sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Opinião de Raça - África novamente


A África novamente é notícia. Não para falar da fome, das guerras, das campanhas humanitárias ou das revoluções inacabadas. Também não é a intolerância contra as religiões de matriz africana que está em pauta, muito menos sua fauna, flora ou a grandiosa diversidade étnica, linguística e cultural que estão questão.

A notícia agora é a beleza, a delicadeza, o encanto da jovem angolana Leila Lopes, de 25 anos, que desbancou dezenas de candidatas favoritíssimas à Miss Universo... Sim, favoritíssimas. Afinal, a maioria de suas concorrentes tinha como vantagem extra aquilo que, no último século, o Ocidente consagrou como padrão estético de beleza humana: a cor branca da pele.

O rosto negro de Leila Lopes estampado em milhares de publicações mundo afora se juntou a um pequeno grupo que, nos últimos 100 anos, ultrapassou a barreira do padrão estético de beleza, de poder, de afirmação, liderança e saber, veiculados diariamente na mídia global como padrão branco ocidental estabelecido.

A primeira face negra a romper esta barreira de forma positiva nasceu em 23 de outubro de 1940, no maior país negro fora da África e último a se livrar de uma das maiores tragédias e vergonhas da história da humanidade, que foi a escravidão negra: Edson Arantes do Nascimento, Pelé, que, por décadas, tem sido um dos rostos mais conhecidos do planeta e maior garoto-propaganda que se tem notícia, ultrapassando hoje até mesmo a barreira da idade imposta por este mercado.

"LEILA LOPES JUNTA SE A OUTRAS FACES NEGRAS QUE ATUALMENTE TÊM TORNADO A HUMANIDADE MAIS IGUAL, MAIS DIVERSA E MENOS RACISTA, COMO BARACK E MICHELE OBAMA"

O século 20 não reservou apenas ao esportista rei do futebol a responsabilidade de mostrar que a genialidade e, consequentemente, a visibilidade global não era privilégio apenas de uma etnia. Foi no continente africano e também naquele século que nasceu um dos rostos mais conhecidos do planeta, aclamado como o estadista do século, passando 27 anos na prisão por lutar contra a opressão de seu povo e depois tornando-se presidente da república de seu país. Nelson Mandela é seguramente uma das faces mais conhecidas e respeitadas do planeta, queira ou não o padrão estético branco estabelecido.

Leila Lopes junta-se a outras faces negras que atualmente têm tornado a humanidade mais igual, mais diversa e menos racista, como Barack e Michele Obama. A africana é mais uma a romper com o sistema excludente de um grupo eurocêntrico que expõe seu racismo secular até mesmo ao demonstrar surpresa com a vitória de uma negra eleita Miss Universo, ou, com a vitória de um negro à presidência da república dos Estados Unidos. Notícias tratadas com grande alarde, deixando claro que alguma coisa estranha, errada ou diferente do que costumamos ver como "normal" ou habitual, está acontecendo.

Os comentários no Brasil, palco da final do concurso, não fugiram daquilo que já estamos acostumados a ver e ouvir cotidianamente no maior país negro fora da África, e que insiste em se mostrar nos meios de comunicação como branco e europeu - exemplo comprovado em nossa representante e terceira colocada no concurso. Nessa ótica, o destaque vai para revista Veja, de 21 de setembro, que, em sua seção Gente, tece alguns elogios à negra eleita como a mulher mais bela do mundo e, numa atitude das mais racistas, surpreende até mesmo quem está acostumado com aquela publicação: no final do texto, destaca que o cabelo da miss era aplique comprado na Rua 25 de Março, em São Paulo. Coisas da Revista Veja e de algumas cabeças retrógradas da mídia brasileira. Aplausos à Leila Lopes!

Revista Raça Brasil 

Te contei, não ???!!!! - Sabe quem foi Maria Felipa ?



Nunca perco a oportunidade para lembrar de heróis e heroínas de nosso povo, como a baiana Maria Felipa de Oliveira, que liderou um grupo de 40 mulheres na luta pela Independência da Bahia, no século 19



Conta-se que se tratava de uma mulher nascida na Ilha de Itaparica que, além de atraente e de elegante porte físico, tinha habilidades de capoeirista e uma coragem invejável. Descendente de africanos sudaneses, vivia da comercialização de mariscos e deve figurar entre os heróis da luta pela liberdade em nosso país, segundo vários intelectuais e os integrantes da Casa Maria Felipa, que a consideram a “matriarca da Independência de Itaparica”. Há um ótimo livro sobre ela, escrito pela educadora Eny Kleyde Vasconcelos Farias. Maria Felipa é mencionada em livros de Xavier Marques, de Jurandir Pires Ferreira e de João Ubaldo.

O primeiro a estudar essa personagem foi o historiador Ubaldo Osório Pimentel. Foi ele que apurou, através de documentos públicos, que, em 1823, as mulheres lideradas por Maria Felipa avistaram a esquadra de 42 embarcações portuguesas, ancoradas nas imediações da ilha, aguardando a ordem para invadir Salvador e reprimir as ações pela independência baiana.

Elas se aproximaram desses navios e os incendiaram, causando baixas significativas no exército português. Os dois vigias da esquadra, Araújo Mendes e Guimarães das Uvas, seduzidos pelo encanto das guerreiras, as acompanharam a um local distante, na esperança de se deleitarem sexualmente. Mas, quando tiraram as roupas, foram surrados com espinhosos galhos de cansanção.

