sábado, 15 de outubro de 2011

Nos Tempos da Literatura ......................... Namoro a Cavalo

Você já se imaginou vivendo em 1830?
Como pensavam, agiam e o que sentiam os adolescentes dessa época? 
Como se locomoviam para ver suas amadas se não havia carro, ônibus nem moto? 
Como se falavam se os pais mantinham os jovens sob vigilância constante e não havia telefone, internet nem e - mail?
O poema a seguir foi escrito por Álvares de Azevedo quando, ainda adolescente, morava no Rio de Janeiro e estava perdidamente apaixonado por uma jovem...


Namoro a Cavalo



Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça
Que rege minha vida malfadada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.

Alugo (três mil-réis) por uma tarde
Um cavalo de trote (que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
À minha namorada na janela...
Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado,
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito... mas furtado...
Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda a Comédia- em casamento...

Ontem tinha chovido... Que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando uma carroça
Minhas roupas tafues encheu de lama...

Eu não desanimei! Se Dom Quixote
No Rossinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada...
Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...
O cavalo ignorante de namoros
Entre dentes, tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo
Com pernas para o ar, sobre a calçada...
Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode,
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.
Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair, de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...

Álvares de Azevedo 

Um comentário:

  1. Um ótimo poema para se refletir sobre a desconstrução do Ultra-Romantismo por um autor ultra-romântico. Mostra o trabalho estético e ideológico do "fazer poesia".

    "Dei ao diabo os namoros"

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