Nasceu em Lourenço Marques (atual Maputo, Moçambique).
Autodidata, desempenhou diversas actividades tais como funcionário da Imprensa Nacional de Lourenço Marques, jornalista, futebolista, tendo também colaborado em diversas publicações periódicas, nomeadamente O Brado Africano, Itinerário, Notícias, Mensagem, Notícias do Bloqueio e Caliban.
Foi preso pela PIDE, mantendo-se na prisão durante 5 anos. Posteriormente após a independência de Moçambique foi membro da Frelimo e presidiu à Associação Africana.
Recebeu o Prêmio Alexandre Dáskalos, o Prêmio Nacional, em Itália, o Prêmio Lótus, da Associação Afro-Asiática de Escritores e o Prêmio Camões, em 1991. É um dos mais reconhecidos poetas da língua portuguesa e um dos maiores escritores africanos.
Obra: Xibugo, 1964; Cântico a um Dio de Catrane, 1966; Karingana Ua Karingana, 1974;
Cela 1, 1980 e Maria, 1988
Veja outros poemas do autor em: http://geocities.yahoo.com.br
Veja também o poema “Maria & José”, de Antonio Miranda, em homenagem ao poeta José Craveirinha: http://www.antoniomiranda.com.br
UM HOMEM NUNCA CHORAAcreditava naquela históriado homem que nunca chora.Eu julgava-me um homem.Na adolescênciameus filmes de aventuraspunham-me muito longe de ser cobardena arrogante criancice do herói de ferro.Agora tremo.E agora choro.Como um homem treme.Como chora um homem!POETA ATIRADO AOS BICHOSMeu amor:Nem tu percebes ainda o bateransioso dos tendões nos afinadosmotores bem mainatos passando a ferroo capim debaixo das obscenas chapasna maquilhagem embelezandoa escarlate as picadas.Etua ostra de chamascerra-me no seu íman de con-chá palpitando as mornas pétalas do teu gerânioum belo coiso de gemidos no tálamode capim onde alongamos os nossospesadelos em fragmentosdispersos na mata à ferroadados insectos de obuses.Porqueconfesso-te, meu amornão são bem propriamente o que eu desejoestes pervertidos versos sem rima e sem nadamas unicamente nacos fixes de um poetade carne em sangue no meio deste zôoatirado aos bichos!SEM TÍTULONão sei se existe Deus.Mas se Deus existeEle está com toda a certezaa comer comigo esta farinhano mesmo prato.(1966)APARÊNCIASAmigos!Apesar das aparênciasestarem de acordo com as circunstânciasnão sou eu quem morre de medo.AntesDuranteE após os interrogatórios(Inclusive nos quotidianos trajectos de jipe)a minha língua é que se torna de papel almaçoE minhas desavergonhadas rótulas de borrachaCoitadas é que tremem.Ao bom evangelho dos cassetetesouvir avoengos pássaros bantoscantarem algures nos ombrosvelhas melodias de feridas.E depoisà sedutora persuasão das ameaçaspela décima segunda vez humildementepensar: Não sou luso-ultramarinoSOU MOÇAMBICANO!Será suficiente esta confissãoSr. Chefe dos cassetetesda 2ª. Brigada?PARA UM IDÍLIO CLANDESTINODeixa-me que te beijeao de leve o rosto na manhã novae meus dedos acariciemnervosos a curva meiga do teu seio.Meu amor:o senso fragmenta-me a sensibilidadee o que seu sinto-olarva plena do que há-de vir.Tu e euenvolvidos nesta aventuraesperamos o comprometido instantenalguma parte de nós.Vai. Não te esqueças.Nesta manhã do Infuleneao quilômetro dez da liberdadeo sobrenatural acontece:É assim.Eu preso.E tu minha mulherdepois da visita partes à vontademas não livre.