Revista Raça Brasil 

Nos Tempos da Literatura ......................... Modernismo - Diálogo da poesia de Manuel Bandeira com a literatura africana



Vou-me Embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90


Antievasão 

Ovídio Martins*


Pedirei
Suplicarei
Chorarei

Não vou para Pasárgada

Atirar-me-ei ao chão
e prenderei nas mãos convulsas
ervas e pedras de sangue

Não vou para Pasárgada

Gritarei
Berrarei
Matarei

Não vou para Pasárgada



* Trata-se de um poema do escritor Ovídio Martins de Cabo-Verde. Momento literário para repartir com vocês, a vida é aqui e agora , não em Pasárgada. Diálogo direto com Manuel Bandeira e os modernistas brasileiros.

Nos Tempos da Literatura ......................... Um pouco mais sobre Castro Alves

Te contei, não ???!!!! - Eugênia Câmara !!!!!



Eugênia Infante da Câmara nasceu a 9 de abril de 1837 em Lisboa, Portugal, num domingo, o 100º dia do ano, dedicado aos santos Acácio, Demétrio e Maria, e sob o signo de Áries, de onde, segundo os entendidos em astrologia, ser do “tipo ariano-solar” (nascimento entre 31 de março a 9 de abril). Os nascidos nesse signo “gostam de elogios, fogem do silêncio e da solidão, possuem poderosa aura magnética e de grande vitalidade, sendo que a imaginação criadora e a capacidade reali-zadora são inestimáveis dotes que aqui andam sempre juntos”. Foi batizada na freguesia de Santa Cruz do Castelo, na capital portuguesa. Faleceu às 21 horas de uma quinta-feira, dia 28 de maio de 1874, na Rua das Marrecas nº 33, na cidade do Rio de Janeiro, e foi sepultada em caixão nº 3, de 66 polegadas, recolhido no quadro 1º, debaixo do nº 376, de adulto, no Cemitério de São João Batista. Ao seu desaparecimento, o poeta N. Umbelino Vieira dedicou-lhe uma nênia no Jornal do Comércio de 31 de maio.
Era filha de Joaquim Infante da Câmara e de sua mulher Ludovina Infante da Câmara, como se comprova com o ma-nuscrito que localizamos no Arquivo da Cúria Metropolitana, do Rio de Janeiro, constante do maço nº 31, fls. 9, 10, 11 e 12, que se encontra na Igreja Nossa Senhora do Carmo da antiga Sé, ex-Catedral do Rio de Janeiro, à Praça 15 de Novembro, esquina da Rua 7 de Setembro.
Infante da Câmara é um título nobre, ilustre, de cepa fidalga, com genealogia de séculos. Eugênia recebeu esmerada educação social e literária, revelando desde a infância qualidades de viva inteligência e imaginação exaltada. Extremamente precoce, ainda adolescente declamava com perfeição em francês, espanhol e na língua materna. Aos 15 anos já revelara uma forte personalidade, quando se dirigiu sozinha ao Teatro do Ginásio e, diante do empresário Santos Pi-torra, fez um teste audacioso, recitando em francês, para a conquista de um lugar da atriz. Iniciou a sua carreira teatral.
Sua estréia realizou-se no Teatro do Ginásio, em sua ci-dade natal, na noite de 20 de fevereiro de 1852, em récita de benefício, que constou das duas em 1 ato, Qual deles é o pai? e Qual delas é a mãe?, da comédia em 3 atos, Eram elas, e da far-sa de um ato, com acompanhamento musical, A parteira e o dentista, tendo Eugênia Câmara interpretado o papel de “ingênua”. Depois de inúmeras representações em Lisboa, Eugênia passou-se para o Porto, ligada à companhia teatral do Ginásio, estreando no Teatro de São João. No Porto, foi publicado o seu primeiro livro de versos, intitulado Esboços Poéticos, pela Tipografia de Sebastião José Pereira, Praça de Santa Teresa nºs. 28 a 30. É um volume de 102 páginas, epigrafado com trechos de Camões, Vítor Hugo, Pinto Sampaio e outros (...).
Os desempenhos de Eugênia Câmara nos palcos de Lisboa e do Porto despertaram a atenção de Camilo Castelo Branco, que, a propósito de seus dotes artísticos, escreveu uma crônica lisonjeira no jornal O Nacional: “A espirituosa Eugênia, essa punha em todas as suas palavras o cunho da inteligência. É tradutora, é poetisa de bonitos versos, tem lá dentro a fada que lhe segreda as variadas inflexões com que a voz obedece ao coração, revelando-o inteiro. A sua índole nervosa e irrequieta doou-lhe a primazia nos papéis de paixões fortes, onde prevaleceram os ímpetos, as zangas, astravessuras. É uma grande atriz”. (...)
Eugênia Câmara chegou ao Brasil na barca portuguesa “Félix”, no dia 10 de outubro de 1859, contratada pela direção do Teatro Ginásio Dramático do Rio de Janeiro. (...).
