A morte de toda celebridade provoca impacto midiático. Por isso, os arquivos da mídia guardam obituários da rainha Elizabeth II e do papa Bento XVI, de Pelé e Neymar, de Demi Moore e Sebastien Vettel. A morte nem sempre manda aviso prévio. Se uma celebridade deixa a vida por acidente, como Ayrton Senna e Lady Di, ou por causa inesperada, como Michael Jackson e Amy Winehouse, as redações precisam ter pronto o perfil biográfico do falecido. Agora, Steve Jobs morreu aos 56 anos. O impacto é tanto maior quanto mais prematura e irreparável a perda: não há como clonar cérebros e talentos geniais. Há pessoas, sim, insubstituíveis. Como já não estão entre nós, ficamos sem parâmetro de comparação, sem saber o que fariam no lugar de quem lhes sucedeu.
Sim, sabemos todos que ninguém é imortal. Em determinado dia, mês e ano do calendário, cada um de nós deixará este mundo. O que choca é ver alguém morrer antes do tempo.
Sobretudo quando se respira uma cultura de preconceito à velhice. Chamar, hoje, alguém de velho é uma ofensa. No máximo, admite-se idoso. E haja eufemismos para qualificar quem passou dos 60: terceira idade, melhor idade etc. Vi escrito numa van: “Aqui viaja a turma da dignidade”. Como velho que sou, rejeito tais artimanhas da linguagem. A melhor idade é dos 20 aos 35 anos (embora a ditadura, ao encarcerar-me, tenha me roubado quatro). Se é para inventar eufemismo, melhor ser realista e considerar nós velhos a turma da eterna idade, já que estamos naturalmente mais próximos dela.
Nossa cultura pós-moderna lida muito mal com a morte. Busca ansiosamente o elixir da eterna juventude: academias de ginástica, anabolizantes, macrobiótica, cirurgias plásticas etc. Na minha infância, criança era quem tinha de zero a 11 anos. Adolescente, de 11 a 18. Jovem, de 18 a 30. Adulto, de 30 a 50. Velho, mais de 50. Hoje, tem-se a impressão de que criança é de zero a 18, quando se vive na dependência dos pais. Adolescente, de 18 a 30, sem segurança quanto a compromissos afetivos e profissionais. E jovem, dos 30 em diante, ainda que se tenha 80 ou 90.
O mundo desencantou-se, disse Max Weber. Religiões e ideologias estão em crise. Pouco se pergunta pelo sentido desta vida e, portanto, muito menos o que nos espera na outra. A relativização de valores e a desculpabilização ética exorcizam o medo de padecer eternamente no inferno. A morte, como fato social, é tratada como inconveniente: não há rituais fúnebres. Morre-se no hospital, faz-se breve velório, crema-se o corpo, espalham-se as cinzas ao pé de alguma árvore. E vira-se a página. Não há luto nem memória do falecido. E em famílias ricas não raramente a briga por herança começa antes de o defunto esfriar.
As escolas deveriam educar seus alunos quanto aos ritos de passagem inevitáveis ao longo da vida. Eles aprenderiam que a morte não merece credibilidade porque, em si, não existe. Existem a passagem para quem se foi e a perda para quem ficou. Há famílias que cometem o erro de evitar que as crianças compareçam ao velório de entes queridos. Elas ficam com uma incômoda interrogação na cabeça frente ao sumiço do parente querido.
Não gosto do verbo morrer. Prefiro transvivenciar. Por uma questão de fé e sentimento. Quando nascemos, todos riem e nós choramos. Quando transvivenciamos, ocorre o contrário. A vida é um milagre excepcionalmente belo para enclausurar-se nos poucos anos que nos são dados viver. Acredito que, ao sair do casulo, todos haveremos de virar borboletas – o que é ainda mais belo e promissor.
Frei Betto - Jornal O Dia
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