DE MÉDICO E LOUCO...MACHADO PARA PRINCIPIANTES
E se fizéssemos o contrário do que propõe uma certa Patrícia Secco, que “adaptou” Machado de Assis para ganhar dinheiro, mas ela diz que foi para atender os pobres, e seguíssemos o reto caminho: preparar, não apenas os pobres, mas todos os brasileiros, para ler seu maior escritor? Tratei do assunto em artigo publicado em “O Globo” na semana passada, com o título “Machado de Itararé, Barão de Assis”. Quem quiser ler, está aqui: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/machado-de-itarare-barao-de-assis-de-deonisio-da-silva/ Qual o melhor modo de ler um escritor de qualidade? Há vários, mas nenhum deles pode ser aquele escolhido pela esperta senhora. Ela o fez apenas para ganhar dinheiro. Comecemos. Depois de saber que tem em mãos um livro do maior escritor brasileiro de todos os tempos, que, neste caso é “O Alienista”, vamos ler o primeiro capítulo.
O bom leitor é um desconfiado! Por que o título? “Alienista” era como se chamava o psiquiatra na segunda metade do século XIX, quando Machado escreveu esse livro. Aqueles que sofriam de perturbações mentais, eram chamados “alienados”, isto é, pessoas que viviam fora da realidade. A história se passa em Itaguaí, nos arredores do Rio. O nome do personagem principal, o médico, é Simão Bacamarte, de 34 anos. Ele se forma em Medicina, na Europa, o rei de Portugal pede que ele escolha onde quer morar e trabalhar: ser professor universitário em Coimbra ou funcionário da monarquia em Lisboa. Ele recusa os dois empregos e vai trabalhar em Itaguaí, justificando que “a ciência é o meu emprego único, e Itaguaí o meu universo”. Já trabalhando, aos 40 anos casa-se com Evarista da Costa e Mascarenhas, de 25 anos, viúva de um juiz-de-fora, “nem bonita, nem simpática”, mas em “condições fisiológicas e anatômicas” de lhe dar “filhos robustos, sãos e inteligentes”. Mas ela não lhe deu filho algum, apesar de tratamento “com a bela carne de porco de Itaguaí”. Observando que os vereadores não fazem caso dos loucos bravos e dos loucos mansos de Itaguaí, muitos dos quais (os bravos) vivem presos em cárcere privado nas próprias casas onde moram, ou andam soltos pelas ruas (os mansos), Dr. Simão Bacamarte faz uma proposta à Câmara: ele construiria um edifício para tratar dos dementes, e o poder público pagaria o tratamento quando os familiares do enfermo não o pudessem fazer.
Palavras para aumentar o vocabulário do leitor nas primeiras duas páginas: cataplasma (emplastro, remédio caseiro), teorema (modo de pensar, figura geométrica), robusto (forte), patologia (doença), imarcescível (que não murcha), arroubo (ficar fora de si, êxtase), boticário (farmacêutico), defraudar (roubar com esperteza), desarraigar (arrancar), estipêndio (pagamento), demência (loucura). Quem lê esse livro, sai dele melhor do que entrou. Entre outras coisas, com um vocabulário maior e melhor. (xx) *escritor e professor, autor de 34 livros. Está publicado em Portugal, Cuba, Itália, Alemanha, Suécia etc. Os mais recentes são “Lotte & Zweig” e “De onde vêm as palavras (17ª edição).
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