Traficantes de drogas com menos de 18 anos só poderão ser internados depois que tiverem sido pegos ao menos três vezes cometendo crimes, decidiu o Superior Tribunal de Justiça. A corte seguiu à risca um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e consolidou um entendimento da lei que, na prática: 1) ameaça despejar milhares de marginais precoces de volta às ruas e 2) aumenta exponencialmente as vantagens, para os traficantes, de recrutar adolescentes para o crime.
A decisão tem base legal: o ECA determina que a internação de menores de idade só pode acontecer em três hipóteses: se o jovem cometeu infrações graves anteriormente (aqui entram roubo e furto, por exemplo); se ele usou de violência; ou se descumpriu medida socioeducativa (como trabalho comunitário). Essa decisão do STJ deverá agora orientar os tribunais inferiores quando eles forem julgar casos que envolvam traficantes adolescentes.
O artigo do ECA tem o bom propósito de só privar os jovens da liberdade em último caso – e, assim, protegê-los do contato nocivo com criminosos reincidentes. Ocorre que ele pressupõe que, no lugar da internação, os juízes possam lançar mão de penas alternativas, como a liberdade assistida (com acompanhamento de um assistente social) ou o trabalho comunitário – ambas de responsabilidade das prefeituras.
Na maior parte do Brasil, no entanto, elas não passam de ficção, segundo comprovou uma pesquisa recente do Conselho Nacional de Justiça. Assim, apesar de a lei oferecer opções, na vida real os juízes têm só duas escolhas: a internação ou a impunidade.
Pautados por essa realidade, muitos decidiam pela punição mais severa, com o justo argumento de que o tráfico de drogas é um crime grave por representar uma ameaça à integridade da sociedade. Essa saída agora está bloqueada pela súmula do STJ.
Não há dúvidas de que a decisão levará a um aumento imediato do número de jovens envolvidos com o tráfico. Para os chefões do crime, a mão de obra adolescente, agora com a expectativa da impunidade, parecerá ainda mais vantajosa. “Os menores são o principal canal de venda de drogas: são fáceis, baratos e, agora, impunes. Essa súmula pode estar juridicamente perfeita, mas vai aumentar o número de jovens no crime organizado”, afirma o procurador de Justiça de São Paulo Márcio Sérgio Christino.
Mesmo quem defende uma segunda chance para os jovens criminosos, como o sociólogo Guaracy Mingardi, acredita que a lei terá um efeito nefasto, inclusive sobre eles. “Há que levar em conta que grande parte dos jovens que sofrem internações viram profissionais do crime. Mas também é preciso observar que essa súmula fará com que os jovens se sintam sem limites. E isso aumentará a sua participação no tráfico.”
Uma visita à Fundação Casa (antiga Febem) mostra que essa participação já é assustadoramente alta. Na instituição, que abriga a maior parte dos menores infratores detidos do país, o número de internações por tráfico triplicou de 2006 para cá: saltou de 1180 para 3 740 em 2012. Agora, com a decisão do STJ, ele vai cair. Mas a que preço.
Revista Veja
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