quarta-feira, 15 de maio de 2013

Te Contei, não ? - Família avança no ritmo do progresso do Brasil

Quando o Brasil fez seu primeiro Censo, em 1872, o levantamento apontou que 15% da população eram de escravos, o que correspondia a pouco mais de 1,5 milhão de pessoas. Dezesseis anos mais tarde, em 13 de maio, o país tinha menos de um milhão de escravos. A redução se deu muito por conta da Lei do Ventre Livre e da Lei dos Sexagenários, que em 1885 libertou todos os negros com mais de 65 anos e estabeleceu que os com mais de 60 anos e menos de 65 estariam livres, mas sujeitos à prestação de serviços por três anos

Vicente Pereira Machado, o bisavô de Robson Machado, era um dos
escravos que o Censo apontava. Liberto quando a Lei Áurea foi assinada, ele deixou a fazenda por volta de 1898. Estava casado com Marcolina Ribeiro de Jesus, que havia nascido depois da Lei do Ventre Livre. Os dois, os filhos e Marcos, irmão de Vicente, foram para Vala do Souza, hoje Jerônimo Monteiro (ES). Em 1910, já em Alegre (ES), nasceu Paulo Vicente Machado.
Avô de Robson, Paulo cresceu ajudando os pais na lavoura. Menino, ele aprendeu sobre jongo, soube das dificuldades enfrentadas por quem vivia nas senzalas e ouviu histórias sobre as negras bonitas.
Aos 15 anos, casou com Ana Cândida, 12 anos mais velha. E foi durante a República Velha (1889-1930), com a expansão ferroviária, que passou a trabalhar na estrada de ferro. Começou capinando a linha. Mais tarde, acabou transferido com a família para Bom Jardim, na Região Serrana do Rio.
— A expansão ferroviária era um trabalho braçal e arregimentou muitos negros. Meu avô foi um deles e veio para o Rio trabalhar na Estação Santa Luzia — diz Robson.
Foi em Bom Jardim que, em 1947, nasceu Maria Cleusa Vicente Machado, mãe de Robson. Aos 9 anos, ela deixou a família e foi trabalhar como doméstica no Centro do Rio.
— Em Bom Jardim, a gente tinha uma vida miserável — recorda Cleusa. — Eu dizia que não queria aquela vida, queria estudar, ter roupa bonita. Então, minha mãe deixou que eu fosse embora.
Em 1956, Cleusa desembarcou na Rua Calógeras — “lembro o endereço todo até hoje”. Juscelino Kubitschek já era o presidente.
— Fiquei até os 16 anos. A dona da casa enviava dinheiro para minha mãe e deixava que eu falasse ao telefone com ela. O marido foi bom até eu ficar maiorzinha. Daí, passou a dizer que me queria — conta Cleusa, que foi, então, trabalhar em Copacabana. — Fui arrumadeira até casar, em 1967, quando fomos para São Gonçalo.
Foi em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, quando o governo militar já havia aprovado a Constituição de 1967, que nasceram Ana Verônica, em 1968, e Robson, em 1970. O casamento não deu certo, e Cleusa viu que era hora de “fazer uma profissão”. A neta de Vicente decidiu estudar.
— Fiz supletivo. Continuava doméstica, mas ganhava pouco. Algumas vezes a gente tinha um ovo e só. Não foi fácil, mas concluí o primeiro grau — lembra Cleusa. — Uma vizinha viu meu esforço e se ofereceu para me ensinar a costurar. Consegui emprego numa fábrica. Depois, comprei uma máquina à prestação e comecei a costurar em casa.
E foi costurando que ela pôde fazer com que Ana Verônica fosse a primeira da família a ter curso superior. Ela se formou em Ciências Contábeis, numa faculdade particular.
— Foi uma peleja desde a hora da inscrição. Eu não tinha o dinheiro todo, o diretor falava que não podia esperar, e ela chorava. Os vizinhos ajudaram e deu tudo certo — recorda.
Com Robson, “a peleja foi igual”:
— Ele estudou em Niterói (na UFF) e, depois, foi estudar em Campinas (Unicamp), já tendo um filho pequeno.
Hoje, Daniel, filho de Robson, é um rapaz de 18 anos e cursa Geografia na Uerj.
— Quero que ele passe adiante a história da família. Que lembre que a vida mudou quando minha mãe, avó dele, disse que o estudo devia vir em primeiro lugar. Eu vivo em Campinas, tenho situação financeira boa. Minha família continua em São Gonçalo, numa área em que todos os amigos de infância do meu filho se envolveram com o tráfico e estão mortos — diz Robson. — Ficamos para mostrar que é possível mudar. O que temos é esforço nosso. Os escravos, meus avós diziam, viviam coletivamente. A gente também. Ninguém aqui caminha individualmente. Carregamos a marca da escravidão até na identidade. Mas temos prosperado.


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