quinta-feira, 30 de maio de 2013

Te Contei,não ? - Década de queda na desigualdade

Participação de negros entre empregadores passou de 22,84% para 30,19% em dez anos
 
 
Ainda desigual, mas com avanços. Nos últimos dez anos, negros experimentaram uma melhora nas taxas de emprego e de renda. Aumentou sua participação entre os empregadores, a categoria mais bem paga do mercado de trabalho: em 2003, representavam 22,84% do total de empregadores; em 2013, já são 30,19%, revela estudo do economista Marcelo Paixão sobre empreendedores negros. É bem verdade que, quando estão em postos de comando, os negros estão predominantemente em atividades de mais baixo rendimento, sobretudo, no comércio e serviços em geral, como cabeleireiros, donos de armarinhos, designers e trabalhadores da construção civil, onde a presença deles é maioria. Entre as mulheres negras, grupo com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho, o desemprego caiu de 18,2% para 7,7%.
Segundo o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, a melhora na economia propiciou a ascensão profissional. Com renda maior, o negro que trabalhava por conta própria pôde incrementar seu negócio e passar a contratar um funcionário, tornando-se um empregador."É um salto expressivo. O mercado de trabalho está menos desigual. Ainda se encontram as mazelas de gênero, de cor, de jovens, mas mais amenizadas", afirma Azeredo.
As desvantagens de empregadores negros passam por uma poupança menor. Com menos capital que os brancos, eles costumam ter negócios no setor de serviços, em que os investimentos são mais baixos. Mas a análise dos últimos dez anos mostra que a renda de empregadores negros subiu 42,59%, enquanto a dos empregadores brancos, 20,46%.
Enquanto em 2003, um empregador negro recebia o equivalente a 49,37% do rendimento de um empregador branco, hoje, ele ganha 58,43%. Segundo Paixão, a redução dessas assimetrias no mercado de trabalho são explicadas, em parte, pela valorização do salário mínimo e de programas de transferência de renda: "O rendimento de pretos e pardos, proporcionalmente, elevou-se mais que o dos brancos no mesmo intervalo, e tal cenário pode ter contribuído para esse movimento. O mesmo pode-se dizer da escolaridade média. Por outro lado, não se deve descartar por inteiro o fenômeno do crescimento relativo de pretos e pardos no conjunto da população, o que também inclui o grupo dos empregadores", afirma.