No sábado, 29 de outubro, estreou no papel de Baronesa do Almourol na peça Abel e Caim, drama em três atos, original português de Antônio Mendes Leal, ano de Berta na comédia Berta de castigo, tradução da própria Eugênia. Entre os espectadores encontrava-se o célebre poeta e romancista José Maria Machado de Assis, que, ao vê-la, assim se manifestou na revista de literatura O Espelho, de 6 de novembro de 1859: “A Sra. Eugênia Câmara tem uma esfera própria, a comédia, a comédia Dejazet. Em sua estréia teve a felicidade de mostrar-se de perfil, com toda a distribuição de luz e de sombras; de maneira que a platéia apa-nhou-lhe os traços mais vivos e reconheceu-lhe as proeminências...”
Depois de percorrer várias cidades brasileiras, Eugênia Câmara reuniu as poesias que havia escrito e publicado nos jornais do Brasil, com algumas do seu livro Esboços Poéticos e mais 19 poesias que foram dedicadas em sua homenagem, entre 20 de dezembro de 1860 e 18 de março de 1864, por Augusto Emílio Zaluar, Antônio Manuel dos Reis, Luís Nicolau Fagundes Varela, Vitoriano Palhares e outros, e publicou o seu segundo livro de poesias, Segredos d’Alma, pela Tipografia Constitucional, em Fortaleza (CE). * * *
Depois da polêmica Castro Alves x Tobias Barreto, nova vida começou distante do centro da cidade, de todos, no arrebalde do “Barro”, o mais pitoresco bairro do Recife. Nas férias de 1866/67, em lua-de-mel, comendo no mesmo prato, bebendo no mesmo copo, falando a mesma linguagem de amor, pertenciam um ao outro, ele era dela e ela era dele; agradecido e feliz, Castro Alves escreveu o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, ao lado da musa inspiradora, que seria no palco a Maria Dorotéia de Seixas Brandão (Marília de Dirceu).
Em 1867, Eugênia Câmara acompanha-o a Salvador (BA). Hospeda-se com sua filha e Castro Alves no Hotel Figueiredo, um dos melhores da cidade, que ficava situado no Largo do Teatro, que antes se chamou Portas de São Bento, ou Largo da Quitanda, e é hoje a Praça Castro Alves, próximo à Ladeira de São Bento, “do lado do mar, em uma casa depois da em que funcionou a redação e oficinas do jornal Diário da Bahia. Eugênia Câmara mostrou-se à Bahia pelo braço do poeta num lindo vestido de tafetá, em carro aberto, sem temor aos comentários dos amigos e familiares do jovem amante.
Meses depois resolveram mudar-se para o Solar da Boa Vista, lugar distante, um retiro havia muito sem moradores, onde Castro Alves passara uma boa parte de sua infância. (...)
Na Bahia, representaram o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas quatro vezes. Em fevereiro do ano seguinte, após oito meses de exibições artísticas na Bahia, Eugênia Câmara, Castro Alves, Emília e uma criada embarcaram no vapor francês “Picardie” com destino ao Rio de Janeiro.
Na Corte, os amantes hospedaram-se no Hotel Aux Frères Provenceaux, à Rua do Ouvidor nº 126-B, esquina da Rua Gonçalves Dias (primeira esquina à esquerda de quem entra na Rua do Ouvidor, vindo da Rua Uruguaiana). Dias depois, tomaram o vapor “Santa Maria”, desembarcaram em Santos, na manhã do dia 12 de março, tomaram o trem da Estrada de Ferro São Paulo Railway, saltaram na Estação da Luz e foram se hospedar no Hotel d’Itália (antigo Hotel das Quatro Nações, que, sob a administração de Mr. Fretin, passou depois a denominar-se Hotel da França) (...)
Em São Paulo, Eugênia Câmara organizou uma companhia teatral denominada Empresa Eugênia Câmara, que do dia 26 de abril de 1868 até o dia 11 de julho de 1869 funcionou sob sua responsabilidade no Teatro de São José, que ficava situado no canto esquerdo da Rua do Imperador, com frente para o Largo São Gonçalo, hoje Praça João Mendes. (...)
Após o acidente sofrido por Castro Alves, em 14 de novembro de 1868, Eugênia foi vê-lo na Rua do Imperador, tomada de compaixão e ternura, porque o amava verdadeiramente, e só queria amá-lo, ser só dele, viver para ele. (...).
Voltou a reencontrar-se com Castro Alves no Rio de Janeiro, no Teatro Fênix Dramática, num sábado, dia 13 de novembro de 1869, e na Rua do Catete, onde ela residia. Castro Alves, recordando-se daquele violento amor, confessa-o na poesia “Adeus”. Era a declaração suprema. Castro Alves amava ainda, com viva paixão e desvario, a sua “Dama Negra”. Quando Eugênia recebeu a poesia, leu e releu as últimas estrofes, tomou duma caneta e, entre lances de coragem e tristeza, molhando a pena no próprio coração, respondeu-lhe, usando o mesmo título. (...)
Em novembro de 1873, Eugênia Câmara casou-se com o violinista, ator e regente da orquestra do Teatro Fênix Dramática, Antônio de Assis Osternold, sendo padrinhos os atores Antônio Lima e Jacinto Heller.
Na sexta-feira, 22 de maio de 1874, a empresa do artista Heller representou em benefício da atriz Eugênia Câmara Osternold a comédia-drama, em dois atos, O gaiato de Lisboa, cabendo-lhe desempenhar o papel de José, aprendiz de tipógrafo, de 12 anos de idade.
Os espectadores estavam atentos.


