A Academia Brasileira de Letras demorou para criar suas maiores tradições
Daniel Piza
Eles não usavam fardão, não tomavam chá às 5 da tarde e não se metiam com política. Queriam uma agremiação que protegesse os escritores, estimulando as publicações e evitando discussões ideológicas. Em 1897, quando fundaram a Academia Brasileira de Letras, esses escritores não tiveram dúvida sobre o primeiro presidente: Machado de Assis.
Machado, José Veríssimo (1857-1916), Lúcio de Mendonça (1854-1909) e Joaquim Nabuco (1849-1910) davam as cartas na entidade e afastavam os críticos – uma atitude que levou o jornalista José do Patrocínio (1854-1905) a afirmar que a academia queria reunir apenas uma “aristocracia intelectual”. Criada como cópia do modelo francês, ela precisava ter 40 membros fixos. A dificuldade para encontrar tantos escritores representativos foi grande. Nabuco defendeu a idéia de convidar expoentes da sociedade para lhe dar maior respeitabilidade. Como, nos primeiros anos, a verba era pequena, os imortais faziam média com o governo para ter uma sede. E as mulheres só foram aparecer em 1977, com a eleição de Rachel de Queiroz (1910-2003).
Acertos políticos à parte, essa primeira geração era talentosa: tinha Olavo Bilac (1865-1918), Rui Barbosa (1849-1923), Graça Aranha (1868-1931) e Euclides da Cunha (1866-1909). E não se preocupava tanto com a pompa quanto os integrantes que vieram depois. Muitos escritores só tinham cerca de 30 anos, e nenhum político fazia pressão para entrar ali, como ocorreria no futuro. Quanto ao famoso chá das 5, ninguém sabe ao certo quando surgiu. Já o fardão começou a ser usado em 1911.
PEDIDO DE UNIDADE
Coube ao presidente Machado de Assis fazer o discurso inaugural em 1897, e ele o fez com simplicidade e categoria. “O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária.”
LUTA PELA CASA PRÓPRIA
Só em 1904, a ABL conseguiu uma sede própria, em uma ala do Silogeu Brasileiro, um prédio público que abrigava outras instituições. O imóvel definitivo, o Petit Trianon, só foi adquirido em 1923, graças a uma doação feita pelo governo francês.
UNIFORME DESCONFORTÁVEL
O melhor crítico literário da época, José Veríssimo, foi um dos maiores entusiastas e membro ativo até 1910. Mas deixou a instituição por causa do fardão. Para ele, o hábito de vestir os recém-eleitos com uma roupa quente e pomposa não acrescentava nada.
Começo difícil
Primeiros imortais não tinham sede
NÔMADES
Nos primeiros anos, os imortais se reuniam no Ginásio Nacional, na Academia de Medicina (2), no Real Gabinete Português de Leitura e na rua da Quitanda, no escritório do advogado Rodrigo Octávio.
DUAS INAUGURAÇÕES
Em dezembro de 1896, a ABL foi inaugurada em reunião na sede da Revista Brasileira, de José Veríssimo. Mas a sessão oficial só aconteceu em 20 de julho de 1897, numa sala emprestada do Pedagogium, na rua do Passeio.
Casos e acasos
As histórias mais curiosas da ABL
POLITICAGENS
Getúlio Vargas (1882-1954) não tinha obra literária, mas, graças a uma edição de seus discursos, ele foi aceito. Já Juscelino Kubitschek (1902-1976) perdeu a vaga para o escritor Bernardo Élis (1915-1977).
ADELITA
O general Aurélio de Lira Tavares (1905-1998) foi eleito em 1970. Um de seus textos é o Ato Institucional 5, que instituiu a censura em 1968. Nos versos que compunha, ele assinava como “Adelita”.
COERÊNCIA
Roberto Campos (1917-2001) sofreu resistência para ser aceito. É que sua vaga havia sido ocupada pelo dramaturgo Dias Gomes (1922-1999), que era comunista – e Campos se dizia anticomunista.
PREMONIÇÃO
João Guimarães Rosa achava que, se eleito, morreria. Por isso, durante anos adiou o discurso de posse. Quando o proferiu, em 1967, seu medo se concretizou. Três dias depois, estava morto.
GRANA CERTA
A atual riqueza da ABL surgiu nos anos 1970, quando Austregésilo de Athayde (1898-1993) conseguiu do governo um terreno, que foi alugado para um prédio comercial ao lado da sede.
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