Eugênia Infante da Câmara nasceu a 9 de abril de 1837 em Lisboa, Portugal, num domingo, o 100º dia do ano, dedicado aos santos Acácio, Demétrio e Maria, e sob o signo de Áries, de onde, segundo os entendidos em astrologia, ser do “tipo ariano-solar” (nascimento entre 31 de março a 9 de abril). Os nascidos nesse signo “gostam de elogios, fogem do silêncio e da solidão, possuem poderosa aura magnética e de grande vitalidade, sendo que a imaginação criadora e a capacidade reali-zadora são inestimáveis dotes que aqui andam sempre juntos”. Foi batizada na freguesia de Santa Cruz do Castelo, na capital portuguesa. Faleceu às 21 horas de uma quinta-feira, dia 28 de maio de 1874, na Rua das Marrecas nº 33, na cidade do Rio de Janeiro, e foi sepultada em caixão nº 3, de 66 polegadas, recolhido no quadro 1º, debaixo do nº 376, de adulto, no Cemitério de São João Batista. Ao seu desaparecimento, o poeta N. Umbelino Vieira dedicou-lhe uma nênia no Jornal do Comércio de 31 de maio.
Era filha de Joaquim Infante da Câmara e de sua mulher Ludovina Infante da Câmara, como se comprova com o ma-nuscrito que localizamos no Arquivo da Cúria Metropolitana, do Rio de Janeiro, constante do maço nº 31, fls. 9, 10, 11 e 12, que se encontra na Igreja Nossa Senhora do Carmo da antiga Sé, ex-Catedral do Rio de Janeiro, à Praça 15 de Novembro, esquina da Rua 7 de Setembro.
Infante da Câmara é um título nobre, ilustre, de cepa fidalga, com genealogia de séculos. Eugênia recebeu esmerada educação social e literária, revelando desde a infância qualidades de viva inteligência e imaginação exaltada. Extremamente precoce, ainda adolescente declamava com perfeição em francês, espanhol e na língua materna. Aos 15 anos já revelara uma forte personalidade, quando se dirigiu sozinha ao Teatro do Ginásio e, diante do empresário Santos Pi-torra, fez um teste audacioso, recitando em francês, para a conquista de um lugar da atriz. Iniciou a sua carreira teatral.
Sua estréia realizou-se no Teatro do Ginásio, em sua ci-dade natal, na noite de 20 de fevereiro de 1852, em récita de benefício, que constou das duas em 1 ato, Qual deles é o pai? e Qual delas é a mãe?, da comédia em 3 atos, Eram elas, e da far-sa de um ato, com acompanhamento musical, A parteira e o dentista, tendo Eugênia Câmara interpretado o papel de “ingênua”. Depois de inúmeras representações em Lisboa, Eugênia passou-se para o Porto, ligada à companhia teatral do Ginásio, estreando no Teatro de São João. No Porto, foi publicado o seu primeiro livro de versos, intitulado Esboços Poéticos, pela Tipografia de Sebastião José Pereira, Praça de Santa Teresa nºs. 28 a 30. É um volume de 102 páginas, epigrafado com trechos de Camões, Vítor Hugo, Pinto Sampaio e outros (...).
Os desempenhos de Eugênia Câmara nos palcos de Lisboa e do Porto despertaram a atenção de Camilo Castelo Branco, que, a propósito de seus dotes artísticos, escreveu uma crônica lisonjeira no jornal O Nacional: “A espirituosa Eugênia, essa punha em todas as suas palavras o cunho da inteligência. É tradutora, é poetisa de bonitos versos, tem lá dentro a fada que lhe segreda as variadas inflexões com que a voz obedece ao coração, revelando-o inteiro. A sua índole nervosa e irrequieta doou-lhe a primazia nos papéis de paixões fortes, onde prevaleceram os ímpetos, as zangas, astravessuras. É uma grande atriz”. (...)
Eugênia Câmara chegou ao Brasil na barca portuguesa “Félix”, no dia 10 de outubro de 1859, contratada pela direção do Teatro Ginásio Dramático do Rio de Janeiro. (...).
No sábado, 29 de outubro, estreou no papel de Baronesa do Almourol na peça Abel e Caim, drama em três atos, original português de Antônio Mendes Leal, ano de Berta na comédia Berta de castigo, tradução da própria Eugênia. Entre os espectadores encontrava-se o célebre poeta e romancista José Maria Machado de Assis, que, ao vê-la, assim se manifestou na revista de literatura O Espelho, de 6 de novembro de 1859: “A Sra. Eugênia Câmara tem uma esfera própria, a comédia, a comédia Dejazet. Em sua estréia teve a felicidade de mostrar-se de perfil, com toda a distribuição de luz e de sombras; de maneira que a platéia apa-nhou-lhe os traços mais vivos e reconheceu-lhe as proeminências...”
