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Adaptando-se o grande escritor russo Leon Tostoi para o campo da diversidade humana, pode-se que países com população etnicamente homogênea são todos iguais, mas os países multiétnicos são racistas cada um à sua maneira. O racismo no Brasil é diferente do racismo nos Estados Unidos, que é diferente do racismo na África do Sul. Mesmo dentro dos Estados Unidos, onde a escravidão negra deu lugar a décadas de segregação racial, existe uma diferença. No sul, onde a escravidão se concentrou, diz-se que os negros podem chegar perto de quem quiserem, mas não podem subir muito. No norte, os negros podem subir muito, mas não podem chegar perto. Em outras palavras, os brancos sulistas aceitam o convívio diário com os negros, mas não toleram sua ascensão socioeconômica. Entre os do norte, epicentro do abolicionismo, aceita-se o sucesso dos negros, mas não se tolera a intimidade com eles.
Com essa história de escravidão e segregação, os Estados Unidos criaram as “ações afirmativas”, expressão que apareceu pela primeira vez numa medida assinada por John Kennedy, em março de 1961, por meio da qual se tentava evitar a discriminação racial no emprego. Em 1964, Lyndon Johnson deu forma final às ações afirmativas, proibindo a discriminação racial e ressuscitando a ideia de oportunidades iguais para todos. As universidades americanas, sem que a lei o exigisse, passaram a adotar ações que logo se converteram em cotas raciais, proibidas pela Suprema Corte em 1978. Desde então, os Estados Unidos aboliram as cotas raciais. São inconstitucionais, porque ferem o princípio da igualdade entre os cidadãos. Uma universidade, porém, pode considerar a raça de um candidato na hora de selecioná-lo entre os inscritos, desde que a raça seja apenas um critério entre vários outros. Meio século depois, as ações afirmativas estão num impasse: os resultados são muito modestos e, portanto, há que encontrar algo melhor. Nas universidades, os negros são mais numerosos do que no passado. Em 1976, eram 9,4% do contingente total de estudantes universitários. Em 2009, último período com dados disponíveis, eram 14,3%. Os hispânicos – nome dado aos oriundos de países da América Latina de língua espanhola, o que exclui os brasileiros e os espanhóis da Espanha – tiveram ascensão parecida. É um sucesso, sem dúvida, mas é tímido demais. Além disso, o sistema não é imune a outros problemas. Um vasto conjunto de pesquisas e estudos sobre as ações afirmativas nos Estados Unidos mostra uma paisagem controvertida: ? os negros tiram notas menores que os brancos na universidade, mas os negros matriculados em instituições de elite se saem melhor do que os negros matriculados em instituições medianas, mesmo quando ambos tiveram a mesma nota nas provas de acesso; ? o desempenho dos negros na universidade é inferior, e não superior, ao que se poderia esperar deles com base no desempenho escolar que tiveram no ensino médio, antes da universidade; ? o ingresso de candidatos menos preparados nas universidades fere o princípio da meritocracia, mas não compromete a excelência acadêmica das instituições que os recebem nem amplia o ressentimento racial; ? os negros formados nas universidades de maior prestígio, beneficiados por ações afirmativas, tornam-se profissionais competentes e bem-sucedidos. Desde que as ações afirmativas começaram a ser aplicadas, as universidades americanas, mesmo as de maior prestígio, passaram a adotar algum critério que estimulasse a diversidade racial. Há evidências de que a variedade étnica no campus é positiva para todos os estudantes. Quem conviveu num campus multiétnico entende melhor a perspectiva alheia e tem mais respeito por etnias diferentes da sua. Mas os estudos nessa área – um de 1999, outro de 2001 – não são conclusivos. Ainda assim, o grosso da academia americana trabalha com a ideia de que proporcionar um ambiente de diversidade racial é um objetivo desejável. É nas instituições de elite que se dá o efeito mais sensível das ações afirmativas. Um estudo feito em outubro de 2010 mostrou que o hipotético fim das ações afirmativas teria um impacto ínfimo no número de matrículas de minorias nas universidades medianas, mas produziria um efeito significativo nas cinquenta melhores universidades. Ou seja: ações afirmativas que, por qualquer motivo, excluem instituições de maior prestígio são quase nulidade. Examinadas para além do universo da educação superior, as ações afirmativas também tiveram sucesso limitado. Os negros, ainda hoje e apesar da escolha de um presidente negro, compõem a camada inferior da sociedade americana: são os menos escolarizados, os mais pobres, os mais vulneráveis. Juntando-se esses resultados ao crescente conservadorismo nos Estados Unidos, as ações afirmativas vêm descendo a ladeira do desprestígio. No começo dos anos 90, muitas universidades começaram a puxar o freio nas iniciativas pró-minorias. Em 1996, eleitores da Califórnia aprovaram a Proposição 209, proibindo universidades e órgãos públicos de considerar a raça na hora de contratar ou matricular alguém. A Suprema Corte, com composição mais conservadora, também vem proibindo certos programas de ações afirmativas. A Universidade de Michigan, que admitia estudantes com base num teste de 150 pontos, foi proibida de conceder 20 pontos de graça aos candidatos de minorias. Ainda neste ano, a Suprema Corte julgará um caso da Universidade do Texas, e não são pequenas as chances de que a decisão seja um duro golpe para os que defendem as ações afirmativas. No fim do ano passado, tentando dar alguma clareza a um assunto controvertido e crivado de decisões judiciais, o governo do presidente Barack Obama baixou uma orientação às universidades. Ela sugere que, além de olharem a raça, as universidades estabeleçam critérios socioeconômicos na hora de buscar diversidade racial. Faz sentido. “As ações afirmativas com base no conceito racial não funcionam bem nos Estados Unidos”, afirma Richard Kahlenberg, da Century Foundation, um dos maiores especialistas no assunto do país. “Estudos sugerem que os obstáculos para um estudante se sair bem academicamente são fundamentalmente econômicos, e não raciais ou étnicos”. Em 2010, dois pesquisadores, Anthony Carnevale e Jeff Strohl, mediram as notas que brancos e negros tiram em testes de aptidão acadêmica e, em seguida, estudaram as razões dessa diferença. Descobriram que, num universo em que os brancos superam os negros por 784 pontos, apenas 56 pontos decorrem da raça e 399 são resultado de condições socioeconômicas (veja o quadro na pág. 75). Kahlenberg interpreta os dados da pesquisa: “Isso significa que os obstáculos socioeconômicos são sete vezes mais severos do que os raciais”. Se as escolas criassem um sistema com maior peso para classe social, o sistema seria mais justo, meritocrático e mais efetivo – porque resultaria, também, em diversidade racial. Não fazem isso porque, ao admitirem estudantes mais pobres, as universidades teriam de dar mais bolsas de estudo. Além de sair mais barato, o critério de raça dá mais ibope do que o de classe nos Estados Unidos. Além, claro, de ser mais visível na fotografia. A resistência aos critérios de classe remete à adaptação tolstoiana de que cada sociedade multiétnica é mesmo peculiar em seu racismo.
Revista Veja
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quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Te Contei, não ? - Em bucas do melhor
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