quarta-feira, 1 de maio de 2013

Crônica do Dia - A loucura dos homeopatas - Walcyr Carrasco

Perdi a paciência com os homeopatas. Já gostei muito, confesso. No passado, me rendi às várias vertentes dos tratamentos homeopáticos e, tenho certeza, algum bem devem fazer. Mas, entre eles, é grande o número de adeptos contra a vacinação. Não só homeopatas. Antroposóficos também. Ao rejeitar vacinas, tornam-se vetores de doenças. Em 2011, São Paulo enfrentou uma epidemia de sarampo. O paciente número 1 foi um garoto que jamais fora vacinado na vida. Ao entrar em contato com um portador, pegou sarampo e espalhou. Foi preciso produzir, às pressas, 200 mil vacinas para as crianças da Zona Oeste paulistana, onde se concentrou o surto. Muitos dizem que se vacinar é questão individual, que se refere ao corpo da pessoa, sobre o qual cada um de nós tem direito inviolável. É um erro: quem não se vacina põe em risco quem o cerca. O problema não é novo. Em 1904, milhares saíram às ruas no Rio de Janeiro em protesto contra a obrigatoriedade da vacina antivariólica, por acreditarem que seria perigosa, no movimento que ficou conhecido como Revolta da Vacina. De lá para cá, os homeopatas não evoluíram muito. Ainda afirmam que faz mal. Nisso, concordam com os talebans. No Afeganistão e norte da Nigéria, assassinam-se médicos e enfermeiras por vacinar a população. Lá, também são comuns as vítimas da poliomelite que se tornam deficientes físicas. Quando eu era menino, nas décadas de 1950 e 1960, convivi com uma garotinha afetada pela pólio. Só andava de muletas. Sei o bem que a vacinação em massa fez por milhares de crianças.

Alguém pode recusar a vacinação por questões religiosas e filosóficas. Se a decisão pode afetar outras pessoas, é o certo? Seria preciso criar um debate sobre o assunto no Legislativo. E a coragem para enfrentar os grupos organizados, num país em que o Congresso se curvou à permanência do pastor Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos? Nos Estados Unidos, em muitos Estados a imunização contra o HPV é obrigatória para meninas a partir dos 11 anos. Grupos religiosos são contra, porque o HPV é um vírus sexualmente transmissível. O argumento é que a imunização contra a doença incentivaria a atividade sexual das garotas, mais tarde. Somente os Estados do Mississippi e West Virginia insistiram na obrigatoriedade, acima da questão religiosa
 
Sempre desconfiei da sanidade dos intelectuais. Um amigo médico comentou, em tom de brincadeira, que o índice de vacinação na Universidade de São Paulo provavelmente é menor que numa cidade do interior do Nordeste. Intelectuais gostam de ideias alternativas. Tratamentos homeopáticos, florais ou qualquer loucura que entre na moda sempre os atraem. É a mania de transformar a saúde em questão filosófica ou ideológica e de criar um debate em torno. A vida melhorou após a descoberta da penicilina. Também não conheci nenhum alternativo que recuse anestesia numa remoção de apêndice. Já convivi com uma briga familiar por causa da homeopatia. Parte da minha família sempre aderiu ao tratamento. Até que minha tia Vicenta foi diagnosticada com um câncer no intestino. O médico homeopata foi absolutamente contra a operação. O filho, radical, também. Foram uns três meses de intenso debate familiar. Até que ela decidiu-se e operou. Boa parte da família garantiu: estava erradíssima. Só podia piorar. Pois minha tia viveu mais 20 anos. Quando morreu, foi por outro motivo. Não sou profissional de saúde, portanto não posso descartar o valor da homeopatia. Mas, em casos agudos, ainda confio em antibiótico e bisturi.

É incrível, mas saúde pode virar questão de fé. Testemunhas de Jeová recusam transfusões de sangue, mesmo em estado gravíssimo. Um jovem médico queria fazer uma transfusão para salvar a vida da paciente. Foi advertido pela direção do hospital de que poderia ser processado e até perder o direito de exercer a profissão, por agir contra a fé do paciente. Teve de deixá-la partir, apesar do risco de vida. O caso das vacinas supera o desejo individual. Toda a sociedade pode ser afetada. No Japão, se alguém está gripado, sai de casa de máscara, para não transmitir o vírus. Também trabalha protegido, para não espalhar a doença entre seus colegas. Admiro a atitude. Revela a preocupação com o próximo. A crença de que vacina faz mal é antiga e perigosa. Desconfio de tratamentos que transformam a saúde em questão de crença ou filosofia.

E a ciência, onde fica?

Walcyr Carrasco

Nenhum comentário:

Postar um comentário