Eloi de Araujo, O Globo *
Há 23 anos foi criada a Fundação Cultural Palmares, instituição vinculada ao Ministério da Cultura. É o primeiro órgão do Estado brasileiro com a missão de criar políticas de ação afirmativa, voltadas à população negra, com atribuições da difusão, promoção e proteção da cultura de matriz africana. Recentemente, temos lido alguns artigos sobre quilombos. Alguns têm má-fé e outros demonstram desconhecimento profundo. Nos lembram um samba de Zeca Pagodinho que diz: “Você sabe o que é caviar? Eu não sei, nunca vi, só ouço falar.” Parafraseando o grande sambista: “Você sabe o que é um quilombo? Eu não sei, nunca vi, só ouço falar.” São comunidades habitadas por descendentes de escravos, que possuem trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, e, principalmente, são relacionados à resistência à escravidão. Merece destaque a epopeia do dos Palmares, em Alagoas, que resistiu por mais de cem anos aos ataques dos escravocratas. Lá viviam em comunhão ex-escravos, indígenas e não negros perseguidos pela Colônia. Contudo, em 20 de novembro de 1695, Zumbi dos Palmares, seu último líder, foi morto, e o quilombo, destruído.
A certificação de uma comunidade de remanescentes dos quilombos tem como base legal o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e os artigos 215 e 216 da Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e os Decretos 4.887/2003 e 6.040/2007. O processo de certificação tem início com a comunidade, que encaminha à Fundação Cultural Palmares toda a documentação sobre o quilombo. Declaração de autodefinição de que são quilombolas, base territorial, dados da sua origem, número de famílias, jornais, certidões, enfim, toda prova hábil a instruir o procedimento administrativo. A área certificada é submetida a um rigoroso laudo antropológico, que dá origem ao Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Quando a área é titulada passa a ser propriedade coletiva, inalienável, impenhorável e imprescritível.
Os quilombolas não são envolvidos com grilagem, esbulho, desmatamento, fraudes em cartórios ou venda ilegal de propriedades. Sua ligação cultural com os antepassados faz com que a terra onde vivem seja sagrada, não para especulação. São 1.715 quilombos certificados em todo o país. Destes, apenas 120 tiveram títulos emitidos pelo Incra, regularizando 987.936ha, em benefício de 11.918 famílias quilombolas. Área equivalente a menos de um por cento das áreas dos três dos maiores latifundiários do país.
O direito às terras dos quilombolas foi resguardado na Lei 12.288, de 2010, o Estatuto da Igualdade Racial, assegurando-lhes possibilidades de acesso aos bens econômicos e culturais. É preciso superar em definitivo os preconceitos que aparecem travestidos de inúmeras roupagens e impedem um Brasil mais igual. É chegada à hora da redução das desigualdades e da construção de uma sociedade justa e solidária. A igualdade de oportunidades entre negros e não negros haverá de ser o princípio norteador para o desenvolvimento da nação.
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Artigo do Presidente da Fundação Cultural Palmares publicado no Jornal O Globo, do dia 16/10/2011
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