Norlandio Meirelles de Almeida é escritor. Foi responsável pela segunda edição do livro de Eugênia Câmara, Segredos d‘Alma. São Paulo: editora Pannartz, 1989. Excertos do texto da apresentação por ele assinado

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Crônica do dia - Mudar é possível - Lya Luft


Acompanho com certa esperança o movimento, que vai se tornando mundial, de insatisfação com a situação generalizada, com grandes empresas, corporações, bancos e países tendo administrado mal seus recursos e agora dependendo do dinheiro para não decretar falência. E o povo? Penso nos trabalhadores, dos mais simples aos professores universitários, cientistas, médicos, nas donas de casa, nos velhos, nos jovens, que no mundo todo não conseguem pagar as contas básicas, ter cuidados de saúde, ter trabalho ou esperança. Penso nas hordas de desempregados, cada um com uma família que precisa de apoio.
Penso nas crianças sentindo no silêncio pesado dos pais seu próprio futuro incerto. Penso nas esperanças espezinhadas, no desencanto de milhões de pessoas honradas que trabalharam duro e agora estão abandonadas, ou de jovens que querem trabalho, pagamento digno, esperança. Essa é, aliás, a palavra que mais me vem à mente: esperança, junto com confiança.
Então começa o movimento de ocupar Wall Street, que já transbordou os limites da própria, e se espalha pelos continentes numa indignação ainda ordeira. Aqui e ali alguém se excede, há violência, feridos, quebra-quebra, mas coisa pouca, tendo em vista a magnitude que o movimento vai assumindo. Claro que aqui e ali também há infiltrados, anarquistas, ou cobras-mandadas de autoridades incapazes de gerir a realidade, postos ali como provocadores, para que se possa dizer que o movimento é espúrio ou violento e deve ser esmagado.
Até mesmo aqui, onde andamos numa onda ufanista que não aprecio, pensando que podemos ensinar países mais desenvolvidos, aparece esse movimento, sobretudo com jovens, sem bandeiras partidárias, aos poucos atraindo adultos de todas as classes, até velhos. Queremos algo melhor. Queremos honradez e transparência, não a palavra vazia que se torna banal demais, queremos cuidado com o povo, lealdade com bons princípios, nada de promessas vagas: cuidado, proteção, orientação, resolução das necessidades mais básicas, que não são apenas comida, mas higiene, estudo (mais que o resto), saúde, tudo o que estamos cansados de saber.
Eu apoio integralmente o movimento, enquanto for ordeiro, e torço para que assim continue, vencendo os eventuais interessados em diminuir sua dignidade e seu valor. Pois a gente quer ordem, a gente quer paz, a gente quer respeito. A gente quer estudar em colégios com boas instalações e professores entusiasmados, bem pagos, bem formados. A gente quer poder cruzar o país em boas estradas e aviões e aeroportos totalmente confiáveis. A gente quer ver pais, filhos e avós acolhidos e atendidos quando doentes. A gente quer poder pensar em um futuro que não precisa ser de glória, mas de oportunidades.
A gente não quer mais ouvir falar em bilhões e trilhões jogados ao vento para nada além do essencial que tanto nos falta. A gente quer repensar o país e o mundo, numa ordem não vertical, mas horizontal, isto é: mais igualdade, mais fraternidade, mais atenção para o humano e o real. Talvez seja a hora de aos poucos substituir a dominação pela parceria: que não seja para explorar, enganar, ludibriar e espezinhar, mas para apoiar, estimular, inspirar e merecer confiança. Para seguir em frente sem ufanismo tolo e vazio, mas com o sentimento de que, sim, estamos começando a construir juntos, cada um com seu jeito e capacidade de colaborar, uma pátria diferente e um outro mundo possível.
Porque não é impossível mudar para melhor, desde que se comece repensando o próprio país e o papel de cada um dentro dele, não importam a idade, a profissão, a conta no banco ou nem ter conta no banco. A postura maior tem de ser dos governos, dos líderes, das autoridades, mas cada um, do gari ao senador, pode e deve contribuir para isso, para começar a entender quem somos, que país somos, quem queremos ser, como podemos nos transformar – para ter na ciranda dos países todos, de verdade, um lugar respeitado e respeitável.

