sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Te Contei, não ? - De volta a depois do ano 2000


No disco que marca sua volta ao Brasil após o exílio em Londres, em 1972, o artista visitou, com olhar pop, a sonoridade tradicional nordestina
Foto: Arquivo


Era 1972, a volta do exílio de Gilberto Gil em Londres. O artista marcava o retorno com “Expresso 2222”, um disco que era, de alguma forma, uma tematização do movimento da volta — “Back in Bahia”, canções que integravam a tradição nordestina, a Banda de Pífanos de Caruaru. Como em todo retorno, porém, o antigo era visto com olho novo. Processando tudo com a cabeça tropicalista encharcada da experiência europeia, Gil partia para depois do ano 2000. Agora, em 2012, o álbum tem seus 40 anos celebrados com uma reedição pela gravadora Universal, remasterizada em Abbey Road e com o projeto gráfico original do LP adaptado para o CD — um lançamento feito em homenagem também aos 70 anos do compositor.
Uma oportunidade de revisitar o álbum, fundamental para a música brasileira — como se pode perceber no “faixa a faixa” ao lado, com depoimentos de artistas que representam os muitos que tocam para frente esse legado hoje.
Sua importância passa pela originalidade das releituras de um cancioneiro com caráter regional (quatro das nove faixas não eram de Gil, mas de compositores como João do Vale e Gordurinha), pelo desenvolvimento das ideias tropicalistas, pela presença de clássicos como a canção-título e “Oriente”... Moreno Veloso chama a atenção, de forma categórica, para um aspecto específico:
— O disco mudou o modo como o Brasil passou a olhar para o violão. Depois de Caymmi e João Gilberto e antes de João Bosco e Roberto Mendes. Espontaneidade e virtuosismo, muito suingue e limpeza natural de quem não tem medo de acertar e ser feliz com seu dom de instrumentista e compositor. Samba de mais maneiras.
Capa dobrável saiu caro
Ali, o violão de Gil está a serviço de inéditas como “O sonho acabou”, além de brilhar em interpretações como a de “Chiclete com banana”. A seu lado, no estúdio, o músico teve Lanny Gordin (guitarra e baixo), Bruce Henry (baixo), Antônio Perna (piano) e Tutty Moreno (bateria e percussão). Gal Costa (na buliçosa “Sai do sereno”, de Onildo Almeida) e Banda de Pífanos de Caruaru (em “Pipoca moderna”, de Caetano Veloso e Sebastiano Biano) são os convidados. Juntos, sob o comando de Gil, a banda criou a sonoridade. Roberto Menescal, que assina a coordenação de produção do disco, conta que o baiano sabia exatamente o que queria.
— Não tive interferência em nada, apenas viabilizava o que Gil precisava — lembra Menescal, que teve que cortar um dobrado para tornar viável a capa do disco. — O artista responsável (Ednizio Ribeiro Primo) me mostrou o projeto, redondo, bacana. “Tá, agora só vamos ter que reduzir para caber no quadrado da capa padrão.” Ele: “Não, meu projeto é assim mesmo.” “Mas temos as caixas-padrão para armazenar os discos.” “Vocês podem fazer caixas maiores.” “Mas tem as nossas prateleiras, o espaço das lojas.” E ele respondendo que tudo podia ser mudado para caber o disco. Demorei a convencê-lo a fazer como saiu, dobrando para ficar quadrado. Mesmo assim, saiu caro. A cada disco vendido, perdíamos o equivalente a R$ 1. Mas era investimento.
“Expresso 2222” é relançado simultaneamente com “Cérebro eletrônico”, álbum de Gil de 1969, também remasterizado. Com direção musical de Rogério Duprat, o disco de “Aquele abraço” ganhará as lojas também em vinil.
Novos olhares sobre um clássico
‘Pipoca moderna’, por Siba
“Essa música gravamos no primeiro disco do Mestre Ambrósio. Era uma referência de uma forma de se apropriar de maneira muito respeitosa, mais que isso, de exaltação, desse outro mundo da música que a gente convencionou chamar de tradicional. A melodia genial dialoga com a Banda de Pífanos de Caruaru, que está entre o que há de mais virtuoso na música tradicional brasileira. Para nós, naquele momento, era um exemplo do que queríamos fazer.”
‘Back in Bahia’, por Mariana Aydar
