camões chorou, no exílio amargo/ O gênio sem ventura e o amor sem brilho”, ele utiliza uma expressão fora da norma (“meu filho”) e refere-se a Camões, quem consolidou a língua portuguesa no seu célebre livro “Os Lusíadas”, uma epopéia que conta os feitos grandiosos dos portugueses durante as “grandes navegações”, produzida quando esteve exilado, aos 17 anos, nas colônias portuguesas da África e da Ásia. Desce exílio, nasceu “Os Lusíadas”, uma das oitavas epopéias do mundo.
Os momentos melhor realizados da lírica amorosa de Bilac são os que marcam certo distanciamento do formalismo parnasiano e do tecnicismo intensivo. Quando Bilac se afasta do sensualismo retórico e declamatório, consegue uma poesia altamente comunicativa, eivada de matizes românticos. É exatamente esse resíduo romântico que aproxima o poeta do gosto do brasileiro médio, por meio dos “ganchos” emocionais que vão capturando a sensibilidade do leitor.
Especialmente em “Via-Láctea”, o tom lamentoso das coisas do amor, misto de certo donjuanismo e de alguma sensibilidade confessional, Bilac assume uma postura nitidamente neo-romântica, superando a atitude intelectualizante do Parnasianismo. “Alma Inquieta” e “Tarde” são desdobramentos dessa vertente mais espiritualizada e sóbria do poeta, menos preocupada com as rimas raras e com as lantejoulas vocabulares.
VIA LÁCTEA
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no
entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em
pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender
estrelas"
Nesse poema, Bilac defende a importância de expressar os sentimentos. No segundo quarteto, o poeta compara a nebulosa a que pertence o nosso sistema (“Via-Láctea”) à cobertura dos santos em procissão (“pélio”), como se o céu protegesse o poeta. Dessa forma, fica enfatizada a proximidade entre ele e as estrelas.
Os belos versos finais que arrematam de modo inesquecível o soneto trazem o segredo para ouvir as estrelas, simplesmente amar.
NEL MEZZO DEL CAMAIN...
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu
vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu
tinha...
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à
minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar
continha.
Hoje, segues de novo... Na
partida
Nem o pranto os teus olhos
umedece,
Nem te comove a dor da
despedida.
E eu, solitário, volto a face, e
tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho
extremo
O título “Nel Mezzo Del Camin...” (“no meio do caminho”) dialoga com “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, através da intertextualidade do primeiro verso desta obra, que fala dos trinta e cinco anos do poeta italiano, da “metade do caminho da vida”, da incompletude metaforizada pela “selva escura”.
Nel mezzo del camin de nostra
vita
mi retrovai por una selva oscura:
ché la viritta via era smarrita
A meio caminho de nossa vida
fui me encontrar em uma selva
escura:
estava a reta a minha via
perdida.
A sua interpretação pode ser (entre outras) a de obstáculo a ser transposto na viagem rumo à revelação da Verdade Divina ou rumo ao destino, momento de encontro do poeta caminhante (protagonista do poema épico, posto ser uma narrativa da sua aventura na travessia dos círculos do Inferno) consigo mesmo - viagem ao interior de si cujo movimento subjetivo de mergulho no Ser é da ordem do lírico. Aliás, especialmente lírico é o final, momento do clímax, onde temos o encontro do poeta com seu amor, Beatriz, que lhe aparece envolta em luz, num estado de beatitude.
O soneto “Nel Mezzo Del Camin...” se desdobra em três segmentos muito bem caracterizados: o encontro amoroso; a intensidade da vivência amorosa e a separação sugerida pela recordação das mãos unidas em tempo passado e agora afastadas. Dessa forma, o tema se desenvolve entre amor e dor, entrega e separação.
O texto segue a forma fixa do soneto, com rimas externas (cruzadas e alternadas) e versos decassílabos.
Observa-se, também o quiasmo (figura de estilo de repetições invertidas de termos que se cruzam), retratando o dualismo existencial (encontro X separação) e o paralelismo na primeira estrofe.
Na segunda estrofe, nota-se a sonoridade do primeiro verso e o enjambement ao fim de cada verso criando um relaxamento da tensão, que vinha crescendo desde o primeiro verso até o momento da parada súbita.
No primeiro terceto é interessante observar a cesura após "novo" (no primeiro verso), o enjambement entre esse verso e o seguinte, e o fato de que o sujeito lírico deixa de falar sobre ele e a amada (eu + ela = nós) e passa a falar exclusivamente dela.
