quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Crônica do dia - Sapato preto, cinto marrom




Rio - Ele orienta jovens universitários sobre como enfrentar a banca de julgamento, no dia da apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso, o famoso e temido TCC. Entre tantas dicas de como não usar expressões chulas ou não copiar da Internet páginas e páginas da dissertação, quando arranca da seleta plateia gargalhadas por ser espirituoso e cheio de caretas dramáticas, o orientador começa a tecer considerações sobre o tema ‘O que vestir’, impensável para universitários pobres que sequer podem escolher entre a calça A ou B, pois só têm a A.

Em pensamento, abandono a aula e volto no tempo: estou sentado diante do Guru de Yoga famosíssimo, na bancada do ‘Sem Censura’, ao lado de minha Deusa Leda Nagle. Ele está lançando seu esperadíssimo livro sobre como não usar sandálias, pois foram feitas para a areia, como diz a denominação ‘sand’ em inglês. Ele fala, fala, diz que as do tipo Havaianas estão muito na moda, mas não carregam consigo a liturgia de respeito que certas convenções sociais exigem. Eu olho para a cara do sujeito e lentamente deixo vir de minha boca as palavras de minha indignação: “Mas o senhor não acha que é contraditório um homem que trabalha com coisas da energia espiritual, como o senhor, estar dando importância ou mesmo atribuindo força e poder a um item desprezível, como calçados, para a avaliação do valor de um ser humano?”.

Daquele silêncio do irrespondível, que fechou a tampa do caixão daquela entrevista (me lembro que depois um espectador telefonou para registrar que a palavra sandália viria de uma raiz latina, nada tendo a ver com a tal areia inglesa que o Guru invocava), voltei em meu redemoinho de pensamentos para a sala, no momento em que o palestrante frisava, aos gritos: “Não, cinto marrom com sapato preto e meia branca, não! Jamais, nunca, em tempo algum; é uma combinação tão horrorosa que sempre que eu estou na banca e o sujeito está com esta combinação, mais que 9,5 não dou, pois fico hipnotizado de tanto horror diante de mim”. Pobre de uma sociedade que instrumentaliza seus estudantes a valorizar a aparência, na completa inversão da sabedoria do que a roupa não faz o monge. Adeus, Gandhi; adeus, São Francisco de Assis; aplausos para socialites, estilistas, o circo dos bem-nascidos, bem-sucedidos, bem arrumados. “Não usem anéis chamativos, nem profundas fendas nos vestidos para seduzir os velhos da banca”, continuava ele.

E eu ali, diante da mais risível das situações, quando tudo o que uma universidade tem que fazer é fomentar a inteligência, formar cidadãos conscientes de seu valor social para além da vestimenta. O que estamos fazendo com nossos jovens, professores universitários? Para que tipo de vida os estamos empurrando?

Jornal O Dia 

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