romance O Ateneu, de Raul Pompéia, publicado em 1888, é uma das obras
mais importantes do Realismo brasileiro. É a recriação artística do
colégio interno. Apoiado na memória, Sérgio vai recompondo os fantasmas da
adolescência, vivida entre as paredes do internato, através de quadros que
deformam intencional e artisticamente o passado. Não é simples autobiografia e
também não é pura ficção (= imaginação, invenção). É a soma das duas coisas,
trabalhada pelas mãos do artista.
Foco narrativo
É uma narrativa de confissão, narrada em 1ª pessoa por Sérgio (personagem-narrador). A obra é memorialista, seu narrador, Sérgio, apresenta suas memórias de infância e adolescência num colégio interno chamado Ateneu. Assim, o foco narrativo em primeira pessoa impede a tão valorizada objetividade e imparcialidade do Realismo-Naturalismo.
Sérgio é o alter-ego, ou seja, um outro “eu” de Raul Pompéia. Em outras palavras, o narrador recebe a personalidade e também as memórias do autor, já que este também estudou num internato, o Colégio Abílio, do Rio de Janeiro. Mais uma vez, carrega-se nas tintas do pessoalismo.
Classificação problemática
Há uma superposição de diversos estilos, que torna problemático vincularmos O Ateneu a uma determinada corrente estética. Assim, podemos identificar no livro elementos expressionistas, impressionistas, naturalistas, simbolistas e parnasianos.
Os elementos expressionistas estão na descrição, através de símiles exagerados, dos ambientes e pessoas, compondo “quadros” de muita riqueza plástica, especialmente visual, e desnudando de forma cruel os lugares, colegas, professores etc. A frase transmite grande carga emocional. O estilo é nervoso, ágil. A redução das personagens a caricaturas grotescas parece proveniente da intenção de deformar, de exagerar, como se Raul Pompéia estivesse “vingando-se” de tudo e de todos.
As mangueiras, como intermináveis serpentes, insinuavam-se pelo chão. (...)
As crianças, seguindo em grupos atropelados, como carneiros para a matança. (...)
Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que me divertia, O Gualtério, miúdo, redondo de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas de símio - palhaço dos outros, como dizia o professor; o Nascimento, o bicança, alongado por um modelo geral de pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como uma foice; (...) o Negrão, de ventas acesas, lábios inquietos, fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso...
Os elementos impressionistas evidenciam-se no trabalho da memória como fio condutor. O passado é recriado por meio de “manchas” de recordação, - daí a existência de um certo esfumaçamento da realidade, pois o internato é reconstituído por meio das impressões, mais subjetivas que objetivas, eivadas de um espírito de vingança, sofrimento e autopunição. Há quem, por isso, rotule O Ateneu de romance impressionista.
Os elementos naturalistas decorrem da concepção instintiva e animalesca das personagens, cujo comportamento é determinado pela sexualidade, condição social etc. Há um certo gosto “naturalista” pelas “perversões”. É o que ocorre nas descrições de Ângela e na tensão de homossexualismo que existe nas relações de Sérgio com Sanches, Bento Alves e Egbert. Mas é um naturalismo dissidente, que nada tem a ver com o apriorismo, ou com o esquematismo, característicos dessa corrente. O doutor Cláudio, conferencista que algumas vezes pontifica no internato, e que exterioriza algumas idéias artísticas do próprio Raul Pompéia, define a arte como o processo subjetivo da “evolução secular do instinto da espécie".
Seria possível rastrear em O Ateneu aproximações também com o Parnasianismo, com o Simbolismo e, até, antecipações modernistas.
Uma antecipação de Freud
Freud afirmara que os escritores há muito conheciam e aplicavam em sua arte os mecanismos do inconsciente. Raul Pompéia transpôs as projeções do inconsciente, trabalhando com reminiscências traumáticas de sua adolescência. Faz, a seu modo, um regresso “psicanalítico” às fontes primeiras de suas cicatrizes.
