sexta-feira, 13 de junho de 2014

Crônica do Dia - A educação dos nossos filhos - Fábio Giambiagi

Não adianta xingar o sistema. Seria mais útil se fosse ensinado como ele opera e explicado que os países que mais deram certo são aqueles onde o sistema funciona melhor


O objetivo deste texto não é criticar um colégio ou uma matéria em particular, mas fazer uma reflexão sobre a educação de nossos filhos. Creio que o que vem a seguir expressa o misto de perplexidade e angústia de muitos pais.
Nossos filhos se formam e são lançados na vida adulta sem ter a menor ideia de como responder a duas perguntas cuja resposta define, em parte, a condição de qualquer cidadão:
a) “Quanto vou ter que poupar por mês, a partir dos 25 anos, para poder dar entrada na casa própria aos 30 anos?”;
b) “Quanto vou ter que poupar por mês, a partir dos 25 anos, para ter uma renda complementar de X quando chegar a hora de me aposentar?”
Pessoas que conseguem se organizar — por mérito próprio e sem depender dos pais — para responder às duas perguntas terão mais êxito do que as que caírem vítimas dos cheques especiais da vida, tiverem que pagar aluguel a vida inteira e/ou, tendo eventualmente tido antes uma vida adulta relativamente confortável, acabarem dependendo apenas do INSS ao chegar a uma idade avançada.
Em um país que precisa se mostrar mais produtivo, a educação não prepara bem os jovens para enfrentar um mundo onde a competição — entre os indivíduos, entre as empresas e entre os países — será o nome do jogo
Em compensação, os jovens são expostos (até nas aulas de religião!) a uma verdadeira catequese anticapitalista, metódica e incisiva, com frases como as que transcrevo abaixo, retiradas de um dos livros adotados por uma escola que está entre as primeiras colocadas no Enem, no Rio de Janeiro:
“O sistema político atual faz com que os pobres paguem a conta dos ricos em todos os setores da sociedade. O neoliberalismo (capitalismo) incentiva a competitividade, o individualismo. Se quisermos ser solidários, temos que remar contra a correnteza e fazer algo para que o novo possa ser usufruído por todos” (no capítulo sobre “Compromissos”).
“Será que os MCS (meios de comunicação social) nos apresentam os problemas de forma fragmentada, o que não nos permite enxergar o que a política neoliberal tem a ver com a queda de um variado número de grandes e pequenas empresas, com o desemprego, com a violência, com a fome?” (no capítulo sobre “Participação popular”).
“Vamos pensar: quantas vezes você foi convidado a dar uma opinião na compra de um carro em sua casa? Quem decidiu sobre as prioridades e os investimentos futuros em sua casa? Quem tem a última palavra?” (no capítulo sobre “Poder e relações de dominação”).
O clímax de toda essa pregação de marxismo de jardim de infância é o subtítulo do capítulo sobre “análise social”: a síntese, antológica, de que “o sistema econômico é a mãe de todos os vícios”.
Não adianta xingar o sistema. Seria mais útil se aos alunos fosse ensinado como ele opera e explicado que os países que mais deram certo são justamente aqueles onde o sistema funciona melhor, que a China deslanchou quando introduziu componentes capitalistas no seu dia a dia e que a comparação entre o destino das duas Coreias nos últimos 60 anos é a melhor forma do aluno tirar as suas próprias conclusões acerca do assunto.
A vida é dura para a maioria. Até mesmo para muitos membros da elite, o êxito profissional vem, em geral, depois de muito estudo, muitas provas e muito empenho. É um desserviço ao bom nome da escola, à educação dos futuros cidadãos e ao país o que certo tipo de professores faz nas suas pregações contra o capitalismo. O jovem sai do ensino médio achando que o “sistema” está errado e que ganhar dinheiro é uma espécie de pecado. Anos depois, aprenderá na vida que o capitalismo é como a democracia para Churchill (“o pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outros”) e que, se não se preocupar em constituir certo patrimônio, chegará o dia em que enfrentará problemas sérios. Se ficar preso à ideologia recebida nesse tipo de aulas, aumentarão as chances de chegar a uma idade crítica dependendo da boa vontade alheia. Se tiver tido êxito na vida, provavelmente terá deixado de lado aqueles ensinamentos.
Há algo profundamente errado nas nossas escolas, mesmo entre algumas das que se encontram entre as melhores do país. Por isso, não é de estranhar que, em comparações internacionais como o Pisa, o Brasil esteja mal na foto. Em um país que precisa se mostrar mais produtivo, a educação não prepara bem os jovens para enfrentar um mundo onde a competição — entre os indivíduos, entre as empresas e entre os países — será o nome do jogo. Gostemos ou não.
Fonte: O Globo, 12/5/2014

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