Crônica do dia - O esporte mais popular do Brasil - Ruth Aquino


Você achou que era o futebol? Não é. Nosso esporte mais popular é a corrupção. O time de maior prestígio e mais bem remunerado é o BCC, Brasília Corrupção Clube. Seus estádios são verdadeiros palácios, com subsedes imponentes. Uma pena que, mesmo com ingresso de graça, as arquibancadas estejam quase sempre vazias, a não ser que os jogadores entrem em campo em benefí$io próprio ou tenham algum companheiro ameaçado por cartões vermelhos. Aí, as torcidas lotam o recinto e reúnem jovens furiosos a gaviões fiéis. Confraternizam, xingam e chegam a entrar no tapa.
Há os atacantes que disputam, aos trancos e barrancos, até o fim do Segundo Tempo. E os zagueiros que já deveriam ter pendurado as chuteiras no século passado, mas insistem na prorrogação. O “bicho”, nesse torneio, é a propina. Tem muito empurra-empurra. Já foram expulsos cinco neste ano da Seleção, e o sexto estava na marca do pênalti aguardando o apito da juíza.
O maior medo dos jogadores é sofrer um “drible da vaca”. É um daqueles dribles humilhantes em que o jogador, de frente para o oponente, toca ou chuta a bola para um lado e corre para o lado oposto, buscando a bola novamente. Em política, é comum. Você faz de conta que dá todo o apoio ao coitado, mas o faz de bobo. E, quando o outro percebe, já foi até substituído. Nesse Brasileirão de impedimentos, quem rouba não é o juiz. (Até é também, mas o campeonato é outro, superior – os atletas jogam de toga e o uniforme faz a diferença, que o diga a juíza dos árbitros Eliana Calmon, que denunciou bandidos em campo.)
Poderíamos recorrer apenas ao humor, e não à indignação, mas o assunto é muito sério. Só no Brasil uma arte milenar chinesa como o kung fu acaba usada pelo Ministério do Esporte para desviar milhões de reais de dinheiro público. Dinheiro meu e seu destinado a material esportivo para crianças e jovens. O que se rouba em nome dos carentes e destituídos é vergonhoso. Não sei quase nada de kung fu, a não ser que há golpes mortais. Mas, no Brasil, o golpe é de grana mesmo.
O enlameado desta vez foi o ministro Orlando Silva, titular da pasta mais estratégica para um país que sediará a Copa do Mundo e a Olimpíada. Foi surpresa? Silva comprou em 2008 por R$ 8,30 uma tapioca recheada de queijo coalho e manteiga da terra com um cartão corporativo. Foi “por engano” e ele devolveu o dinheiro. Ficou feio. Mais um ministro que Dilma Rousseff herdou de seu mentor Lula, o presidente mais complacente, boa-praça e popular da história, corintiano roxo e amante das metáforas futebolísticas. Lula chegou a telefonar ao ministro, expressando sua solidariedade.
Quem acusou Silva é um desclassificado. Soldado da Polícia Militar, João Dias é ex-militante do PCdoB, o mesmo partido do ministro, e dono de ONGs de kung fu com sede em Brasília. Tem mansão incompatível com seu salário e três carros importados na garagem: um Camaro, um Volvo e um BMW. Só começou a enriquecer quando se aliou a um grupo do PCdoB, então liderado pelo governador Agnelo Queiroz. Fez convênios com o Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva por cinco anos. João Dias foi intimado pelo Ministério Público a devolver R$ 4 milhões aos cofres públicos. É rico, temido e suspeito.
Silva tentou se defender dizendo que queriam tirá-lo “no grito”, sem provas materiais. Seria a palavra de um contra o outro. Mas por que ele assinou convênios com João Dias? Teria sido iludido pelo soldado kung fu? Nenhum ministro cai por um único depoimento. A folha corrida de Silva nos últimos anos afetou a rodada da semana. A União cobra a devolução de R$ 49 milhões desviados em convênios irregulares do Ministério do Esporte. É pouco? Esse dinheiro não vai reaparecer. Quanto o PCdoB ganhou não se sabe, mas um pouco deve ter sido gasto na campanha que o partido maoista deslanchou na TV, dizendo que nada mancharia uma legenda criada “para estar ao lado do povo”. Ah, esse povo merecia mais.
E Dilma com isso? Para ela, foi oportuno estar na África. Driblou o ministro ao chegar na quinta-feira à noite. Em seu morde-assopra costumeiro, a presidente condenou qualquer tipo de “apedrejamento moral”. Tudo como manda o figurino. Mas já tinha deixado claro que não faria nenhum esforço para Silva ficar. Dilma criticou a demonização do PCdoB. E não poderia agir diferente. O PCdoB comanda a pasta do Esporte há nove anos, desde o início do mandato de Lula. É um partido que nasceu em 1962 de um racha comunista, com fama de “pequeno mas ideológico”. Sua ideologia aparentemente mudou. Sua marca ainda são a foice e o martelo cruzados, simbolizando a aliança de operários e os camponeses. Ah, os operários e os camponeses mereciam mais.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Momento Poesia !!!! Alice Ruiz


Penso e Passo


Alice Ruiz

Quando penso que uma palavra
Pode mudar tudo
Não fico mudo
Mudo

Quando penso que um passo
Descobre o mundo
Não paro o passo
Passo

E assim que passo e mudo
Um novo mundo nasce
Na palavra que penso

"Gosto de roçar a minha Língua na Língua de Luiz de Camões ..." - A nova função do e - mail



Criado há 40 anos, ele está sendo substituído pelas redes sociais para conversas informais e hoje vale como documento

João Loes


OFICIAL
Em alguns casos, o e-mail é usado como prova nos tribunais

É difícil de acreditar, mas o e-mail completa quatro décadas de existência este ano. Criado no formato que conhecemos hoje, com arroba, pelo cientista da computação americano Ray Tomlinson nos Estados Unidos, em 1971, ele chega à maturidade com funções diferentes das que o popularizaram. Hoje, está perdendo a força como canal de bate-papo virtual e ganha ares de documento oficial, usado inclusive como prova na Justiça em casos de disputas trabalhistas, na comprovação de adultério e na violação de sigilo empresarial.

São os mais jovens que estão mudando a função do e-mail. Quando começou a se tornar popular, no fim dos anos 90, ele servia de identidade virtual e canal para trocar recados simples. Na década seguinte, virou caminho para mandar documentos na forma de imagem e som, reuniu amigos com interesses em comum nos famosos grupos de e-mail e foi até adotado como ferramenta de propaganda. Hoje, para conversar virtualmente entre si, as pessoas preferem as redes sociais. Além disso, a popularização das ferramentas de bate-papo online também colaboraram para que seu papel de correio eletrônico fosse ficando de lado.

É compreensível que as mídias sociais estejam absorvendo a função do e-mail. Só o Facebook tem 800 milhões de usuários. Com uma rápida procura pelo nome de alguém em um grande site de buscas, o perfil da rede social logo aparece – é bom lembrar, porém, que é necessário um e-mail para se cadastrar.

Embora a função de identidade subsista, também pode estar com os dias contados. São cada vez mais comuns as páginas que optam por usar a identidade do usuário nas redes sociais e não o e-mail como registro em seus sistemas.

Em alguns sites de notícias, por exemplo, o visitante já pode se logar usando o nome de usuário e senha do Facebook. “Talvez o e-mail fique como ferramenta para mensagens mais longas e formais”, diz Luciana Ruffo, psicóloga do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (NPPI/PUC-SP). Em ambiente de trabalho, ainda é a principal forma de comunicação, pois a correspondência precisa ser formalizada e, como pode ser periciado eletronicamente, o e-mail cumpre esse papel. Só falta isso se tornar oficial. Tramita lentamente no Congresso um projeto de lei que o transforma em prova documental.

