Apontado como torturador por testemunha e vítima, Ustra nega, e sessão acaba em bate-boca
Evandro Éboli
Tortura. Brilhante Ustra, irritado ao responder Comissão da Verdade: "Não faço acareação com terrorista"
Torturado. Vereador Gilberto Natalini responde a Ustra: "Não sou terrorista. O senhor é terrorista, torturador"
Exaltação. General Sodré de Castro, até março de 2011 comandante militar do Planalto, sai em defesa de Ustra: "Se terrorista pode falar, eu posso falar também"
Ecos dos porões
BRASÍLIA Numa sessão que acabou em bate-boca, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que dirigiu o DOI-Codi em São Paulo na ditadura, recusou-se a admitir ontem, em depoimento à Comissão da Verdade, que participou de sessões de tortura. Mas foi apontado por outro depoente, o ex-sargento do Exército Marival Chaves, como "senhor da vida e da morte", numa referência às sessões que comandava nos porões da ditadura.
Ustra disse que sempre agiu cumprindo ordens e que quem deveria estar sentado em seu lugar era o Exército brasileiro. O militar reformado disse que lutou contra o terrorismo e que, se não fosse sua luta, a ditadura do comunismo existiria até hoje.
Apesar de ter obtido na Justiça o direito de ficar calado, Ustra fez uma declaração inicial na sessão, que foi aberta ao público. Depois, em tom irritado, retrucou algumas perguntas, dando sua versão para os fatos investigados pela comissão.
- Com muito orgulho, digo que cumpri a minha missão. Quem deve estar aqui não é o Ustra, mas o Exército brasileiro. Não sou eu, não senhor. O Exército assumiu, por ordem do presidente da República, o combate ao terrorismo. E cumpri todas as ordens. Nunca, como se diz, ocultei cadáver, cometi assassinato. Vou em frente nem que morra assim. Não vou me entregar. Lutei, lutei e lutei. E tenho dito - afirmou Ustra, na abertura de seu depoimento. - Estávamos cientes de que lutávamos para preservar a democracia contra o comunismo. Do contrário, íamos virar um Cubão. Se não fosse nossa luta, não estaria aqui hoje. Teria ido para o "paredón".
Ao dizer que evitou a implantação do comunismo, Ustra citou a presidente Dilma Rousseff e lembrou a militância dela em organizações que defenderam a luta armada.
- Em todos os estatutos das organizações terroristas, e olha que eram mais de 40, está lá escrito claramente que o objetivo final era implantação da ditadura do proletariado, do comunismo. Isto em todas organizações, entre elas as quatro organizações terroristas às quais nossa atual presidente pertenceu - disse ele.
O ex-sargento Marival Chaves, o primeiro a depor, trabalhou no DOI-Codi durante cinco meses, entre 1973 e 1974, e afirmou que Ustra comandava as sessões de tortura.
- Um capitão era, naquela ocasião, senhor da vida e da morte. Não tenho dúvida de que ele torturava porque ele circulava pela área de interrogatório, especialmente quando tinha presos importantes sendo interrogados. Vi ele lá, por exemplo, na antessala do interrogatório, aguardando o momento de serem chamados o Wladimir Herzog e Paulo Markun (jornalista) - disse Marival, referindo-se a Ustra.
O ex-sargento revelou, ainda, que os corpos de guerrilheiros mortos eram exibidos como "troféus" no órgão.
No fim da sessão, houve bate-boca e troca de insultos. Cláudio Fonteles, conselheiro da Comissão, propôs a Ustra fazer acareação com o médico e vereador de São Paulo Gilberto Natalini (PV), que, também em depoimento ontem, contou ter sido torturado pessoalmente por Ustra em 1972, quando era estudante de Medicina.
Natalini afirmou que Ustra o mandou tirar a roupa e ficar sob uma poça d"água, com fios elétricos presos ao corpo. O militar convocou 20 soldados para assistir à cena.
- Ustra mandou me despir, me colocou em uma poça d"água numa cela e com aqueles fios de choque pelo meu corpo. Exigiu que eu declamasse minhas poesias. Durante horas, ele, com uma vara na mão, me batia - disse Natalini, que se emocionou em alguns momentos.
Ustra recusou a acareação.
- Mandei uma carta aberta para ele (Natalini) para responder quando foi preso, mas até hoje ele não me respondeu - disse Ustra.
- O senhor aceita uma acareação para clarear os fatos? - insistiu Fonteles.
- Não faço acareação com esse terrorista - afirmou o militar.
Natalini reagiu apontando para Ustra:
- Não sou terrorista. O senhor é terrorista, torturador.
Outras pessoas chamaram Ustra de assassino. Dois generais da reserva, que estavam mais ao fundo do plenário, saíram em defesa de Ustra.
- Se terrorista pode falar, eu posso falar também - afirmou o general do Exército Luiz Adolfo Sodré de Castro, que até março de 2011 estava na ativa e era o comandante militar do Planalto.
O outro oficial da reserva presente, o general Rocha Paiva, também protestou contra a reação de Natalini. Fonteles interveio na confusão e disse que ali só os conselheiros e Ustra falavam.
No depoimento, Ustra se irritava com as perguntas da Comissão e disse que abriria mão do silêncio assegurado por decisão judicial para responder, sempre a seu modo. José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, perguntou-lhe o que eram pau de arara e cadeira do dragão, equipamentos de tortura.
- Não vou responder - disse Ustra, recusando-se a explicar até por que era conhecido como "Dr. Tibiriçá" nos anos de chumbo.
Ustra e Fonteles voltaram a se desentender quando o conselheiro apresentou relatório confidencial com registro de 50 mortes de militantes políticos no DOI-Codi, que estavam presos, no final de 1973. O coronel negou que os militantes tenham sido assassinados e disse que foram mortes decorridas de combate.
Jornal O Globo
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