quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Crônica do Dia - A abominável Tati das Neves

A abominável Tati das Neves

A morena obteve uma proeza: milhões viram o vídeo em que ela sai do quarto de Justin Bieber

RUTH DE AQUINO
           
                                                                                                                     
Existe uma lenda sobre o selvagem, metade homem e metade macaco, que perambulava pelas montanhas da Índia e ficou conhecido como “abominável homem das neves” ou yeti, em tibetano. No mês passado, um pesquisador de Oxford, na Inglaterra, afirmou que o monstro não passava de uma subespécie de urso-polar marrom. Se a pesquisa estiver certa, o mistério das pegadas gigantes foi finalmente desvendado. O yeti não teria nada a ver com humanos. Seria um reles urso híbrido. Cai assim o mito da besta cabeluda que alimentou tantas histórias de terror. 
 O mais incrível é que o mundo humanoide não aprende. A sensação é que estamos cada vez mais sucumbindo à espécie dos seres híbridos, como a recente subcelebridade Tati Neves e seu par, o cantor dublê de pichador e enfant terrible Justin Bieber, de 19 anos. Essa morena turbinada, especialista em exibir biquinhos, seios, coxões e bumbum em seu Facebook, candidata a musa do Brasileirão 2013 pelo Flamengo, conseguiu a proeza de atrair mais de 15 milhões de visualizações para um vídeo de 15 segundos que ela publicou no YouTube. Quinze milhões. Até sexta-feira passada. É um espanto. E é também uma sacanagem com o supermala-pop Justin Bieber.

Atenção, qualquer um hoje está sujeito a ser exibido como troféu seminu, dependendo de com quem anda. Há rumores de que o movimento Procure Saber protestará contra a invasão da privacidade de Bieber, em nome de todos os artistas...

O vídeo tosco mostra Bieber dormindo na cama e Tati saindo do quarto e mandando um beijinho ao astro apagado. Surgiram na rede várias suposições para o encontro: 1) os dois jogaram muito dominó, tomaram um Ovomaltine e ele caiu no soninho; 2) ela só mora na casa ao lado e passou para deixar umas ervas – medicinais – para ele; 3) dizem que a especialidade dela é usar um cinto sexual na cintura, dotado de um...
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Na imprensa sensacionalista fora do Brasil, a ousadia de Tati a transformou em “Brazilian prostitute”, “Brazilian transexual”. Os assessores de Bieber defenderam a moça. Dizem que ela não é prostituta. E defenderam a honra de seu cliente. Negaram ter havido sexo. A verdade seria outra. Depois da festa na casa que Bieber alugou no Rio de Janeiro, dizem os assessores, ele dormiu, e Tati aproveitou para filmá-lo. Essa é a melhor versão para ambos. Em seu perfil no Facebook, Tati se chama de modelo e sambista, campeã carioca de “wellness”, categoria de fisiculturismo, e se exibe em foto com a atriz Susana Vieira na escola de samba Grande Rio.

A linguagem de Tati é tatibitati: “flamengo dês de quando era criança”; “partiu churras”; “dia ótimo role #praia #surf muito bom amei”; “boa tarde a todos meus amigos. queria pedir para todos me ajudar votando em min bjs bjs” (o concurso era o Miss Vintage 2014, prêmio R$ 10 mil em dinheiro, um ano de academia, um ano de restaurante, um ano de salão de beleza, capa de revistas e muito mais...); “sempre grata e feliz por ter ele na minha vida” (“ele” é Deus); “depois de um almoço mara só um café ner amorzinho” (com link para a churrascaria onde comeu). Tati, com quase 13 mil “amigos” no Facebook, dá link para todos os bares e restaurantes que frequenta.

Tati não é abominável. É apenas um produto de nossos tempos eletrônicos e selvagens, que redefiniram as previsões do papa pop Andy Warhol. Ele dizia, em 1968, que todos nós, no futuro, teríamos direito a 15 minutos de fama. Agora, em 15 segundos uma fã se torna famosa mundialmente por insinuar sexo com um ídolo ainda teen. E não sabemos por quanto tempo Tati aproveitará a onda. É abominável essa mistura de verdade e ficção privadas, nos vídeos das subespécies que bombam na web. A violação das quatro paredes só tende a aumentar, porque todos se expõem em detalhes que, até pouco tempo atrás, seriam confidências íntimas.
Enquanto isso, no mundo real que quase não dá audiência, li na semana passada que o número de estupros no Brasil supera o de homicídios dolosos. Foram 50.617 mulheres estupradas em nosso país em 2012. Isso significa 138,6 mulheres estupradas por dia, quase seis por hora. Isso sim é um escândalo abominável – que deveria deslanchar uma série de medidas governamentais, de campanhas educativas a penas mais rigorosas. Mas passa batido. Dói ler sobre um crime tão covarde quanto o estupro. Mais fácil ler fofoca, não?

O povo se entrega a uma catarse, criada pelas subespécies que pululam na rede. Vivemos o “apocalipse now”. Só desligando todos os aparelhos, é possível escapar do contato visual com milionários que arrotam fortuna e garotas que arrotam sexo. O encontro de Tati e Bieber não agrega nada a ninguém e, no fim, quem diria, os dois se igualam no espaço de 15 segundos registrados por um celular.
 

Revista Época

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