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Nos Tempos da Literatura ......................... Vinícius de Moraes


Versos roubados

Toquinho contou a história durante show em Roma e disse que só agora resolveu revelá-la

Gisele Vitória de Roma, com Bruna Narcizo



Toquinho contou a história durante show em Roma e disse que só agora resolveu revelá-la : Quando escreveu a letra de “Tarde em Ita­puã”, Vinicius de Moraes queria que Dorival Caymmi a musicasse. Toquinho insistiu em fazer a melodia, mas o Poetinha foi irredutível. O jeito foi “roubar” a letra. “Eu falei: ‘Roubei o poema e fiz uma música para ele”, contou. Depois de ouvir por 50 minutos, Vinicius concordou. 


Em tempo: Toquinho se apresenta no dia 27 na Sala São Paulo, ao lado da Sinfônica de Helióp

Pra ficar sabendo ..... A prova de fogo do ENEM



Apesar do histórico de tentativas de fraude dos dois últimos anos, a edição 2011 do exame bate recorde no número de inscritos e tem o desafio de consolidá-lo como a principal porta de entrada para o ensino superior

por Rachel Costa / Revista Isto É


Não só os estudantes serão avaliados no próximo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que acontece nos dias 22 e 23 de outubro. Decisiva para o governo federal, esta edição será a chance de o Ministério da Educação (MEC) comprovar sua capacidade de realizar, com sucesso, um exame de abrangência nacional capaz de substituir o vestibular das principais universidades do País. Se tudo correr bem, são boas as chances de consolidação do modelo que tem atraído cada vez mais candidatos e universidades. Do contrário, corre-se o risco de retrocesso, com a perda da adesão de grandes instituições de ensino superior que estão apostando suas cartas no Enem. Desde 2009, quando foi criado o Sistema de Seleção Unificado (Sisu), o exame tornou-se porta de entrada para importantes universidades públicas. Percalços constantes, porém, têm ameaçado a reputação do exame , como o vazamento de conteúdo e o defeito de impressão que obrigou o MEC a reaplicar a prova a parte dos alunos.

Se o passado não é dos melhores, o presente é promissor. Nunca tantas pessoas se inscreveram no exame como neste ano – são cerca de 5,4 milhões de candidatos, quase a população do Estado de Goiás. E espera-se atingir um número recorde de matrículas usando-se o Enem no próximo ano letivo. Para se ter uma ideia, no primeiro semestre deste ano, 83 universidades preencheram mais de 80 mil vagas apenas com a pontuação da prova realizada no ano passado – um aumento de 73% em relação ao primeiro semestre de 2010. Sem contar as instituições que substituíram a primeira etapa do vestibular pela nota do exame ou que o aceitam como pontuação adicional.

Diante disso, torna-se premente para o governo federal pôr um ponto-final nos problemas, atendendo às expectativas tanto dos estudantes quanto das universidades. O tema traz preocupações, inclusive, para o Palácio do Planalto. Na semana passada, o ministro da Educação, Fernando Haddad, foi chamado pela presidente Dilma que lhe disse para não se manifestar sobre o tema até a divulgação dos gabaritos. A presidente quer evitar que eventuais declarações de Haddad sirvam de munição no caso de algo dar errado. O ministro abordará o tema apenas na quinta-feira 20, em cadeia nacional de rádio e tevê. “Realizar o Enem é quase uma operação de guerra e dificilmente uma seleção desse tamanho não terá algum problema”, compara Antônia Vitória Soares Aranha, pró-reitora de graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A questão é que sejam percalços solucionáveis e que não ameacem a legitimidade do processo.” O próprio Haddad é um dos maiores interessados na realização de um Enem tranquilo. O ministro não só bancou o modelo como tem nele uma plataforma para a disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2012. Mais uma sabatina relacionada a problemas na prova certamente poderá atrapalhar sua futura campanha.

Por isso, não se pode errar novamente. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão que coordena a realização do exame, o passado serviu de lição e a promessa é de que tudo ocorrerá bem nas 123 mil salas de aula, espalhadas em 1,6 mil cidades onde o teste será aplicado. Para isso, o Inep investiu em duas parcerias que prometem pôr fim à dor de cabeça causada por ter de organizar, praticamente sozinho, um exame das proporções do Enem. Nesta edição, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e as próprias instituições federais de ensino superior foram recrutados para ajudar. “Demandamos ao Inmetro a observação do processo de produção gráfica, manuseio e distribuição das provas”, diz a presidente do Inep, Malvina Tuttman. Esse primeiro contato pode evoluir para a criação de uma espécie de certificação do órgão para as edições futuras. Já as universidades atuarão como observadoras durante a aplicação das provas, sugerindo mudanças nos procedimentos de segurança a partir de sua expertise na realização de vestibulares.

Quem defende o exame acredita que torná-lo mais seguro é apenas mais um passo na caminhada iniciada em 1998, com a sua criação – àquela época, uma espécie de autoavaliação dos alunos ao fim da educação básica. “Temos ainda problemas, mas isso não pode inviabilizar esse interessante instrumento para a democratização do ensino superior que é o Enem”, avalia Marilza Regattieri, oficial de programas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil. Em 1998 o Enem era tratado de forma marginal pelos estudantes do ensino médio, mas hoje a situação é outra. A adesão em massa das maiores universidades do País, o que parecia improvável há alguns anos, tornou-o potencialmente interessante para quem pretende cursar o ensino superior. Decisões como a da UFRJ, que neste ano extinguiu o vestibular para fazer a seleção apenas pelo Enem, dão ainda mais força ao exame. Outras instituições, como a UFMG e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), substituíram a primeira etapa pela nota na prova. Até mesmo quem vinha se mostrando irredutível ao uso do Enem, como a Universidade de São Paulo (USP), parece dar sinais de arrefecimento. Por meio de sua assessoria, a instituição informou que, para o próximo ano, deve analisar a possibilidade de uso da nota.

