Documentário baseado no drama de Amarildo tem cenas realistas de tortura
Assistente de pedreiro desapareceu após abordagem policial, no ano passado, na Rocinha
PATRÍCIA TEIXEIRA
Rio - Tapas na cara, socos, gritos, sangue, cuspes, cabeça mergulhada em balde d’água, rosto asfixiado por um saco plástico. Num quarto pequeno, um homem amarrado sofre com a humilhação e a injustiça. E isso não se passa na época da ditadura militar. O cenário de dor e os elementos de tortura não ficaram no passado.
No documentário ‘O Estopim’, do diretor Rodrigo Mac Niven, a cena de terror vivida pelo assistente de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido após abordagem policial em julho do ano passado, será mostrada como uma forma de discutir a política de segurança em comunidades do Rio desde a implantação das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora). O longa será apresentado no Festival do Rio — que começa dia 24 e segue até o dia 8 de outubro —, competindo na categoria de Melhor Documentário, e traz depoimentos de familiares e amigos de Amarildo, o delegado Orlando Zaccone (responsável pelo caso na época) e juízes.
A parte da ficção fica nas mãos do ator Brunno Rodrigues, 37 anos, que dá vida a Amarildo não só nos momentos de angústia como também nos de lazer e de labuta. “O que posso falar é que foi uma tortura extenuante. Foram quase seis horas de filmagens, apanhei mesmo. Dentro de toda a proteção que a produção me deu, fui elevado ao meu limite físico e emocional, mas tudo com muita segurança”, revela Brunno, que, assim como toda a equipe, trabalhou sem cachê.
“Senti a dor de uma pessoa torturada. Sei que na vida real é muito pior, mas, mesmo nas filmagens, foi agonizante. Chorei de tristeza, revolta e raiva”, acrescenta o ator, que chegou a ter fortes dores no pescoço por conta das cenas em que era obrigado a ficar com a cabeça dentro de um balde cheio de água: “Sei que as pessoas que passam por isso podem ter o tímpano estourado, sangramento pelos orifícios, defecar, urinar e ficar com lesão cervical muito séria. Eu, que mergulhava a cabeça com toda técnica e cuidado, fiquei com uma dor absurda no pescoço, imagina fazendo isso de forma brutal. A dor me fez não parar de pensar na situação do Amarildo.”
Para Brunno, o importante é conseguir chamar a atenção do público para temas como preconceito, violência, segurança pública e política. “Como cidadão negro, artista, sempre tomei dura da polícia, levei muito tapa na cara. Acredito que a violência não pode ser aceita e compreendida como uma forma de relação entre o Estado e a população.”
Depois de passar alguns dias na Rocinha com a viúva de Amarildo, Elizabeth Gomes, filhos e amigos do assistente de pedreiro, Brunno ficou bem à vontade para ceder seu rosto a um personagem que gera tanta discussão. Carlos Eduardo da Silva (Duda), líder comunitário da Rocinha e melhor amigo de Amarildo, foi quem deu as principais instruções para o ator. “Duda foi essencial para que o filme acontecesse. Foi ele quem me contou como Amarildo assobiava, como ele andava. Ele era pescador, muita gente não sabia disso”, diz Brunno, que festeja o fato de o filme ser lançado em ano eleitoral. “Isso ajuda a discutir a situação atual do Brasil e trazer à tona o que de fato aconteceu com Amarildo.”
Amarildo: vítima do ‘Tropa de Elite’
Duda, 37 anos, amigo de Amarildo e líder comunitário da Rocinha, acredita que o filme possa trazer mudanças: “Os depoimentos da própria polícia comprovam que teve tortura, morte e ocultação de cadáver.” Para ele, a situação das comunidades piorou depois da chegada das UPPs. Ele também associa o comportamento truculento dos policiais ao filme ‘Tropa de Elite’, de José Padilha.
“O Amarildo acabou sendo uma vítima do ‘Tropa de Elite’, porque a sociedade viu o filme como a melhor coisa mundo, o Bope e a polícia entrando ali, arrebentando e matando. A sociedade entendeu de forma errada. O comportamento da polícia de hoje, que tem treinamento de apenas seis meses, é baseado nisso. Muitos dos métodos usados nas comunidades pelos policiais são embasados no ‘Tropa’. Vários PMs, por exemplo, falam frases que foram ditas no longa. Temos uma realidade em que a polícia se coloca como o braço opressor e o governo não enxerga.”