Note-se a "dureza" da pessoa que parte, que não demonstra sofrer (aos olhos do sujeito lírico) a dor da separação na medida em que não chora nem demonstra se comover com a despedida.
No terceto final, o eco do som da sílaba [ter] pode ser interpretado como um registro sonoro do tremor da voz do sujeito-lírico, que possivelmente está quase a soluçar, após a partida da amada. Ainda é interessante observar outro aspecto no nível fônico desta estrofe final: a aliteração do fonema [k] (letras q e c) parece representar o som forte das passadas da mulher que se afasta friamente, aparentemente impassível frente á dor do sujeito-lírico.
Em “Tercetos”, Bilac lançou mão da Terça Rima, isto é, criou estrofes de três versos onde o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo, por sua vez, rimará com o primeiro e o último da estrofe seguinte.
Os versos decassílabos trazem as súplicas de um eu lírico que insiste em não abandonar o quarto da amada.
O ensaísta francês Rolland Barthes, numa página firme e aguda, mostra que o verdadeiro espírito erótico está no esconder-se para melhor excitar. A nudez, descarnada, a apologia direta do sexo, com esquemas mecânicos de solicitação e repulsa, é produto de uma certa inabilidade de Bilac, que, aliás, lhe deu a imerecida fama de poeta “erótico”.
Na verdade, ele fantasia uma pequena comédia sexual que só não chega ao vulgar porque o poeta utiliza um vocabulário excessivamente nobilitante e formalista para causar o impacto de “Eros”.
TERCETOS
I
Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse
embora,
Eu, como os olhos em lágrimas,
dizia:
“Espera ao menos que desponte a
aurora!
Tua alcova é cheirosa como um
ninho…
E olha que escuridão há lá por
fora!
Como queres que eu vá, triste e
sozinho,
Casando a treva e o frio de meu
peito
Ao frio e à treva que há pelo
caminho?
Ouves? é o vento! é um temporal
desfeito!
Não me arrojes à chuva e à
tempestade!
Não me exiles do vale do teu
leito!
Morrerei de aflição e de saudade…
Espera! até que o dia
resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!
Sobre o teu colo deixa-me a
cabeça
Repousar, como há pouco
repousava…
Espera um pouco! deixa que
amanheça!”
— E ela abria-me os braços. E eu
ficava.
II
E, já amanhã quando ela me pedia
Que de seu claro corpo me
afastasse,
Eu, com os olhos em lágrimas,
dizia:
“Não pode ser! não vês que o dia
nasce?
A aurora, em fogo e sangue, as nuvens
corta…
Que diria de ti quem me
encontrasse?
Ah! nem me digas que isso pouco
importa!…
Que pensariam, vendo-me,
apressado,
Tão cedo assim, saindo a tua
porta.
Vendo-me exausto, pálido,
cansado,
E todo pelo aroma de teu beijo
Escandalosamente perfumado?
O amor, querida, não exclui o
pejo…
Espera! até que o sol desapareça,
Beija-me a boca! mata-me o
desejo!
Sobre o teu colo deixa-me a
cabeça
Repousar, como há pouco
repousava!
Espera um pouco! deixa que
anoiteça!”
— E ela abria-me os braços. E eu
ficava.
Observe o relato das experiências carnais, extravagante e excessivo, para uma poesia que se pretendia fiel aos fatos. Depois, a intimidade, no amor transfigurado em poesia, precisa de um certo halo de censura para vibrar mais sincera e contagiantemente.
A boa poesia de pulsões eróticas aproveita poucas coisas do mundo exterior aos amantes, pois nela o fundamental é o sentimento e a sobriedade. Depois, o poeta divulga seus prazeres como se quisesse auto afirmar-se ou despertar inveja, o que não condiz com a ética amorosa do galanteador, nem com sua estratégia.
O discurso amoroso apoiado em apelos exteriores ao universo dos amantes, desprovido do intimismo, perde a força.
O pior, neste poema, não é o vocabulário, nem a sintaxe, nem o ritmo e nem o tema. O pior é a concepção subliminarmente narcisista e coisificada do amor, principalmente, no verso “Beija-me a boca! mata-me o desejo!”, que o poeta instrumentaliza a amada, quando esta é que deveria ser o sujeito atuante de toda irradiação erótica, não o objeto inerte através do qual o poeta dá um show de desvairismo exibicionista.
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