Há quem acuse, nos bastidores, que a adesão das grandes universidades não foi consensual. Teria havido pressão por parte do Ministério da Educação, que forçou as instituições sob pena de restrição de recursos. Na versão oficial das instituições, porém, essa suposta ameaça é amenizada. “O MEC sinalizou a importância do Enem, mas não houve imposição. Tanto que optamos, por enquanto, por manter o vestibular”, diz Maria Adélia Pinhal de Carlos, presidente da Comissão Permanente de Seleção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A instituição gaúcha usa o Enem apenas como parte da composição final da nota, caso o aluno faça essa opção.

Não é segredo, portanto, que a adesão das universidades vem acompanhada por um grande interesse delas próprias. A moeda de troca em questão é ter mais voz nos processos decisórios do Enem – até então muito restritos ao Inep. “Se a gente acredita que esse sistema é melhor, temos que aderir a ele até mesmo para tentar mudá-lo”, sintetiza a pró-reitora de graduação da UFRJ, Ângela Rocha dos Santos. “Queremos participar.” Anseio que pode ser bom para todos. Para as instituições de ensino superior porque poderão garantir a entrada de candidatos mais próximos ao perfil por elas desejado. Para o MEC por poder aproveitar a expertise dessas universidades na realização de processos seletivos – não só para ajudar na segurança do exame, como também na definição de conteúdos. “Pela primeira vez as universidades estão sendo chamadas para contribuir com o banco nacional de itens, uma espécie de arquivo com questões para as próximas edições do exame”, diz Luiz Antônio Prazeres, consultor em processos de avaliação educacional e professor do Centro Pedagógico da UFMG. “Esse é um caminho interessante e sem volta.”

Além da negociação política, há os benefícios práticos de se aderir ao Enem. Um deles, a redução de custos com o vestibular. Outro ponto positivo é tornar as universidades e seus cursos conhecidos nacionalmente. Com a unificação do processo de seleção, instaurada pelo Sisu, se favorece a mobilidade dos alunos. Só no último ano, mais de 11 mil estudantes optaram por universidades de outros Estados, o que representou 15% das matriculas via Sisu. O efeito disso é que os próprios coordenadores de curso têm pedido para incluir algumas graduações no sistema. É o caso de oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “O interesse é atrair alunos de várias regiões do País”, diz Armando Cavalcanti, presidente da Comissão de Vestibulares da UFPE. Oceanografia é o único curso da instituição no Sisu. Para os demais, o Enem substitui somente a primeira etapa do vestibular.

A concorrência nacional também pode representar a garantia de sala cheia para determinados cursos nos quais há dificuldade no preenchimento das cadeiras disponíveis. Foi o caso da graduação em ciências da matemática e da Terra da UFRJ. Criado em 2009, o curso nunca havia tido todas as suas vagas preenchidas. Sem contar os benefícios para os candidatos, que, com apenas uma prova, podem tentar vagas em diversas universidades. Isso simplifica o processo de ingresso no ensino superior, amenizando a tensão de uma agenda repleta de vestibulares e, muitas vezes, a necessidade de se deslocar para outras cidades para participar de processos seletivos.

Embora muitos fatores apontem para a consolidação do Enem como principal processo de seleção universitária no Brasil, pairam ainda dúvidas sobre suas potencialidades. Em especial a respeito de sua tão aclamada capacidade de democratizar o acesso ao ensino superior no País. É fato, a mobilidade dos estudantes tem se tornado realidade, mas até que ponto ela tem gerado inclusão de alunos de classes socioeconômicas mais baixas? Como o tempo é pouco, faltam ainda dados conclusivos, mas os especialistas divergem em relação à capacidade democratizante do Enem. “Nosso vestibular fazia com que um grande número de estudantes se autoexcluísse, ou seja, eles ou não se inscreviam ou não compareciam à prova por achar que aquilo não era para eles”, diz Ângela Rocha dos Santos, da UFRJ. “O Enem, de certa forma, amplia esse espectro de candidatos que fazem a prova.” Discorda de Ângela o professor da USP Ocimar Alavarse. Para ele, embora se discurse muito sobre a democratização, nada mudou. “O exame não tem aumentado a probabilidade de ingresso de alunos de nível socioeconômico mais baixo em cursos concorridos”, alerta.

Também tem recebido nota baixa o excesso de questões do teste. Em 2009, quando foi reestruturado para se tornar uma ferramenta de seleção para o ensino superior, o Enem foi expandido. Aumentaram-se os dias de prova (de um para dois), e as questões subiram de 63 para 180. “Em quantidade de dias, a carga do Enem não me parece excessiva, mas ele se torna cansativo porque os enunciados são mais densos e mais longos quando comparados aos dos outros processos de seleção”, diz Alessandra Venturi, coordenadora pedagógica do cursinho da Poli, em São Paulo. Para o professor da USP Nilson José Machado, consultor na elaboração do exame de 1998 a 2002, há um mal-entendido, por parte da equipe atual de elaboração das provas, sobre a proposta original de contextualizar melhor as perguntas. “Quem faz as questões parece entender que contexto é com muito texto, por isso as provas estão muito longas e cansativas”, ironiza. Há até mesmo quem já proponha algumas alterações que poderiam ser feitas, como é o caso de Alberto Nascimento, coordenador do Vestibular Anglo, também em São Paulo. “A prova é boa, mas ela poderia ser melhorada. Por exemplo, por que são 45 e não 40 questões por área?”, avalia.