“A canção traduz um sentimento do disco. A volta para casa, pra raiz, pro mar, pro sal da Bahia, pro Riachão, pro Nordeste, João do Vale, banda de pífanos. Gil é um dos artistas que mais valorizaram a sua terra. Voltou a cantar Luiz Gonzaga quando ninguém queria ouvir forró, e ainda não quer, e continua cantando, mas do seu jeito, suingado e antropofágico. Foi preciso ir para voltar, ver as coisas de lá e de cá, engolir, digerir e expelir o Brasil de Gil, nosso.”
‘O canto da ema’, por Lula Queiroga
“Tem um ponteado de violão sofisticado demais. Gil consegue trazer o universo sertanejo para esse lado. Ele sempre foi de fazer essa brincadeira, a velha história de antenas e raízes, que depois retornou com a parabólica na lama do mangue bit. Essa coisa de chamar de volta a música popular de raiz, cantando a fauna, uma música que diz que a ema, quando canta, vai dar merda. A crendice popular, tudo ali. Tem uma enorme riqueza, uma verdade. E isso tudo corre bem fluido num disco que se propunha a ser, desde o título, um expresso para o que vem adiante. Porque tem o frescor de um universo inequívoco, da crendice nordestina.”
‘Chiclete com banana’, por China
“A versão dele para o sucesso de Jackson do Pandeiro é incrível. É um retorno de Gil à história que está no início da Tropicália, de ver a banda de pífanos em Pernambuco e ficar louco com aquilo. Gil conta que dizia para Caetano: ‘Beatles, essas coisas, a gente já conhece, temos que olhar pro Brasil.’ Pegar essa música, com Jackson do Pandeiro tocando em temas cosmopolitas, é uma sacada genial, que tem muito a ver com o Brasil, com a Tropicália.”
‘Ele e eu’, por Moreno Veloso
“Fala de Gil, de meu pai e da praia do Porto da Barra, de suas diferentes visões do mundo e da existência que se reencontram perante a natureza bela, amigável e pacífica da pequena enseada soteropolitana. Chegando talvez a uma inversão total.”
‘Sai do sereno’, por Bem Gil
“A gravação que mais me impactou no disco, principalmente pelo arranjo: as guitarras do Lanny, o piano do Perna, o baixo do Bruce Henry, a bateria do Tutty Moreno. Ali eles conseguiram sintetizar o que queriam passar em termos musicais. É uma especie de ‘esquema novo’ do Gil, aquilo que Jorge Ben, uma referência central, havia feito. Há espontaneidade em todos. E a participação da Gal é uma chave de ouro. Gil fecha ali uma ideia que propõe com relação à musica dele desde o início. Se ‘Chiclete com banana’ finaliza o assunto na letra, resolve algumas brechas deixadas pela Tropicália, a gravação de ‘Sai do sereno’ soluciona as questões musicais.”
‘Expresso 2222’, por Edu Krieger
“O que marca é usar a estrutura do baião numa temática apontada para o futuro. Isso é pré-Alceu Valença, quando não era nada comum ligar o baião a essa poética, seus temas eram mais regionais. E tem a mão direita no violão. A introdução que remete à levada do triângulo, ao mesmo tempo traz muito da África. E executada com uma precisão enorme. Ali, Gil une cantor, compositor e instrumentista de forma impecável. Fundiu música negra, Nordeste, veio carregado de informações de Londres. Regionalismo e cosmopolitismo universal.”
‘O sonho acabou’, por Lucas Santtana
“‘O sonho acabou’ é um tapa na cara, um freio de arrumação, uma chamada na chincha. O recado para uma geração de que toda aquela utopia sessentista havia chegado ao fim. Mas ao mesmo tempo deixando claro que pesado mesmo foi o sono para quem não vivenciou essa experiência.”
‘Oriente’, por Marcia Castro
“‘Oriente’ surge dentro da perspectiva da volta do exílio, depois que Gil observou uma estrela cadente em Ibiza, dando origem aos versos iniciais: ‘Se oriente, rapaz/ Pela constelação do Cruzeiro do Sul.’ A letra revela reflexões muito pessoais de Gil, que, como um mestre, leva para a esfera macro, do coletivo, tudo o que surge no micro. É uma canção que surge da relação solitária dele com ele mesmo e nos faz pensar na nossa relação com nós mesmos e com a vida: ‘Vê se compreende/ Pela simples razão de que tudo depende/ De determinação’.”

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