O show comemorativo dos 450 anos promovido pela prefeitura reflete essa imobilidade na renovação de nosso som e de nossos artistas
Em 1º de maio de 1892, Machado de Assis escrevia em uma de suas crônicas na “Gazeta de Notícias” que o Rio de Janeiro do qual sentia saudades era aquele em que “dançavam-se as modas de todas as nações”. Na memória do cronista, a vida musical da cidade “não era só o fadinho brasileiro, nem a quadrilha francesa; tínhamos o fandango espanhol, a tarantela napolitana, a valsa alemã, a habanera, a polca, a mazurca, não contando a dança macabra, que é a síntese de todas elas”.
Hoje, os ouvidos saudosos de Machado apurariam outros sons da cidade. Ele ouviria um zumbido intermitente de metal, estridências, pássaros, bombas, helicópteros, balas traçantes, graves poderosos, sirenes, curtos-circuitos. Um som que, na precisa e cortante definição do imenso escritor e músico Fausto Fawcett, forma o nosso Frankenstein de gêneros musicais contemporâneos. As raízes viraram rizomas, e as barreiras de gosto e classe já não dão conta do que circula nas ondas sonoras das ruas.
Arrisco dizer que a produção musical carioca nunca esteve tão bem. Basta entendermos o que uma cidade como a nossa pode oferecer aos seus ouvintes. Ela está viva e com múltiplas frentes renovadoras de ação, mesmo carregando o peso de sua poderosa tradição. Vale lembrar que toda tradição é inventada e pode engessar o processo de oxigenação das coisas quando reivindicada como momento máximo da História.
A cidade, diariamente, é ocupada pela música em suas mais variadas frentes e gerações. Alguns estilos e segmentos mais fortes que outros, mas não faltam opções para todos os gostos. Só na semana que passou, por exemplo, o projeto Quintavant (produzido por Bernardo Oliveira e parceiros, cujos shows já passaram pela fundamental Audio Rebel de Botafogo, pelo MAM, pela Casa Daros e outros espaços) e a Comuna iniciaram a ocupação de dois fins de semana na Biblioteca Parque do Estado da Avenida Presidente Vargas, com o circuito de shows e exposição Sítio-Quintavant. Os Happenings, coordenado por Batman Zavareze, ocuparam a Casa França-Brasil com dezenas de músicos e artistas visuais. Nesta semana, a Ocupação Arte Sonora, de Saulo Laudares e Franz Manata, aporta no Castelinho do Flamengo. O Bulha, plataforma de shows com novos nomes da música local, ocupa o POP no Jardim Botânico desde janeiro. Domingo passado, no Parque Lage, tivemos show de Jards Macalé. O Norte Comum, coletivo sagaz de ações culturais na Zona Norte e adjacências, ocupa em breve o SESC Tijuca com o seminário Aperte F5. O Leão Etíope do Méier, de Pedro Rajão, ocupa semanalmente a Praça Agripino Grieco com festas e shows e muda a dinâmica do bairro. Muitas dessas opções são gratuitas ou com preços bem em conta. Os estilos sonoros e as temáticas debatidas são múltiplas e instigantes.
A trilha sonora do Rio, portanto, não pode mais ser monocórdia. Essa dimensão simplista leva muitos a ouvirem sempre as mesmas coisas, provavelmente por não se abrirem para o risco de novos sons e por não circular pela cidade. O show comemorativo dos 450 anos promovido pela prefeitura reflete essa imobilidade na renovação de nosso som e de nossos artistas. O termo “carioca”, ao invés de nos abrir ao mundo, pode nos fechar em uma visão oficial que não dá conta da ebulição que o informa.
Essa limitação midiática de repertório e nomes contradiz a quantidade de bandas, músicos, artistas, DJs, produtores e pensadores do mundo todo que passaram pela cidade nos últimos anos, tocando, ouvindo e registrando a música feita por aqui. Poderia escrever uma coluna inteira só com nomes de pessoas que atuam sem parar, do pagode do Biro no Sindicato dos Fumageiros aos soundsystems feitos nas ruas e praias pelo Digital Dubs, dos shows na Lona da Maré ao sucesso do Samba do Trabalhador, da cena rock da Zona Oeste à Escola Portátil de Choro, na Unirio.
Aqui mesmo no GLOBO, aliás, lemos na última semana três falas que corroboram essa perspectiva incorporadora da diferença: uma, estrangeira, em que o fotógrafo francês Vicente Rosenblatt situa o funk (e sua cultura) como epicentro criativo da cidade; outra, local, em que o músico Arto Lindsay alerta para a necessidade de pontes entre experimento e tradição; e, por fim, uma oficial, em que o novo secretário de Cultura do município, Marcelo Calero, afirma em entrevista que “a maior tradição do Rio é saber se renovar no campo da cultura”.
Todas essas falas e textos apontam para um horizonte em que o som da cidade se liga cada vez mais às “modas de todas as nações” para ter sua potência expandida. Afinal, em uma cidade que se orgulha de olhar para o mar, sempre se deve aspirar ao que ainda não se conhece.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/os-sons-da-cidade-15489021#ixzz3Tjb3ST00
450 anos do Rio de Janeiro
ResponderExcluirO show comemorativo dos 450 anos do Rio de Janeiro foi promovido pela prefeitura .
No Rio de Janeiro captamos diversos sons , somos influenciados por vários países , nossa cultura é ampla . A música carioca tem várias inspirações , temos opções para todos os gostos .
Eu não vi o show dos 450 anos do Rio de Janeiro , mas , lendo revistas , jornais e comentários , pude criar uma ideia a respeito . Na minha opinião o show mostrou parte do que eles podem , não necessariamente a melhor parte , mas , faltando inúmeros estilos musicais .
Mesmo assim foi marcante , com alguns dos principais músicos representativos do Rio de Janeiro .
Aluna : Raquel ;
Turma : 702 .