O temido "transtorno do déficit de atenção com ou sem hiperatividade" é um mal raro, não uma desculpa para absolver pais ansiosos
Pequenas famílias urbanas, com pais e mães atarefados que sofrem com culpas pelo pouco tempo dedicado aos filhos, crianças criadas em apartamentos consumindo informação fragmentada por tevê, celulares e internet, e dietas ricas em conservantes, corantes e vitaminas, capazes de levar até os calminhos a condutas impulsivas, seriam os fatores que, segundo especialistas, induziriam à emergência de uma geração de crianças desconcentradas e hiperativas, portadoras do “transtorno de déficit de atenção com ou sem hiperatividade” (TDAH) – o mal-estar da hora.
Antigamente, brincava-se a maior parte do tempo até os 12 anos. Hoje em dia, muito antes dessa idade meninos e meninas já aprendem idiomas, pilotam todo tipo de aparelhos eletrônicos e são estimulados a se preparar para o mercado de trabalho.
Haja foco para atender a tanta demanda.
Haja foco para atender a tanta demanda.
Não por acaso, depois dos Estados Unidos o Brasil é o segundo consumidor mundial do psicoestimulante Ritalina, principal medicação contra a TDAH. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o consumo de remédios à base de metilfenidato (Ritalina, Ritalina LA e Concerta) por crianças e adolescentes de 6 a 16 anos cresceu 75% no País, entre 2009 e 2011.
Nos Estados Unidos, o déficit de atenção ganhou status de epidemia. Em 2002, o Congresso americano criou uma comissão de inquérito para averiguar se as crianças “desatentas” estavam sendo supermedicalizadas. Em 2007, o dia 19 de setembro foi declarado “Dia Nacional da Conscientização do TDAH”.
Parece haver consenso de que as crianças atuais são mais dispersas, desconcentradas e imaturas do que as da geração anterior, que também foi acusada da mesmíssima coisa pelos pais. Entretanto, de acordo com os dados globais da Organização Mundial da Saúde, a TDAH propriamente dita atinge apenas 3% a 5% das crianças e 2% a 4% dos adultos.
Descrita em 1902, essa é uma síndrome nada moderna. Surge na infância e permanece, em metade dos portadores, durante toda a vida. Trata-se de um distúrbio neurobiológico derivado de uma predisposição genética, não de um mal-estar social. Tanto que os percentuais de ocorrência se repetem em países pobres e afluentes, rurais ou urbanos, com ou sem banda larga, pendurados em celulares ou não.
O mal-estar pode estar no diagnóstico. Crianças com dificuldades de atenção, de organização, de memória e de planejamento precisam de cuidado familiar, não de remédios. A dinâmica social acelerada pode não ser a causa, mas o espelho de sociedades estressadas e exigentes. Nesse sentido, a TDAH também pode ser uma invenção social para “absolver” pais ansiosos de crianças problemáticas, mal-educadas ou rebeldes.
Dada sua incontestável eficácia no tratamento da doença, a Ritalina vem sendo desvirtuada, usada por estudantes em provas, vestibulares e concursos públicos. Virou a droga dos concurseiros, a suposta “pílula da inteligência”, mas não há matéria apreensível sem estudo. Já o abuso da medicação pode desorganizar a criança, tornando-a mais inquieta, angustiada e confusa. Atenção com a droga da atenção. Sobretudo para não prejudicar os que realmente precisam dela.
Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta
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