quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Te Contei, não ? - Um palco brasileiro para Shkespeare


Reinaugurado em 1997, o Shakespeare’s Globe londrino reproduz a construção original, de 1599, com palco no centro da plateia
Foto: Divulgação

RIO - O ano de 1599 foi tão marcante na vida de William Shakespeare quanto o ano de 2016 deve ser para o produtor cultural mineiro Mauro Maya. Afinal, se naquele longínquo fim de século XVI o bardo vibrava com a construção e a inauguração do Globe Theatre, que se tornou a sede da companhia da qual fazia parte — a Lord Chamberlain’s Men —, a partir do mês que vem o brasileiro começa a pôr em prática o que lhe ocorreu há dez anos como um delírio: construir uma réplica do Shakespeare’s Globe Theatre no Brasil.
Desde que deu partida em sua quixotesca missão, há três anos, Maya não mediu esforços, investimento, contatos e sua credibilidade como produtor até conseguir, em março passado, a assinatura de Neil Constable, o CEO do The Shakespeare Globe Trust (entidade mantenedora do Globe), oficializando a parceria que possibilitará a construção da primeira sede da companhia inglesa em terras estrangeiras.
— Esta é a primeira vez que o Globe chancela a abertura de uma base e de uma réplica do teatro fora de Londres — conta Maya, de 41 anos.
atividades começam ainda em 2012
Com capacidade para 1.500 espectadores, o Globe brasileiro será acompanhado de um teatro menor, de 300 lugares, além de um centro cultural com salas de ensaio, escola, café e um jardim, que ocuparão uma área de 20 mil metros quadrados na cidade mineira de Rio Acima. O terreno foi cedido pela Vale do Rio Doce e poderá ser usado para fins culturais por 20 anos.
— Ao término do contrato, ele poderá ser doado, se provarmos o bem que fizemos à área — diz Maya.
Distante 30 quilômetros de Belo Horizonte e 20 quilômetros de Ouro Preto, a empreitada lembra outro imponente projeto cultural localizado em outra pequena cidade mineira, Inhotim, onde o empresário Bernardo Paz construiu, em 2004, o maior museu a céu aberto do mundo. A comparação cabe porque a iniciativa de Maya não se encerra na construção do Globe brasileiro. Em paralelo às obras, o produtor cultural dará início, no próximo dia 1º de dezembro, ao Circuito Gandarela de Minas, uma plataforma de formação e difusão cultural que prevê a realização de 12 projetos artísticos e educacionais, pensados para circular por 25 municípios da região de Rio Acima.
Destruído por um incêndio, reaberto, fechado e depois posto abaixo, em 1644, o Globe Theatre foi reconstruído ao longo de 40 anos, a partir de uma iniciativa do ator e diretor americano Sam Wanamaker (1919-1993). O novo Shakespeare’s Globe Theatre foi inaugurado em 1997, seguindo fielmente as medidas e a estrutura do original — uma de suas características é um palco projetado ao centro da plateia, que possibilita uma relação de proximidade entre ator e espectador.
— Vimos em Mauro um homem que alimentava a mesma visão e energia de Sam, que trabalhou por quatro décadas até que o teatro ficasse de pé — diz o CEO do Globe. — Até aqui, Mauro tem demonstrado sua capacidade de articulação, estabelecendo parcerias locais e internacionais. Além disso, ele entende o quão universal é a linguagem de Shakespeare, e o quanto ele é capaz de atingir as pessoas.
— A ideia é fomentar o desenvolvimento do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, preparando a região para receber o teatro Globe em 2016 — planeja Maya. — Pensei em cada detalhe, para não dizerem que estamos construindo um elefante branco numa cidade desconhecida. Rio Acima é um ponto estratégico, entre cidades importantes de Minas, e o Globe será o polo irradiador desse circuito integrado. Há um conjunto de iniciativas que consolidarão um grande ciclo de arte, educação e desenvolvimento econômico não só para Minas, mas para o Brasil.
Para isso, o produtor estima que sejam necessários R$ 70 milhões, incluindo os R$ 50 milhões para a construção do teatro, que devem ser custeados por cinco diferentes empresas estrangeiras ao longo dos próximos três anos, enquanto o circuito cultural entre as cidades do Quadrilátero deve ser bancado por duas empresas nacionais.
— Não haverá dinheiro público investido na construção do Globe — diz Maya, que não revela os nomes das empresas envolvidas.
Com rendimentos que chegam a R$ 100 milhões por ano, a sede de Londres e sua gestão autossustentável são o modelo proposto pelo produtor, que iniciou carreira na área há 12 anos, no Grupo Galpão. Maya foi o responsável por garantir à companhia mineira o patrocínio continuado da Petrobras, que sustenta todas as atividades desenvolvidas na sede do grupo.
— Quando comecei a trabalhar com o Galpão, eles eram uma companhia com 18 anos de história, mas sem patrocínio nem sede, com dificuldades financeiras e sem uma estrutura que possibilitasse o trabalho de pesquisa que eles imaginavam — lembra Maya. — O que proponho desde então é um modelo de gestão que garanta sustentabilidade e difusão cultural. Em Londres, o Globe movimenta milhões com bilheteria, patrocínio, exposições, comércio... Então, a ideia é que ele gere receita, que tenha um plano de negócios próprio para garantir a manutenção das contas e o trabalho integral dos artistas. Encaro isso como um divisor de águas em relação à produção profissional, porque as pessoas não podem pensar que lei de incentivo é o que basta, não se pode achar que isso é um berço esplêndido. Meu trabalho é a longo prazo e de olho em sustentabilidade.
A inauguração do teatro está prevista para 2016, ano em que serão celebrados os 400 anos da morte de Shakespeare. Até lá, Maya realizará por aqui, em 2014, a primeira edição do festival Globe to Globe, reunindo 12 produções internacionais de peças de Shakespeare.
— Em 2016, já com o teatro pronto, vamos fazer a versão integral do festival, com 37 criações, ou seja, todas as peças de Shakespeare — promete. — Além disso, a partir daí todas as nossas produções serão apresentadas em Londres e vice-versa.
Mas não apenas Shakespeare ocupará o palco do Globe brasileiro:
— A ideia é montar também autores nacionais, como Ariano Suassuna, entre outros — diz o produtor.
A relação entre Shakespeare e o teatro brasileiro será investigada num núcleo de educação guiado pela pesquisadora Barbara Heliodora.
— Estamos convidando uma série de atores para que eles estudem trechos de peças e sonetos — conta Barbara. — Faremos gravações com esses atores, e os vídeos serão acompanhados por textos meus esclarecendo a importância de tal fragmento na peça em questão. O objetivo é ampliar a abrangência e o entendimento de Shakespeare no país.
As atividades educativas terão ressonância em plataformas digitais coordenadas por Eliane Costa, ex-gerente de patrocínios da Petrobras. O diretor mineiro Gabriel Villela também está envolvido no projeto, e irá comandar um núcleo de formação profissional e capacitação para artistas e técnicos.
— As aspirações do Mauro são grandiosas — diz Villela. — No meu núcleo serão investigados todos os pontos que possibilitam uma montagem teatral. Como pegar um texto e transformá-lo em cena, passando por valores barrocos da nossa cultura.

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