Paixão está em campo com uma pesquisa encomendada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que investiga a discriminação no acesso ao crédito no país."Se o empregador não tem recursos, perde uma oportunidade muito grande. Tia Ciata passou a vida inteira com um tabuleiro, quando ela deveria ter uma barraquinha", ilustra.
Para o economista Marcelo Néri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, o aumento da escolaridade é o fator fundamental para que negros obtenham um posto de comando.
Segundo Néri, embora o lucro de empreendedores sem instrução tenha sido 74,9% menor que o de pessoas com 11 anos ou mais de estudo, entre 2003 e 2013, o rendimento deles subiu 29,7% no período. A educação de um negro, em termos de anos de estudo, representa 80% da de brancos, segundo dados do Censo de 2010. "A fotografia ainda é favorável a quem tem estudo, mas a novidade é o filme que mostra redução da desigualdade", afirma.
O presidente do Ipea avalia que contribuíram ainda para a ascensão de negros no mercado de trabalho o maior orgulho da raça, que se traduziu em mais pessoas se autodeclarando negras nas novas gerações. Segundo ele, apesar de ainda ser cedo para ver um efeito das cotas, a chance de alguém nascido nos anos 80 de se reportar como negro é 61% maior que a de um nascido nos anos 1940. Já em 2011, a chance de alguém se reportar como negro era 36% maior do que em 1998.
"Entre 2003 e 2011, 40 milhões de pessoas entraram na nova classe média e três quartos são pretos e pardos, quase a população negra sul-africana. Essa nova classe média é fruto do orgulho e do aumento da renda", resume Néri.
A empresária Lia Vieira diz que não foram poucas as vezes em que viu pessoas se surpreenderem com o fato de ela ser dona de uma agência de viagens. Com clientes predominantemente afrodescendentes e faturamento acima de R$ 200 mil mensais, Lia diz que a formação foi fundamental para que ela chegasse aonde chegou:
"Eu prezo muito a qualificação. O mercado é muito competitivo, e só há espaço para aqueles que investem em si mesmos. A grande dificuldade do empresário negro é que não temos poupança acumulada, não temos herança de família".
A estilista Marah Silva diz que herdou da mãe, baiana de acarajé, a veia empreendedora. Depois de trabalhar com produção de eventos e comida, ela saiu da informalidade em 2006, quando abriu um ateliê de moda na Lapa, Centro do Rio. No mês passado, foram 480 peças, um feito para o tamanho do empreendimento.
"Para o empreendedor negro, infelizmente a cor ainda é um percalço, mas a postura não é. Eu sento com meu gerente de banco e vejo o primeiro olhar e o último. Ele nota que tenho conhecimento do que estou falando", diz Marah.
O empresário Josué Elias e a família trabalham com uma pequena empresa de acessórios e bijuterias em couro na casa onde também moram, em Cascadura. Para ele, mais que dificuldades de raça, os microempresários como ele sofrem com a burocracia.
"Acredito na força do trabalho. Com qualidade, tenho quebrado muitas barreiras. Já houve discriminação, mas não foi o mais importante".
A rede Instituto Beleza Natural, com 13 salões de beleza em três estados, nasceu quando a ex-empregada doméstica Heloísa Assis, a Zica, criou uma fórmula para relaxar cabelos crespos. Ao lado do marido Jair, do irmão dela, Rogério Assis, e da amiga Leila Velez, Zica criou uma rede especializada em cabelos crespos. Hoje, são uma média de 90 mil clientes por mês e um faturamento que subiu 27% entre 2011 e 2012.
"A cada instituto que abrimos geramos mais de cem empregos diretos", orgulha-se Zica.
Incubadora para formar negócios étnicos
Negros de baixa renda e pouca escolaridade têm preferência na seleção
A diferença na educação não explica as desigualdades no mercado de trabalho. A opinião é do diretor-executivo da Incubadora AfroBrasileira, Giovanni Harvey, ONG criada em 2004 que ajuda a formar empreendedores negros.
Articulado, Harvey, descendente de imigrantes de Barbados, no Caribe, que há oito anos se dedica a incrementar os negócios de empresários negros, diz que para alguns é considerado um radical, mas que já sofreu na pele as desigualdades do mercado de trabalho, quando tinha a própria consultoria.
"Já me apontaram a porta dos fundos e alguns clientes que não me conheciam pessoalmente tiveram dificuldade de me reconhecer ao me encontrar. A qualificação por si só não equipara as pessoas com cores diferentes. O problema é o racismo. Pessoas com a mesma escolaridade e com experiência de negócios parecidas, e que recebem salários diferentes", afirma Harvey.
Desde a fundação, a incubadora, que tem parceiros como Petrobras, Sebrae-RJ e Sesc-Rio, já cuidou de 1.650 empreendimentos na região metropolitana do Rio. Nos processos de escolha de negócios que receberão apoio durante dois anos, entram quesitos como o IDH do local onde mora o empreendedor, a renda, a escolaridade e a origem étnica. Quanto mais baixo cada um deles, maior a pontuação.
"Privilegiamos quem tem menos ensino formal, porque tem mais chance de ser relegado. Ser negro precisa deixar de ser um prejuízo no país", diz.
Harvey se diz favorável às redes de negócio étnicas, que dão preferência ao negócio a parceiros da mesma raça. "Estamos correndo o risco de ter uma ascensão sem cor", defende o executivo.

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