Depois de percorrer várias cidades brasileiras, Eugênia Câmara reuniu as poesias que havia escrito e publicado nos jornais do Brasil, com algumas do seu livro Esboços Poéticos e mais 19 poesias que foram dedicadas em sua homenagem, entre 20 de dezembro de 1860 e 18 de março de 1864, por Augusto Emílio Zaluar, Antônio Manuel dos Reis, Luís Nicolau Fagundes Varela, Vitoriano Palhares e outros, e publicou o seu segundo livro de poesias, Segredos d’Alma, pela Tipografia Constitucional, em Fortaleza (CE). * * *
Depois da polêmica Castro Alves x Tobias Barreto, nova vida começou distante do centro da cidade, de todos, no arrebalde do “Barro”, o mais pitoresco bairro do Recife. Nas férias de 1866/67, em lua-de-mel, comendo no mesmo prato, bebendo no mesmo copo, falando a mesma linguagem de amor, pertenciam um ao outro, ele era dela e ela era dele; agradecido e feliz, Castro Alves escreveu o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, ao lado da musa inspiradora, que seria no palco a Maria Dorotéia de Seixas Brandão (Marília de Dirceu).
Em 1867, Eugênia Câmara acompanha-o a Salvador (BA). Hospeda-se com sua filha e Castro Alves no Hotel Figueiredo, um dos melhores da cidade, que ficava situado no Largo do Teatro, que antes se chamou Portas de São Bento, ou Largo da Quitanda, e é hoje a Praça Castro Alves, próximo à Ladeira de São Bento, “do lado do mar, em uma casa depois da em que funcionou a redação e oficinas do jornal Diário da Bahia. Eugênia Câmara mostrou-se à Bahia pelo braço do poeta num lindo vestido de tafetá, em carro aberto, sem temor aos comentários dos amigos e familiares do jovem amante.
Meses depois resolveram mudar-se para o Solar da Boa Vista, lugar distante, um retiro havia muito sem moradores, onde Castro Alves passara uma boa parte de sua infância. (...)
Na Bahia, representaram o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas quatro vezes. Em fevereiro do ano seguinte, após oito meses de exibições artísticas na Bahia, Eugênia Câmara, Castro Alves, Emília e uma criada embarcaram no vapor francês “Picardie” com destino ao Rio de Janeiro.
Na Corte, os amantes hospedaram-se no Hotel Aux Frères Provenceaux, à Rua do Ouvidor nº 126-B, esquina da Rua Gonçalves Dias (primeira esquina à esquerda de quem entra na Rua do Ouvidor, vindo da Rua Uruguaiana). Dias depois, tomaram o vapor “Santa Maria”, desembarcaram em Santos, na manhã do dia 12 de março, tomaram o trem da Estrada de Ferro São Paulo Railway, saltaram na Estação da Luz e foram se hospedar no Hotel d’Itália (antigo Hotel das Quatro Nações, que, sob a administração de Mr. Fretin, passou depois a denominar-se Hotel da França) (...)
Em São Paulo, Eugênia Câmara organizou uma companhia teatral denominada Empresa Eugênia Câmara, que do dia 26 de abril de 1868 até o dia 11 de julho de 1869 funcionou sob sua responsabilidade no Teatro de São José, que ficava situado no canto esquerdo da Rua do Imperador, com frente para o Largo São Gonçalo, hoje Praça João Mendes. (...)
Após o acidente sofrido por Castro Alves, em 14 de novembro de 1868, Eugênia foi vê-lo na Rua do Imperador, tomada de compaixão e ternura, porque o amava verdadeiramente, e só queria amá-lo, ser só dele, viver para ele. (...).
Voltou a reencontrar-se com Castro Alves no Rio de Janeiro, no Teatro Fênix Dramática, num sábado, dia 13 de novembro de 1869, e na Rua do Catete, onde ela residia. Castro Alves, recordando-se daquele violento amor, confessa-o na poesia “Adeus”. Era a declaração suprema. Castro Alves amava ainda, com viva paixão e desvario, a sua “Dama Negra”. Quando Eugênia recebeu a poesia, leu e releu as últimas estrofes, tomou duma caneta e, entre lances de coragem e tristeza, molhando a pena no próprio coração, respondeu-lhe, usando o mesmo título. (...)
Em novembro de 1873, Eugênia Câmara casou-se com o violinista, ator e regente da orquestra do Teatro Fênix Dramática, Antônio de Assis Osternold, sendo padrinhos os atores Antônio Lima e Jacinto Heller.
Na sexta-feira, 22 de maio de 1874, a empresa do artista Heller representou em benefício da atriz Eugênia Câmara Osternold a comédia-drama, em dois atos, O gaiato de Lisboa, cabendo-lhe desempenhar o papel de José, aprendiz de tipógrafo, de 12 anos de idade.
Os espectadores estavam atentos.
Norlandio Meirelles de Almeida é escritor. Foi responsável pela segunda edição do livro de Eugênia Câmara, Segredos d‘Alma. São Paulo: editora Pannartz, 1989. Excertos do texto da apresentação por ele assinado
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