(Julho de 1967)KARINGANA UA KARINGANA*Este jeitode contar as nossas coisasà maneira simples das profecias— Karingana ua Karingana —é que faz o poeta sentir-segente.E nemde outra forma se inventao que é propriedade dos poetasnem em plena vida se transformaa visão do que parece impossívelem sonho do que vai ser.— Karingana!*Obs. Fórmula clássica de iniciar um conto e que possui o mesmo significado de “Era uma vez”.CANÇÃO NEGREIRAAmo-tecom as raízes de uma canção negreirana madrugada dos meus olhos pardos.E derrotas de fomenas minhas mãos de bronzeflorescem languidamente na velhae nervosa cadência marinheirado cais donde os meus avós negrosembarcaram para hemisférios da escravidão.Mas se as madrugadasdas minhas órbitas violentadasdespertam as raízes do tempo antigo ...mulher de olhos fadados de amor verde-claroventre sedoso de veludolábios de mampsincha madurae soluções de espasmo latejando no quartoenche de beijos as sirenas do meu sangueque meninos das mesmas raízese das mesmas dolorosas madrugadasesperam a sua vez.* fruto comestível de planta rasteira.EM VEZ DE LÁGRIMASSó um choro em secopõe no vértice da minha doro mais intensoauge do luto.DE PROFUNDISExtenso dia taciturno de nuvens.Nas ramadas passarinhos de mágoalacrimejando chilros. Um braçadopolícromo de floresperfumandoDe profundisde coroas.Tão duroassim lacôniconossos adeus de rosas, Maria.MÁQUINA ELÉCTRICA DE COSTURAQuando finalmente Mariamenos havia de cansar-se a cosersua nova máquina eléctrica de costuraem funesto ilogismo encerradanoutro esmero de alinhavessolidária se prosternoudesusada.Infelizmáquina de costura.
Extraídos de: CRAVEIRINHA, José. Obra Poética. Maputo: Direcção de Cultura, Universidade Eduardo Mondlane, 2002. 367 p.
De
José Craveirinha
ANTOLOGIA POÉTICA
Org. Ana Mafalda Leite
Belo Horizonte: Editora ufmg, 2010.
198 p. (Poetas de Moçambique)
ISBN 978-85-7043-849-4
José Craveirinha
ANTOLOGIA POÉTICA
Org. Ana Mafalda Leite
Belo Horizonte: Editora ufmg, 2010.
198 p. (Poetas de Moçambique)
ISBN 978-85-7043-849-4
Não é fácil encontrar poetas africanos nas livrarias do Brasil. Uma que outra antologia, alguns títulos publicados pela editora paulista Iluminuras (graças ao empenho de Floriano Martins). Agora, em boa hora, a Editora ufmg lançou dois títulos de uma série intitulada POESIA DE MOÇAMBIQUE que supomos vai ter continuidade... Os célebres José Craveirinha, um dos heróis da luta pela independência do país e o não menos notável Rui Knopfli foram os escolhidos e organizados, respectivamente, por Ana Mafalda Leite e Eugênio Lisboa. Edições bem cuidadas, bonitas (capas de papel craft) e a um preço não tão acessível, mas compatível com os novos preços do mercado (que subiu bastante ultimamente...).
Escolhemos um poema para acompanhar este registro, recomendando a obra aos nossos internautas pois são autores fundamentais na poesia moçambicana e africana lusófona.
REMENDOS DE ESTRELAS
Remendos de estrelas
passajadas no espaço
reconstroem todo o céu.
Mãe:
E se não houvesse estrelas
se o teu ventre me não gerasse
e se o céu em vez de infinito
fosse de pergamóide azul?
Que espécie de poesia, mãe
faria um poeta que não renuncia
exatamente como eu
à cor com que nasceu?
Remendos de estrelas
passajadas no espaço
reconstroem todo o céu.
Mãe:
E se não houvesse estrelas
se o teu ventre me não gerasse
e se o céu em vez de infinito
fosse de pergamóide azul?
Que espécie de poesia, mãe
faria um poeta que não renuncia
exatamente como eu
à cor com que nasceu?
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