À Queima Roupa’ estreia no Rio
Cenas fortes de chacinas que marcaram a história do Rio, como a de Vigário Geral (1993), depoimentos reais sobre a violência policial e vários pedidos por justiça. Esse é o foco do documentário ‘À Queima Roupa’, selecionado para a Première Brasil do Festival do Rio, com estreia no dia 25 de setembro, às 17h, no Lagoon. O projeto, realizado pela Kinofilmes, mostra a violência e a corrupção da polícia carioca nos últimos 20 anos. “Todas as chacinas ocorridas nos últimos anos têm a participação da polícia”, afirma, em depoimento na obra, o advogado João Tancredo.
Theresa Jessouroun, diretora do documentário, acredita que ‘À Queima Roupa’ servirá para uma reflexão sobre os atos praticados por quem deveria proteger a população. “É assustador pensar que, só no ano passado, a polícia matou 415 pessoas, isso é mais de uma pessoa por dia. Por que matar? Por que não levar para a cadeia? A discussão é muito maior. O fato que é mais grave é que esses atos são classificados como auto de resistência, um mecanismo legal que autoriza os agentes a utilizarem os meios necessários para atuar contra pessoas que resistam à prisão em flagrante ou determinada por ordem judicial. Aí, a polícia não responde por esses crimes. Não temos policiais bem treinados e, para piorar, eles não sabem nada sobre direitos humanos.”
Que país é esse em que vivemos, aonde a polícia chega e acusa o homem de uma coisa, o leva pra policia e ao sair de lá ele some, é torturado de vários jeitos e morre? Apenas um cidadão da favela, que tinha uma família, uma esposa, vários filhos que ainda não se conformam, nem nunca vão se conformar. Um pobre pescador, trabalhador, que dava o seu jeito para sustentar e a família, um ser humano que perdeu a vida de uma forma tão trágica...
ResponderExcluirEm pleno século vinte e um, 29 anos após o fim da ditadura e acontece uma coisa dessa, os policiais se achando no direito de pegar uma vitima e tirar sua vida de uma forma devastadora. Isso faz refletir sobre a desigualdade no Brasil, onde teoricamente o pobre e o negro moram na favela, e o rico e branco moram na parte luxuosa, nos casarões, nos condomínios de luxo e etc. Onde a polícia que seria a parte rica da sociedade comparada às pessoas da mesma classe de Amarildo, tem o direito de fazer o que quiser, matar as pessoas, condená-las, zombar delas e humilhá-las. Enquanto Amarildo que representa a parte pobre, que mora na favela, é punido por ações que nem fez.
É muito interessante fazer filmes e documentários a respeito disso, porque a sociedade abre o olho e enxerga o país em que vivemos, e percebe a falta de direito do pobre. O documentário que deve ser muito marcante é baseado em uma historia real, a de Amarildo, e faz a gente imaginar o sofrimento que ele passou, nos fazendo tomar a sua dor, a de estar morrendo e sofrendo, porque quem morre da maneira que ele morreu sofreu muito, muito mesmo! Porém filmes como esse não são inteiramente bons, podem dar sugestões para criminosos, serial killers, ladrões etc. Porque ao mesmo tempo em que faz a população abrir olho, dá idéias pra eles, que podem querer fazer da ficção a realidade.
O caso de Amarildo ainda não é completamente solucionado, porque tanto quanto o fato de não saberem o porquê de terem feito isso com ele e também porque a família e amigos nunca vão se esquecer do que aconteceu, um vazio que vai ficar para sempre em seus corações.
Rebeca Mendes
802.
É muito triste a situação das favelas hoje em dia, pois sabemos que os policiais não tratam os que lá residem assim como os mais favorecidos. A cada dia mais e mais pessoas morrem, e seus amigos e parentes não podem dar-se o trabalho de montar uma cerimônia de falecimento para homenagear o morto, pois, o cadáver não foi encontrado. É muito gratificante aos que perderam um companheiro, saber que existem pessoas que se preocupam com o próximo, a ponto de criar um documentário desse tipo. Amarildo servirá como prova para toda a sociedade, que a relação entre UPP's e moradores de favela não é como aparece em propagandas políticas.
ResponderExcluirIngrid Maia Nanjara - 802
Neste ano de 2014 a Ditadura Militar completou 50 anos, mas eu não gosto de dizer que ela acabou, porque se eu falasse isso, estaria mentindo, A DITADURA NÃO ACABOU só mudou de “fantasia”, ela está implícita na sociedade.
ResponderExcluirO que diferencia esses policiais que fizeram esta barbaridade com Amarildo dos militares da ditadura? Nada. Ambos usufruíram de instrumentos como forma de tortura, meu Deus do céu, a polícia que deveria nos proteger fazendo essas coisas? Já me acostumei.
Mas o que me impressiona é como certas pessoas são capazes de cometer essas atrocidades, como? Isso não tem explicação. Fico abismada com tanta maldade. Só espero que estas coisas parem da acontecer, que a nossa geração seja o futuro desta nação.
Ana Carolina Pereira Ribeiro-801