Mas as aproximações com a teoria freudiana não se esgotam aí. Pode-se rastrear na personalidade de Sérgio as marcas profundas do complexo de Édipo mal resolvido (o pai castrante odiado e a projeção da relação pai / filho na recusa à autoridade de Aristarco; a projeção das relações com a mãe, na figura de Dona Ema etc.).
O componente sexual é o traço mais valorizado na personalidade dos adolescentes do internato, divididos em “machos” e “fêmeas”, em dominadores e dominados. Observe o que diz o narrador em relação ao seu colega Bento Alves:
Estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me podia valer, porque me respeitava, quase tímido, como se não tivesse ânimo de ser amigo. Para me fitar esperava que eu tirasse dele os meus olhos.
Ou ainda, em relação ao assédio do mesmo Bento Alves:
O meu bom amigo, exagerado em mostrar-se melhor sempre receoso de importunar-me com uma manifestação mais viva, inventava cada dia nova surpresa e agrado. (...) Um dia, abrindo pela manhã a estante numerada do salão do estudo, achei a imprudência de um ramalhete. (...) Acariciei as flores, muito agradecido, e escondi-as antes que vissem.
O internato como microcosmo
Raul Pompéia projeta no internato toda a problemática do mundo adulto. O “Ateneu” é uma redução, em escala, da visão que o autor tinha da sociedade como um todo. O móvel das ações de Aristarco era o dinheiro, e os alunos eram tratados pelo diretor, conforme o segmento social a que pertenciam seus pais.
A crítica ao sistema educacional é severa:
O Ateneu... afamado por um sistema de nutrida réclame, mantido por um diretor que de tempos em tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos da última remessa...
Raul Pompéia não deixa ao arbítrio dos futuros intérpretes o trabalho de decifrar o sistema de idéias que se poderia depreender de O Ateneu: ele mesmo o expõe, na pessoa do Dr. Cláudio, em três conferências:
1. Fala sobre a cultura brasileira, em que os desejos republicanos de Pompéia se mostram, investigando o “pântano das almas” da vida nacional, sob a “tirania mole de um tirano de sebo”.
2. Fala sobre a arte, entendida pré-freudianamente como “educação do instinto sexual” e, antecipando também Nietzsche, como “expressão dionisíaca”.
Cruel, obscena, egoísta, imoral, indômita, eternamente selvagem, a arte é a superioridade humana - acima dos preceitos que se combatem, acima das religiões que passam, acima da ciência que se corrige; embriaguez como a orgia e como o êxtase.
3. Fala sobre as relações entre a escola e a sociedade:
Não é o internato que faz a sociedade, o internato a reflete. A corrupção que ali viceja vem de fora.
A educação não faz as almas. exercita-as. E o exercício moral não vem das belas palavras de virtude, mas do atrito com as circunstâncias. A energia para afrontá-las é a herança de sangue dos capazes de moralidade, felizes na loteria do destino. Os deserdados abatem-se.
Tempo
O tempo cronológico não supera dois anos, que vão desde a entrada de Sérgio no colégio até o incêndio que o destrói totalmente, por volta da última década do séc. XIX . Predomina, assim, o chamado tempo psicológico por ser um romance de memória em que fatos e pessoas vêm a tona da consciência conforme sua importância no momento da narração. Esta é feita basicamente por meio de flash back, tornando visível o que era invisível, porém, de forma bastante tênue, sem intensidade, marcada apenas pela impressão sensorial.
Espaço
O colégio localizava-se na cidade do Rio de Janeiro. "O Ateneu, quarenta janelas, resplendentes do gás interior, dava-se ares de encantamento com a iluminação de fora..." Figurativamente podemos enquadrá-lo entre dois mundos: a família e a sociedade.
Principais personagens
Sérgio: Personagem central, pois é a partir da sua ótica que a história é contada. Menino de onze anos, criado no aconchego do lar, sob os carinhos maternos, penetra no mundo do Ateneu com intensa fragilidade e inocência. Para ele, a escola representava um mundo de ilusões e fantasias: ele a vira em dias de festa. Mas, já como aluno interno, sozinho, toma contato com as leis que regem aquele lugar e aos poucos vai-se familiarizando e se fortalecendo. Assim, conhece a amizade, a força, o autoritarismo, o sexo, vivências que marcam sua vida, influenciando-o posteriormente. Em relação ao Ateneu, são incontáveis suas experiências e quanto a Aristarco, até conseguiu enfrentá-lo.
Aristarco: Aristarco Argolo dos Ramos é o diretor do Ateneu – e a encarnação do autoritarismo, da insensibilidade e da vaidade: "Acima de Aristarco – Deus ! Deus tão somente: abaixo de Deus – Aristarco". Mostrava sua visão de negociante ao difundir a imagem do colégio, colocando-o numa vistosa vitrine, sob o olhar admirado da sociedade. Assim, ao exaltar o colégio, exaltava-se: "Soldavam-se nele o educador e o empresário com uma perfeição rigorosa de acordo, dois lados da mesma medalha: opostos, mas justapostos" (cap.II) – "tinha maneira de todos os graus, segundo a condição social da pessoa." Inicialmente, o narrador mostra sua face de educador dedicado aos alunos, um segundo pai; depois, mostra a outra face, a verdadeira, a mesquinha.
D. Ema: Nome tomado de empréstimo da personagem de Gustave Flaubert, escritor francês que imortalizou uma figura feminina com Ema Bovary. Em O Ateneu, D. Ema é a esposa do autoritário diretor e sua figura a ele se opõe: "bela mulher em plena prosperidade dos trinta anos de Balzac, formas alongadas por sua graciosa magreza, erigindo, porem, o tronco sobre os quadris amplos, fortes como a maternidade; olhos negros, pupilas retintas de uma cor só... de um moreno rosa que algumas formosuras possuem, e que seria a cor do jambo...Adiantava-se por movimentos oscilados, cadência de minueto harmonioso e mole que o corpo alternava. Vestia cetim preto justo sobre as formas, reluzente como pano molhado ..." Quando Sérgio fica doente, ela se mostra uma enfermeira maternal, faz-lhe carinhos. "Não! eu não amara nunca assim a minha mãe." Muitos meninos vêem D. Ema com olhos divididos: ora mãe, ora mulher (afinal, ela era a presença feminina junto àqueles adolescentes em processo de descoberta da sexualidade.)
Ângela: É uma empregada do colégio, "Grande, carnuda, sangüínea e fogosa" – é a materialização do sexo e da classe social inferior a serviço, quer no plano do trabalho ou no da sexualidade, de uma sociedade mais elevada. Embora seja bela, torna-se o símbolo do mal.
Os colegas: São apresentados como tipos, personagens nas quais se fixam características especificas que as definem. São personagens planas com comportamentos previsíveis.
Egbert: Um verdadeiro amigo: "Conheci pela primeira vez a amizade", "a ternura de irmão mais velho", disse Sérgio.
Rebelo: É o aluno modelo, exemplar, para o qual todos os demais são inferiores e sem importância.
Franco: É a vítima, o mártir, o alvo sobre o qual se descarrega toda a violência do internato, "a humildade vencida", "não ria nunca, sorria", "vivia isolado...".
Sanches: É o sedutor, que oferece proteção aos meninos novos e indefesos e ainda os ajuda nos estudos. Salva Sérgio de um afogamento na piscina, talvez, provocado pelo próprio Sanches, insinua o narrador, Sérgio se refere ao amigo dizendo "ele me provocava repugnância de gosma". "Sanches foi se aproximando. Encostava-se, depois, muito a mim. Fechava o livro dele e lia no meu, bafejando-me o rosto com uma respiração de cansaço. "Aquele sujeito queria tratar-me definitivamente como um bebê" – "Notei que ele variava de atitude quando um inspetor mostrava a cabeça à entrada da sala..." - "Sanches esteve pio... Tive medo de perdê-lo. Deu-me as lições sem uma só das intragáveis ternuras."- "Sanches passou a ser um desconhecido".
Bento Alves: "estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me podia valer; porque me respeitava, quase tímido, como se não tivesse ânimo de ser amigo."
Barreto: É um aluno, fanático religioso.
Rômulo: É o "Mestre Cook", por causa de sua paixão por comida.
Foco narrativo
É uma narrativa de confissão, narrada em 1ª pessoa por Sérgio (personagem-narrador). A obra é memorialista, seu narrador, Sérgio, apresenta suas memórias de infância e adolescência num colégio interno chamado Ateneu. Assim, o foco narrativo em primeira pessoa impede a tão valorizada objetividade e imparcialidade do Realismo-Naturalismo.
Sérgio é o alter-ego, ou seja, um outro “eu” de Raul Pompéia. Em outras palavras, o narrador recebe a personalidade e também as memórias do autor, já que este também estudou num internato, o Colégio Abílio, do Rio de Janeiro. Mais uma vez, carrega-se nas tintas do pessoalismo.
Classificação problemática
Há uma superposição de diversos estilos, que torna problemático vincularmos O Ateneu a uma determinada corrente estética. Assim, podemos identificar no livro elementos expressionistas, impressionistas, naturalistas, simbolistas e parnasianos.
Os elementos expressionistas estão na descrição, através de símiles exagerados, dos ambientes e pessoas, compondo “quadros” de muita riqueza plástica, especialmente visual, e desnudando de forma cruel os lugares, colegas, professores etc. A frase transmite grande carga emocional. O estilo é nervoso, ágil. A redução das personagens a caricaturas grotescas parece proveniente da intenção de deformar, de exagerar, como se Raul Pompéia estivesse “vingando-se” de tudo e de todos.
As mangueiras, como intermináveis serpentes, insinuavam-se pelo chão. (...)
As crianças, seguindo em grupos atropelados, como carneiros para a matança. (...)
Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que me divertia, O Gualtério, miúdo, redondo de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas de símio - palhaço dos outros, como dizia o professor; o Nascimento, o bicança, alongado por um modelo geral de pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como uma foice; (...) o Negrão, de ventas acesas, lábios inquietos, fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso...
Os elementos impressionistas evidenciam-se no trabalho da memória como fio condutor. O passado é recriado por meio de “manchas” de recordação, - daí a existência de um certo esfumaçamento da realidade, pois o internato é reconstituído por meio das impressões, mais subjetivas que objetivas, eivadas de um espírito de vingança, sofrimento e autopunição. Há quem, por isso, rotule O Ateneu de romance impressionista.
Os elementos naturalistas decorrem da concepção instintiva e animalesca das personagens, cujo comportamento é determinado pela sexualidade, condição social etc. Há um certo gosto “naturalista” pelas “perversões”. É o que ocorre nas descrições de Ângela e na tensão de homossexualismo que existe nas relações de Sérgio com Sanches, Bento Alves e Egbert. Mas é um naturalismo dissidente, que nada tem a ver com o apriorismo, ou com o esquematismo, característicos dessa corrente. O doutor Cláudio, conferencista que algumas vezes pontifica no internato, e que exterioriza algumas idéias artísticas do próprio Raul Pompéia, define a arte como o processo subjetivo da “evolução secular do instinto da espécie".
Seria possível rastrear em O Ateneu aproximações também com o Parnasianismo, com o Simbolismo e, até, antecipações modernistas.
Uma antecipação de Freud
Freud afirmara que os escritores há muito conheciam e aplicavam em sua arte os mecanismos do inconsciente. Raul Pompéia transpôs as projeções do inconsciente, trabalhando com reminiscências traumáticas de sua adolescência. Faz, a seu modo, um regresso “psicanalítico” às fontes primeiras de suas cicatrizes.
Mas as aproximações com a teoria freudiana não se esgotam aí. Pode-se rastrear na personalidade de Sérgio as marcas profundas do complexo de Édipo mal resolvido (o pai castrante odiado e a projeção da relação pai / filho na recusa à autoridade de Aristarco; a projeção das relações com a mãe, na figura de Dona Ema etc.).
O componente sexual é o traço mais valorizado na personalidade dos adolescentes do internato, divididos em “machos” e “fêmeas”, em dominadores e dominados. Observe o que diz o narrador em relação ao seu colega Bento Alves:
Estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me podia valer, porque me respeitava, quase tímido, como se não tivesse ânimo de ser amigo. Para me fitar esperava que eu tirasse dele os meus olhos.
Ou ainda, em relação ao assédio do mesmo Bento Alves:
O meu bom amigo, exagerado em mostrar-se melhor sempre receoso de importunar-me com uma manifestação mais viva, inventava cada dia nova surpresa e agrado. (...) Um dia, abrindo pela manhã a estante numerada do salão do estudo, achei a imprudência de um ramalhete. (...) Acariciei as flores, muito agradecido, e escondi-as antes que vissem.
O internato como microcosmo
Raul Pompéia projeta no internato toda a problemática do mundo adulto. O “Ateneu” é uma redução, em escala, da visão que o autor tinha da sociedade como um todo. O móvel das ações de Aristarco era o dinheiro, e os alunos eram tratados pelo diretor, conforme o segmento social a que pertenciam seus pais.
A crítica ao sistema educacional é severa:
O Ateneu... afamado por um sistema de nutrida réclame, mantido por um diretor que de tempos em tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos da última remessa...
Raul Pompéia não deixa ao arbítrio dos futuros intérpretes o trabalho de decifrar o sistema de idéias que se poderia depreender de O Ateneu: ele mesmo o expõe, na pessoa do Dr. Cláudio, em três conferências:
1. Fala sobre a cultura brasileira, em que os desejos republicanos de Pompéia se mostram, investigando o “pântano das almas” da vida nacional, sob a “tirania mole de um tirano de sebo”.
2. Fala sobre a arte, entendida pré-freudianamente como “educação do instinto sexual” e, antecipando também Nietzsche, como “expressão dionisíaca”.
Cruel, obscena, egoísta, imoral, indômita, eternamente selvagem, a arte é a superioridade humana - acima dos preceitos que se combatem, acima das religiões que passam, acima da ciência que se corrige; embriaguez como a orgia e como o êxtase.
3. Fala sobre as relações entre a escola e a sociedade:
Não é o internato que faz a sociedade, o internato a reflete. A corrupção que ali viceja vem de fora.
A educação não faz as almas. exercita-as. E o exercício moral não vem das belas palavras de virtude, mas do atrito com as circunstâncias. A energia para afrontá-las é a herança de sangue dos capazes de moralidade, felizes na loteria do destino. Os deserdados abatem-se.
Tempo
O tempo cronológico não supera dois anos, que vão desde a entrada de Sérgio no colégio até o incêndio que o destrói totalmente, por volta da última década do séc. XIX . Predomina, assim, o chamado tempo psicológico por ser um romance de memória em que fatos e pessoas vêm a tona da consciência conforme sua importância no momento da narração. Esta é feita basicamente por meio de flash back, tornando visível o que era invisível, porém, de forma bastante tênue, sem intensidade, marcada apenas pela impressão sensorial.
Espaço
O colégio localizava-se na cidade do Rio de Janeiro. "O Ateneu, quarenta janelas, resplendentes do gás interior, dava-se ares de encantamento com a iluminação de fora..." Figurativamente podemos enquadrá-lo entre dois mundos: a família e a sociedade.
Principais personagens
Sérgio: Personagem central, pois é a partir da sua ótica que a história é contada. Menino de onze anos, criado no aconchego do lar, sob os carinhos maternos, penetra no mundo do Ateneu com intensa fragilidade e inocência. Para ele, a escola representava um mundo de ilusões e fantasias: ele a vira em dias de festa. Mas, já como aluno interno, sozinho, toma contato com as leis que regem aquele lugar e aos poucos vai-se familiarizando e se fortalecendo. Assim, conhece a amizade, a força, o autoritarismo, o sexo, vivências que marcam sua vida, influenciando-o posteriormente. Em relação ao Ateneu, são incontáveis suas experiências e quanto a Aristarco, até conseguiu enfrentá-lo.
Aristarco: Aristarco Argolo dos Ramos é o diretor do Ateneu – e a encarnação do autoritarismo, da insensibilidade e da vaidade: "Acima de Aristarco – Deus ! Deus tão somente: abaixo de Deus – Aristarco". Mostrava sua visão de negociante ao difundir a imagem do colégio, colocando-o numa vistosa vitrine, sob o olhar admirado da sociedade. Assim, ao exaltar o colégio, exaltava-se: "Soldavam-se nele o educador e o empresário com uma perfeição rigorosa de acordo, dois lados da mesma medalha: opostos, mas justapostos" (cap.II) – "tinha maneira de todos os graus, segundo a condição social da pessoa." Inicialmente, o narrador mostra sua face de educador dedicado aos alunos, um segundo pai; depois, mostra a outra face, a verdadeira, a mesquinha.
D. Ema: Nome tomado de empréstimo da personagem de Gustave Flaubert, escritor francês que imortalizou uma figura feminina com Ema Bovary. Em O Ateneu, D. Ema é a esposa do autoritário diretor e sua figura a ele se opõe: "bela mulher em plena prosperidade dos trinta anos de Balzac, formas alongadas por sua graciosa magreza, erigindo, porem, o tronco sobre os quadris amplos, fortes como a maternidade; olhos negros, pupilas retintas de uma cor só... de um moreno rosa que algumas formosuras possuem, e que seria a cor do jambo...Adiantava-se por movimentos oscilados, cadência de minueto harmonioso e mole que o corpo alternava. Vestia cetim preto justo sobre as formas, reluzente como pano molhado ..." Quando Sérgio fica doente, ela se mostra uma enfermeira maternal, faz-lhe carinhos. "Não! eu não amara nunca assim a minha mãe." Muitos meninos vêem D. Ema com olhos divididos: ora mãe, ora mulher (afinal, ela era a presença feminina junto àqueles adolescentes em processo de descoberta da sexualidade.)
Ângela: É uma empregada do colégio, "Grande, carnuda, sangüínea e fogosa" – é a materialização do sexo e da classe social inferior a serviço, quer no plano do trabalho ou no da sexualidade, de uma sociedade mais elevada. Embora seja bela, torna-se o símbolo do mal.
Os colegas: São apresentados como tipos, personagens nas quais se fixam características especificas que as definem. São personagens planas com comportamentos previsíveis.
Egbert: Um verdadeiro amigo: "Conheci pela primeira vez a amizade", "a ternura de irmão mais velho", disse Sérgio.
Rebelo: É o aluno modelo, exemplar, para o qual todos os demais são inferiores e sem importância.
Franco: É a vítima, o mártir, o alvo sobre o qual se descarrega toda a violência do internato, "a humildade vencida", "não ria nunca, sorria", "vivia isolado...".
Sanches: É o sedutor, que oferece proteção aos meninos novos e indefesos e ainda os ajuda nos estudos. Salva Sérgio de um afogamento na piscina, talvez, provocado pelo próprio Sanches, insinua o narrador, Sérgio se refere ao amigo dizendo "ele me provocava repugnância de gosma". "Sanches foi se aproximando. Encostava-se, depois, muito a mim. Fechava o livro dele e lia no meu, bafejando-me o rosto com uma respiração de cansaço. "Aquele sujeito queria tratar-me definitivamente como um bebê" – "Notei que ele variava de atitude quando um inspetor mostrava a cabeça à entrada da sala..." - "Sanches esteve pio... Tive medo de perdê-lo. Deu-me as lições sem uma só das intragáveis ternuras."- "Sanches passou a ser um desconhecido".
Bento Alves: "estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me podia valer; porque me respeitava, quase tímido, como se não tivesse ânimo de ser amigo."
Barreto: É um aluno, fanático religioso.
Rômulo: É o "Mestre Cook", por causa de sua paixão por comida.
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