Pela terceira vez, o cantor tenta impedir a circulação de um livro no qual é citado, numa demonstração de autoritarismo e desprezo pela liberdade de expressão
Eliane Lobato e Michel Alecrim
Ocantor Roberto Carlos é conhecido como “Mãos de Tesoura” em editoras e entre biógrafos. O apelido faz jus ao seu notório comportamento antidemocrático quando alguém ousa publicar uma obra que aborde sua trajetória. Pela terceira vez, ele foi à Justiça tentar impedir a circulação de um livro no qual é citado, numa demonstração de autoritarismo e desprezo pela liberdade de expressão. Dessa vez, o alvo é uma pesquisa acadêmica sobre o movimento cultural dos anos 1960, do qual ele faz parte. A professora Maíra Zimmermann, catarinense de 31 anos, autora de “Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude” (Estação das Letras e Cores), recebeu uma notificação extrajudicial no dia 8 de abril, dando um prazo de dez dias para que fosse retirada das livrarias a parca edição de mil exemplares de sua obra. Advogados dela recorreram e, por enquanto, o livro continua à venda. “Foi um trabalho de cinco anos. Tive todos os cuidados, inclusive com os direitos das imagens que utilizei. Não é um livro de fofoca. O foco é acadêmico”, disse a professora à ISTOÉ.
DESCONECTADO
Roberto Carlos esquece que, na era da internet, é impossível bloquear a informação.
A biografia dele feita por Paulo Cesar Araújo pode ser baixada e lida no computador
Roberto Carlos esquece que, na era da internet, é impossível bloquear a informação.
A biografia dele feita por Paulo Cesar Araújo pode ser baixada e lida no computador
Em 2007, ele já havia proibido a distribuição da biografia “Roberto Carlos em Detalhes”, do historiador Paulo Cesar de Araújo. No fim dos anos 1970, foi censurado “O Rei e Eu”, de seu ex-mordomo Nichollas Mariano. Mas o que o cantor não parece ter percebido ainda é que estamos na era da internet e que a proibição de uma obra impressa não significa que ela vai deixar de existir. Ao contrário. “Meu livro está aí, qualquer um pode baixar no computador e ler, sebos vendem edição pirata por R$ 150 e, em Portugal, pode ser comprado com nota fiscal em livraria. A diferença é que eu nada ganho com o fruto de meu trabalho”, conta Araújo. Os 11 mil exemplares de sua obra são mantidos em cárcere privado pelo cantor em um depósito, devidamente guardados por um funcionário. Questionado sobre isso, Roberto Carlos já declarou: “Está em um lugar que não me incomoda. Talvez eu guarde para sempre.”
Procurada por ISTOÉ, Wanderléa, cantora e parceira musical de Roberto, preferiu não comentar o assunto. Porém, a Ternurinha, como ela era conhecida nos tempos da jovem guarda, deixou sua opinião expressa no próprio livro. “Adorei o texto da pesquisadora Maíra Zimmermann por me trazer a síntese do tempo em que vivi. (...) Me deparo feliz com esse tratado tão minucioso e verdadeiro. (...) Parabéns, Maíra! Seu maravilhoso trabalho traz muitos elementos pertinentes da trajetória desse tempo tão rico em contradições, transformações e encantamento”, escreveu na apresentação da obra.
Acusada de falar da intimidade de Roberto Carlos, a autora diz que em nenhum momento se debruça sobre a vida pessoal dele, limitando-se ao interesse profissional e ao impacto da jovem guarda não só no comportamento, como na maneira de vestir de uma geração de brasileiros. “Tratei Roberto Carlos como um artista que tinha um estilo, assim como outros do mesmo período”, defende a autora, que faz doutorado em história pela Universidade de Campinas (Unicamp). O livro é resultado da dissertação de seu mestrado, pelo Centro Universitário Senac. Segundo ela, a própria banca que analisou a tese recomendou sua publicação no formato de livro, em função não só da relevância do tema como da falta de bibliografia sobre ele. A diretora da editora Estação, Káthia Castilho, se espantou com a notificação: “Acredito que foi um equívoco e que o cantor vai voltar atrás.” O advogado de Roberto Carlos, Marco Antônio Bezerra Campos, afirma que a intenção não é censurar a obra da professora nem questionar o conteúdo do livro, mas “preservar o direito de imagem dele”. Após a repercussão do caso, o advogado admite voltar atrás. Maíra precisaria encaminhar um pedido de autorização do uso de imagem para que seja “analisado e concedido”.
Parte das alegações de Roberto Carlos se baseiam no Artigo 20 do Código Civil de 2002, que impede a publicação de textos sem a autorização do biografado, entre outras formas de proteção à imagem das pessoas. Mas um Projeto de Lei (393/2011) está sendo discutido no Congresso Nacional para modificar a legislação e garantir que a liberdade de expressão não seja violada. Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça neste mês, a proposta abre exceção para casos em que a trajetória pessoal, artística ou profissional da pessoa em questão tenha dimensão pública ou haja interesse da sociedade em sua divulgação. “Se o projeto já tivesse sido aprovado (pelo Congresso), uma proibição como essa feita pelo Roberto Carlos não aconteceria. Sem dúvida, é uma censura prévia”, diz o relator do projeto, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ). “Quem parte para uma proibição desse tipo, cerceia dois direitos fundamentais e garantidos na Constituição: o direito à informação e a liberdade de expressão”. Esse cara é ele, Roberto Carlos.
Colaborou Mariana Brugger
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