Logo que as organizações de esquerda intensificaram as ações armadas contra o regime, no fim dos anos 1960, os militares se apressaram em criar centros especializados e formar agentes destinados a combatê-las. Por essas escolas da repressão, ativas até 1989, passaram nomes que, mais tarde, figurariam nas listas de torturadores. Nas aulas, eles aprenderam a conduzir interrogatórios, a disfarçar-se, a penetrar em residências sem deixar vestígios e a pensar e agir como guerrilheiros, razão pela qual estudaram textos proscritos no país, de autores como Che Guevara e Mao Tse Tung.
Um pedido com base na Lei de Acesso à Informação franqueou ao GLOBO os planos de aulas, as apostilas e a bibliografia dos cursos oferecidos pela Escola Nacional de Informações (EsNI), a formadora dos agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI) a partir de1972 e herdeira do curso de Informações do Exército, que funcionou até o ano anterior no Forte do Leme (RJ). Das oito caixas de documentos consultados, emerge a pedagogia da segurança interna, a paranoia dos militares com a ameaça comunista e a necessidade de uma guerra sem limites contra o inimigo.
Os cursos da EsNI eram divididos em quatro categorias: A, B, C1 e C2. As duas últimas, reservadas a oficiais e suboficiais de Operações (responsáveis por interrogatórios e missões de rua), tinham em média uma carga de 800 horas — o mesmo tempo de um ano letivo escolar fixado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
No curso C1, para oficiais, 300 horas eram dedicadas à disciplina “Operações de Informações”, que reservava 40 horas para aulas de “Interrogatório” e outras 38 horas para “Vigilância”. Já no curso C2, além do foco em Operações, os agentes (sargentos e civis do mesmo nível no SNI), eram especializados em utilização de meios cinefotográficos (uso de câmeras fotográficas e de imagem, além de gravadores de som). Com 43 horas, as aulas de interrogatório representavam a maior carga horária da disciplina.
inspiração em Escola dos eua
Criada pelo decreto 68.448, em 31 de março de 1971, a EsNI era inspirada na Escola das Américas, que funcionou de 1946 a 1984 no Forte Gullick, território americano no Canal do Panamá. Entre os 60 mil militares latinos treinados no forte, aparece o nome do brigadeiro João Paulo Burnier, ex-comandante da Base Aérea do Galeão em 1971 e acusado pelo desaparecimento do militante do MR-8 Stuart Angel Jones.
Em 17 anos de atividades (1972-1989) no SNI, em Brasília, a EsNI promoveu 83 cursos, a maior quantidade para as categorias B (analistas e coordenadores regionais de Informação) , C1 e C2 — a categoria A era destinada a oficiais de alta patente, diplomatas e outras autoridades. Os planos de aula continham 12 disciplinas semelhantes, variando apenas em carga horária e tópicos, e dividiam os estudos em dois ciclos: conhecimentos gerais e especializados. O primeiro incluía conteúdos relacionados à estrutura do governo, à filosofia, ao marxismo, à realidade brasileira, entre outros.
Ao ser fundada, a EsNI absorveu as demais escolas de Informação existentes no país, entre as quais a do Centro de Estudos de Pessoal (CEP), no Forte do Leme. Os cursos eram tão minuciosos que as aulas contemplavam noções de psicologia para entender a formação da personalidade e as influências familiares na adolescência. Eram obrigatórias as aulas de idiomas estrangeiros (com opção até para o chinês), tiro e lutas. No final, os formandos faziam uma viagem.
Os cursos tinham como público alvo militares e civis, agentes do SNI. O objetivo era formar quadros para diferentes níveis da rede de repressão.
O curso A, por exemplo, formava agentes para as funções de analista e chefia de informações. O curso B visava às funções de analista e planejador de nível regional e setorial. Os cursos C1 e C2 formavam as chefias de seções de operações e os agentes que iam a campo, respectivamente. Após a formação, os agentes atuavam em diferentes locais, entre outros nos conhecidos DOI e Codi (Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna).
Ao folhear alguns planos de aulas da disciplina “Operações de Segurança Interna”, de 1975, por exemplo, foi possível notar entre os itens citados as experiências extraídas do combate às guerrilhas rurais brasileiras: “Primeiras tentativas — Caparaó — Registro”, “Tentativa do MR8 em Brotas de Macaúba” e “Tentativa Xambioá”.
Os livros depois de 1975 também já fazem referências às operações do Araguaia, e um deles chega a dizer que Maurício Grabois, um dirigente do PCdoB desaparecido, foi morto em combate.
O GLOBO pediu acesso aos nomes dos instrutores dos cursos, mas a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), herdeira do SNI, não forneceu, justificando que as informações estão sob sigilo por segurança da sociedade e do Estado. Já o Exército se negou a fornecer os dados da escola que funcionou no Leme.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/o-be-ba-da-repressao-nos-anos-de-chumbo-8432169#ixzz2U8R3rrhb
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