Autor(es): Fernando Abrucio
Época - 26/09/2011
Um tópico que poderia organizar uma mobilização mais consequente é o fim do voto secreto no Congresso
Mobilizações populares pela melhoria da política são sempre bem-vindas. Nas últimas semanas, foram feitas algumas contra a corrupção, impulsionadas por campanhas na internet. Embora tenham reunido, ainda, uma pequena quantidade de pessoas, elas mostraram o descontentamento diante de escândalos recentes. Ser contra isso não me parece sensato. Porém, comparar esses atos à campanha das Diretas ou considerá-los algo que "vai mudar a política brasileira" é bastante precipitado.
Muitas críticas foram feitas ao baixo quórum ou ao caráter pretensamente elitista dessas manifestações. Essa forma de desqualificação ignora o fato de que é desejável que os vários setores da sociedade se mobilizem e debatam as principais questões do país. Numa sociedade caleidoscópica e individualista como a contemporânea, o pior perigo é a apatia, e não a organização de eventos públicos por quaisquer que sejam os estratos populacionais e suas opiniões – contanto que sejam democráticas.
O tema em questão deveria preocupar mais gente, da direita à esquerda, da elite ao povão. A corrupção certamente não é maior hoje que no passado, tampouco é o maior problema do país. Mas é uma questão fundamental para a qualidade da democracia. Combatê-la é melhorar nossa política, retirando obstáculos à efetividade das políticas públicas, tão importantes para combater as iniquidades sociais.
O que deveria preocupar os analistas não é a existência desses movimentos, mas sua baixa capacidade de atrair mais gente e, sobretudo, de fazer valer sua bandeira principal. Numa situação normal de governabilidade, como a que vivemos, é muito difícil atrair grandes massas para protestar por temas gerais. Não estamos numa transição de regime político, não houve nenhuma catástrofe social, o governo foi eleito legitimamente e sua conduta é bem avaliada. Em suma, qualquer comparação com a Primavera Árabe ou com a campanha das Diretas é extemporânea.
Mas o tema da corrupção continua muito importante para a qualidade de nossas instituições. Como atrair mais gente e fazer com que toda essa mobilização tenha mais êxito?
Creio que o melhor caminho passa pela construção de uma pauta clara de propostas de reformulação institucional. É preciso identificar quais instrumentos legais ou de gestão poderiam ser modificados de modo a reduzir as irregularidades administrativas e a impunidade. Feita essa lista, a mobilização poderia ser organizada para lutar por cada uma dessas mudanças, sendo preferível uma estratégia incremental, de se concentrar em poucos temas – ou mesmo num só – de cada vez. Foi assim na campanha pelo projeto Ficha Limpa, que mesmo com os percalços ocorridos, teve mais sucesso na articulação da sociedade do que teria qualquer comício convocado para discutir a "faxina" do Brasil.
Há vários tópicos que poderiam ser listados como possíveis propostas de reformulação institucional contra os comportamentos antirrepublicanos. Cito apenas dois que poderiam organizar uma mobilização popular mais focada e consequente. O primeiro é o fim do voto secreto no Congresso Nacional. O ponto inconteste é que os representantes numa democracia devem responder continuamente e de forma clara aos representados – é o conceito de accountability. No caso do processo de cassação da deputada federal Jaqueline Roriz, os eleitores não poderão julgar os eleitos porque ninguém sabe quem a absolveu. Ressalte-se que a opacidade das decisões públicas é a maior aliada da corrupção.
O segundo tópico é discutir melhor o conceito de imunidade parlamentar. É preciso propor uma reformulação jurídica que garanta a liberdade do mandato para aqueles que foram eleitos, claro, mas sem que isso se transforme em garantia de impunidade para quem cometeu crimes. Eis um tópico mais relevante e democrático do que propor a pena de morte aos políticos, como estava escrito num cartaz exposto no comício do Rio de Janeiro dias atrás. Só faltou pedir a volta da ditadura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário