Elenilce Bottari
RIO — Na manhã da última quinta-feira, denúncias levaram policiais do 5º BPM (Praça da Harmonia) a realizar uma operação na região da Central do Brasil, onde dez adolescentes estariam praticando furtos e pequenos roubos. Eles foram capturados e levados para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), a cerca de 700 metros dali, para confirmar o que todos na ação e na delegacia já sabiam: os menores detidos já tinham passagens por furtos ou roubos, mas, por não haver flagrantes ou qualquer mandado de apreensão contra o grupo, foram liberados. Até o fim do dia, no entanto, pelo menos outros dez foram flagrados cometendo infrações e levados para o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), que tem a responsabilidade de acolher e recuperar o adolescente em conflito com a lei.
As estatísticas oficiais revelam um crescimento do número de apreensões de jovens nos primeiros três meses deste ano no estado (1.730) em comparação com o total do mesmo período de 2011 (739). O aumento chega a 134,1% no estado e a 237,61% na capital, onde passou de 210 apreensões para 709. No primeiro trimestre de 2012, 342 menores foram apreendidos na capital e 1.021 no estado.
Em média, são 22 novas detenções por dia. Com isso, o Degase viu o número de internos dobrar de 500 para mil em dois anos, estourando em mais de 60% a previsão de aumento de sua massa carcerária. Análises do próprio Degase, do Instituto de Segurança Pública (ISP), da DPCA e do Ministério Público identificaram que, na capital, o crescimento de jovens envolvidos com crimes está ligado às alterações na estrutura do tráfico de drogas, após as pacificações de favelas.
Estudo realizado pelo ISP mostra uma mudança no perfil do adolescente apreendido no estado. Se antes os crimes contra o patrimônio estavam entre as principais causas, hoje o tráfico é o crime mais comum.
— O que puxou esse aumento foi o tráfico. Vimos também uma certa mudança de função. Antes, os adolescentes trabalhavam mais como fogueteiros ou como radiocomunicadores. Nas comunidades pacificadas, essas funções não existem mais. Eles estão trabalhando na venda direta de drogas. Aqui no Centro, a Providência ainda tem uma outra característica. Eles (jovens) desceram a favela e ocuparam casarões e outras áreas abandonadas do Centro para vender drogas. Assim, acabam mais expostos — explicou a titular da DPCA, Bárbara Lomba.
Segundo a delegada, também aumentaram as apreensões de adolescentes em áreas pacificadas.
— Se compararmos dois anos fechados, 2011 e 2012, o número de apreensões em áreas pacificadas triplicou na capital — contou Lomba, citando como exemplos as comunidades da Mangueira e da Cidade de Deus.
Tráfico superou roubo
De acordo com o pesquisador Renato Dirk, organizador do Dossiê Criança & Adolescente 2012 do ISP, hoje o tráfico responde por 40% de todas as apreensões de jovens no estado, seguido pelo roubo, com 18,6% dos casos, e do furto, com 12%.
— Na década de 80, a maioria dos apreendidos tinha mais histórico de roubo. Hoje é o tráfico. Como no Rio muitos homicídios estão relacionados ao tráfico de drogas, o combate a este crime passa também pelo combate sistemático ao tráfico, aumentando assim as apreensões de jovens envolvidos — explicou Renato Dirk.
No interior, o problema se repete. Em janeiro, fevereiro e março deste ano, foram apreendidos 376 adolescentes, quase o dobro do número de apreensões (200) nos três primeiros meses de 2011.
Sistema está no limite
Com um crescimento fora do previsto, nem mesmo a inauguração de uma unidade do Degase, em Campos, na última quarta-feira, conseguiu mudar a situação de quase colapso do sistema:
— Quando o plano de descentralização foi iniciado há dois anos, ele foi projetado para atender a uma demanda 40% maior do que a daquele momento. Só que houve um crescimento inesperado de 100%. Ou seja, mesmo com a inauguração da unidade de Campos, que trouxe mais 80 vagas, que vão atender a 25 municípios da região, ainda estamos trabalhando no limite. São cerca de mil adolescentes, entre provisórios e internos, para uma capacidade de 911 vagas — explicou o subdiretor-geral do Degase, Roberto Bassan.
O aumento expressivo foi apontado também pelo próprio Degase entre as causas para a evasão de nove adolescentes, em duas fugas ocorridas este mês no Instituto João Luiz Alves, na Ilha. Para reduzir as situações de risco, além das rotinas de procedimentos de segurança dentro das unidades, Bassan informou que foi ampliado o número de vagas de trabalho.
— A estrutura irá ficar melhor, porque vamos inaugurar em julho a unidade de Volta Redonda. Também vamos chamar mais 376 profissionais aprovados no último concurso — explicou Bassan.
Levantamento feito pelo GLOBO em abril passado, com base em dados oficiais obtidos com os governos de oito estados, revelou que o crescimento no número de menores apreendidos no país foi mais de duas vezes superior ao de prisões de adultos. Em 2012, houve um aumento, em relação a 2011, de 14,3% no número de apreensões de crianças e adolescentes por crimes como vandalismo, desacato, tráfico, lesão corporal, furto, roubo e homicídio. No Estado do Rio, as apreensões de menores passaram de 3.466 em 2011 para 5.042 em 2012.
Histórias de vida em comum
Com 14 anos de idade, ele já é bastante conhecido entre policiais do 5º BPM ou mesmo da DPCA, para onde foi levado na última quinta-feira junto com outros seis adolescentes e três jovens com 18 anos. Morador de Vila Campinho, em Cascadura, A. entrou definitivamente no crime há quase três anos, quando completou a idade mínima — 12 anos — para apreensão. De lá para cá, coleciona sete passagens pela polícia: três assaltos, seis furtos e um dano a patrimônio. Sua ficha diz que ele não tem pai e que a maconha é um vício.
A folha corrida de A. não é muito diferente da dos outros seis meninos entre 14 e 17 anos apreendidos com ele durante operação policial na região da Central. Oriundos de comunidades pobres, outros três disseram não conhecer o pai e cinco confessaram algum tipo de vício.
Com poucas perspectivas de futuro, eles são o retrato dos jovens detidos no Rio.
— A percepção que temos, quando examinamos um processo, é que estamos tratando da mesma pessoa. Eles vêm de lares desfeitos, muitas vezes sofrem violência doméstica e, nas ruas, continuam tendo os direitos desrespeitados. São tão segregados que quase não conseguem se comunicar. É comum usarem a expressão “tavo” para informar onde estavam ou o que faziam no momento em que foram apreendidos — comentou a promotora de Execução de Medidas Socioeducativas, Denise de Mattos Geraci, responsável pela capital.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/apreensoes-de-menores-infratores-aumentaram-2376-na-cidade-do-rio-de-2011-para-2013-8448515#ixzz2U9R6uM7f
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