No meu tempo de torcedor de arquibancada, o futebol já não era mais um esporte fino, assistido por moças de chapéu. Tinha se transformado em coisa para homem
No meu tempo... Pronto. Só com esse começo espantei metade dos meus 17 leitores. Lá vem ele com reminiscências enquanto Roma arde, devem ter pensado. Nostalgia é fuga. Buuu. Mas, como eu dizia quando me interrompi tão rudemente, no meu tempo de torcedor de arquibancada, o futebol já não era mais um esporte fino, assistido por moças de chapéu. O futebol tinha se transformado em coisa para homem, literalmente. Era raro ver-se mulher num estádio. Quem levava a namorada a um jogo (irmã, filha, esposa ou mãe, nem pensar) tinha que estar preparado para ouvir de tudo, do fiu-fiu protocolar a comentários lúbricos sobre a sua anatomia. E pronto para brigar, no caso de mão extemporânea na bunda ou alhures.
Mas no meu tempo sobravam alguns resquícios da época em que o futebol começou. Por exemplo: palavrões gritados pela torcida já eram comuns, mas, sempre que se ouvia um palavrão, ouvia-se outra voz alertando:
— Olha as família...
Era pouco provável que houvesse alguma família por perto, mas os guardiões da moral nunca deixavam de se manifestar. Não se esperava que, em consideração às hipotéticas famílias no estádio, as especulações sobre a filhação do juiz fossem substituídas por algo como “tá cego, seu rameira-descendente?”, mas havia um consenso de que certas palavras não podiam ser ouvidas pelas famílias, ou ao menos pelas mulheres.
Hoje, claro, as famílias vão juntas ao estádio e gritam, juntas, os palavrões. Não há nenhum que elas não conheçam e já devem ter inventado alguns. E fico pensando naquela voz solitária dos meus dias de torcedor de arquibancada, alertando:
— Olha as família...
Deviam ser homens antigos, os guardiões. Homens fora do seu tempo. Ou talvez se vissem como os últimos resistentes de um mundo em vias de extinção, moralistas já obsoletos desafiando o ridículo de uma causa perdida, as família. Sei lá.
PAPO-VOVÔ
Eu e a Lucinda, nossa neta de 6 anos, estávamos comendo sorvetes. Me atrapalhei um pouco com o meu, e ela me mostrou a maneira correta de comer uma casquinha sem pingar sorvete na roupa. Não sem antes me dizer: “Aprenda com uma profissional...”
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/as-familia-13896667#ixzz3EZORFwKp
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