sábado, 4 de maio de 2013

Te Contei, não ? - O ENEM pode virar piada

Redações com receita de Miojo, hino de clube e erros grosseiros de português foram bem avaliadas. É de doer!
Os avaliadores mais criteriosos levam cerca de três minutos para ler e atribuir uma nota à redação do Enem. A maioria, porém, dá cabo da tarefa na metade do tempo, uma proeza diante da magnitude das modalidades a examinar: domínio da norma culta da língua e de conceitos em diferentes áreas, capacidade de organizar ideias, construir argumentações sólidas e descortinar saídas para o tema em questão. Um único profissional costuma se debruçar sobre pilhas e pilhas de texto. Quanto mais corrige, mais recebe. O pagamento é por redação: 2,35 reais cada uma. São raros os que passam os olhos palavra a palavra. O mais comum é fazer leitura dinâmica, tentando rastrear indícios que possam subsidiar a nota. O batalhão de 5596 profissionais que corrigiu os 4,2 milhões de redações do último Enem passou por treinamento de sessenta dias, via internet. “Extraoficialmente, recomenda-se que sejam flexíveis e tolerantes com erros. Com uma peneira muito severa, quase nenhum estudante sobreviveria”, diz a VEJA um ex-integrante do comitê responsável pela correção das redações. Em outras palavras, o processo não só é altamente sujeito a leviandades e equívocos como, sim, nivela todo mundo por baixo.
Na semana passada, vieram à luz exemplos concretos dos absurdos que esse sistema produz. Até mesmo entre as 2 080 redações que cravaram a nota máxima, vê-se um festival de erros de concordância e ortografia, como revelou uma reportagem do jornal O Globo. Cientes das imprecisões na correção das redações do Enem, sempre alvo de polêmica, dois estudantes com larga experiência no exame e já na universidade fizeram a prova só para testar sua convicção de que a coisa não é para valer. Aluno de medicina, Fernando Maioto Júnior, de São José do Rio Preto, soltou no meio do texto um trecho do hino de seu time do coração, o Palmeiras. O mineiro Carlos Guilherme Ferreira, que cursa engenharia civil, despejou no papel uma receita — isso mesmo, uma receita — de Miojo. O tema proposto? "O movimento imigratório para o Brasil no século XXI"’. Nenhum deles foi eliminado — e mais: os dois tiraram notas até razoáveis diante da média geral. “Fiquei chocado. Muitos amigos que fizeram a prova a sério se deram bem pior", diz Fernando.
O Ministério da Educação limitou-se a dizer que o edital foi seguido à risca, uma vez que não prevê punição ao deboche escancarado. Como se isso não fosse o óbvio. No próximo exame, diz o MEC. o lembrete será incluído no rol de recomendações aos avaliadores. É muito pouco. Alerta Cláudio Cezar Henriques. professor titular de língua portuguesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “O Enem pratica a demagogia linguística, que anda de mãos dadas com a demagogia política. Na vida real, textos como os citados jamais dariam prestígio a alguém, pois contêm erros que a sociedade simplesmente não aceita". Se nada for feito para elevar a régua, continuaremos a anos-luz da verdadeira excelência.

NATHÁLIA BUTTI

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