José Luandino Vieira, nascido na Lagoa do Furadouro (Portugal) em 4 de Maio de 1935 é cidadão angolano pela sua participação no movimento de libertação nacional e contribuição no nascimento da República Popular de Angola. Passou toda a infância e juventude em Luanda onde frequentou e terminou o ensino secundário. Trabalhou em diversas profissões até ser preso em 1959 (Processo dos 50), é depois libertado e posteriormente (1961) de novo preso e condenado a 14 anos de prisão e medidas de segurança. Transferido, em 1954, para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde passou 8 anos, foi libertado em 1972, em regime de residência vigiada em Lisboa. Iniciou então a publicação da sua obra na grande maioria escrita nas diversas prisões por onde passou.
Depois da Independência foi nomeado para a Televisão Popular de Angola, que organizou e dirigiu de 1975 a 1978; para o D. O. R. (Departamento de Orientação Revolucionária do MPLA) que dirigiu até 1979; para o I. A. C. (Instituto Angolano de Cinema) que organizou e dirigiu de 1979 a 1984.
Membro fundador da União dos Escritores Angolanos exerceu a função de Secretário-Geral desde a sua fundação – 10-12-1975 – até 31-12-1980.
Foi Secretário-Geral Adjunto da Associação dos Escritores Afroasiáticos, de 1979 a 1984; e de novo Secretário-Geral da União dos Escritores Angolanos, de 1985 a 1992.
Após o colapso das 1.ªs eleições em 1992 e do recrudescimento da guerra civil, abandonou a vida pública, dedicando-se unicamente à literatura.
Fonte da biografia http://html.editorial-caminho.pt
CANÇÃO PARA LUANDA
A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
– Luanda onde está?
Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos
– Xê
mana Rosa peixeira
– Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!
“Ola almoço, ola amoçoéé
matona calapau
ji ferrera ji ferrerééé”
– E você
mana Maria quitandeira
vendendo maboque
os seios-maboque
gritando
saltando
os pés percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
“maboque m’boquinha boa
dóce dócinha”
– Mano
não pode responder
o tempo é pequeno
para vender!
Zefa mulata
o corpo vendido
batom nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo seu corpo
– seu corpo-cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
– Luanda onde está?
Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
– precisa comer!
– Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
trator derrubou?
Meninos nas ruas
caçambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?
– Manos
Rosa peixeira
quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
– Luanda onde está?
Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira
quitandeira Maria
Zefa mulata
– os panos pintados
garridos
caídos
mostraram o coração.
– Luanda está aqui!
(1957)
NATAL
Branca roupa ao sol
Pirrulas na mulemba
cantam chuva.
Não há estrela-guia
sol-caju brilhando
pelos caminhos antigos
pés gretados batidos
vem todos.
... vovo Bartolomé enlanguescido
em carcomida cadeira acordado...
... sô Santo
subindo a calçada
a mesma calçada que outrora descia...
... Zito e Dimingas
no maximbombo da linha 4...
... Musunda amigo
com a firme vitória da sua alegria...
E vê
vêm também
cheirando a suor
as buganvílias
a den den
Pedro monangamba
olhos abertos de amor
na mão e cetro
a pá de trabalhador
Pascoal
(Ué ainda vivo velho Pascoal?!)
a vassoura de mateba
a farda cáqui
da Câmara Municipal.
De Calumbo
o sol do Cuanza
nos seios caju
docinha manga
trouxe Jana.
Vieram também
também vieram
algas verdes na garganta
os três magos da Ilha
– ngoma, reco-reco e violão!
Branca roupa ao sol
Pirrulas na mulemba
Não havia luar
porque a noite já não era
estrela-guia
e do ventre da mãe negra
o menino nascia.
(1960)
ESTRADA
Luanda Dondo vão,
cento e tal quilômetros
mangas e cajus
marcos brancos
meninos nus
Branco algodão
crescendo
corpos negros
na cacimba
O Lucala corre
confiante
indiferente à ponte que ignora
Verdes matas
Sangram vermelhas acácias
imbondeiros festejam
o minuto da flor anual
Na estrada
o rebanho alinha
pelo verde
verde capim
Adivinhados
caqui lacraus
de capacete giz
Meninos
se embalam
em mães velhas
de varizes:
Rios azuis
da longa estrada
E é fevereiro
sardões ao sol
Cassoalala
Eia Mucoso
tão vazio outrora
tão cheio agora
Adivinhados
permanecem
lacraus caqui
capacetes giz
Não param as colheitas
Que razão seriam
fevereiro
acácias sangrando vermelho
verdes sisais
cantando o parto
da única flor?
Não param as colheitas!
(1963)
BUGANVÍLIA
Branca a buganvília explode
no odiado muro em frente
à volta a vida berra crente
e o negro sangue estanca
vermelha a buganvília
rompe o muro da frente
(1962])
GIRASSÓIS
Tem girassóis amarelos
o meu quadrado de sol
a vida espancada passa
mas no quadrado de sol
aberto sobre o jardim
os girassóis amarelos
velhos
mostram o fim
(1962])
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