É preciso também que o MEC se decida, finalmente, sobre as funções do exame. “Ele está sendo usado como vestibular, como termômetro para medir o desempenho da escola e para certificar os alunos no ensino médio”, diz Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação da UnB. “Devíamos limpar esse excesso de funções e focá-lo como instrumento de acesso ao ensino superior.” O que se vê é que, superada a prova de fogo do próximo fim de semana, restará ainda ao MEC o dever de casa de investir mais no aperfeiçoamento do Enem, se a pretensão é mesmo a de que ele se consolide como o principal caminho para o ensino superior.

REVISTA ISTO É / 19/10/2011


Crônica do dia - Vida de pedestre



Rosany Calazans foi casada com Rudolf Lessak por duas décadas. Ela tem 49 anos e acorda tarde, às 9 horas. Ele tinha 80 anos, acordava às 6 horas da manhã, era faixa preta de judô, fazia trilha e natação, tinha 1,92 metro de altura e 90 quilos. Ele está no passado porque se foi abruptamente deste mundo quando caminhava na calçada com a mulher, no Itanhangá, perto do condomínio Floresta, um lugar muito verde no Rio de Janeiro, para onde o casal se mudara havia nove anos em busca de sossego.
Uma picape Nissan Frontier 4x4 subiu a calçada e capotou, arremessando Rudolf a quase 10 metros de distância. Ele morreu na hora. Seu corpo salvou sua mulher. Rosany caiu sem respirar direito, mas as dores físicas já passaram. A dor da alma é que não passa. O carro, quase um trator, de 2 toneladas, atingiu seu marido pelas costas, virou de lado e encalhou fumegante. A avenida é uma reta. A velocidade máxima permitida, 40 quilômetros por hora.
Juliana Vilela, de 26 anos, morena bonita de cabelos compridos, dirigia o Nissan Frontier de R$ 80 mil que pertence ao pai, militar da Marinha. Ela não tem carteira de habilitação. Eram 8h30 de uma manhã ensolarada no domingo passado, Juliana estava vestida com minissaia curta preta, blusa escura e salto alto. Saiu do carro sem ferimento. Telefonava freneticamente no celular, não para chamar os bombeiros ou a ambulância, mas para avisar mãe, irmão, amigos. Perguntou a testemunhas: “Morreu alguém?” Quando confirmaram, Juliana jogou o sapato no carro e saiu correndo descalça para o condomínio em que mora com os pais.
“Ela está fugindo”, Rosany escutou. E correu atrás da atropeladora. Juliana entrou no prédio e voltou ao local do acidente de figurino matinal: shortinho, camisa listrada e chinelo baixo. Só sete horas depois, na 32ª DP, da Taquara, Juliana se submeteu a “um exame clínico para constatação de embriaguez”. Não passa de um teste de reflexos e equilíbrio. Ela fez o “quatro”, abaixou, levantou. Deu negativo. É brincadeira. Só no Brasil. Não é preciso ser médico para saber que esse exame não prova nada após sete horas. Já para o delegado que preside o inquérito, Mauricio Mendonça, “depende do organismo de cada pessoa”. Ah, sim. Como anda mesmo a Lei Seca no Rio?
Perguntei ao delegado se a atropeladora fez exame de sangue para detectar álcool ou outras substâncias no organismo. “Não”, disse, “porque ela se recusou.” Usou um direito constitucional, mas, ao agir assim, reforçou a suspeita de que voltava de uma balada. Um ser humano de boas intenções que mata alguém por fatalidade até exigiria exame de sangue para provar que não estava alcoolizado ou drogado.
A morte sobe à calçada em carros potentes e desgovernados, dirigidos por irresponsáveis
Primeiro, Juliana disse aos policiais que tinha cochilado ao volante. Mas, como era esquisito dormir dirigindo de manhã ao sair “para comprar pão” – como consta em seu depoimento oficial –, a versão escrita ficou mais sofisticada, atribuindo a culpa a um terceiro que ninguém conhece, ninguém viu. “Uma van fez uma manobra irresponsável e a fez perder o controle, subindo na calçada”, disse o delegado. “Mentira”, disse a viúva. Agora, o advogado de Juliana marcará data para novo depoimento.
Rosany ainda não tem advogado. Enquanto Juliana se preparava para escapar de seis anos de prisão por matar um pedestre, na calçada, sem direito de dirigir, Rosany cuidou de burocracia e luto. Enterrou o marido no cemitério junto ao sítio do casal, na serra de Nova Friburgo. Ele estava com seu quimono e a faixa. Eram os desejos dele, mas o de Rosany era que o marido chegasse aos 100 anos com saúde. “Era mais do que amor”, disse. Ela não tem filhos e não consegue mais nem pensar se deseja comer. Não acredita em justiça porque a família da atropeladora é poderosa no local, tanto que as testemunhas lhe disseram que adorariam depor, mas têm medo.
Tentei falar com Juliana. Atendeu sua mãe. “Ela não está.” Eu me identifiquei como jornalista. “Ela não vai falar.” Por quê? “Porque não. Vocês distorcem tudo.” Disse a ela que o telefonema estava sendo gravado. “Ótimo”, respondeu com arrogância, “adorei.”
Segundo o Denatran, que só registra mortos no local, atropelamentos matam 6.303 no Brasil por ano. Nos cálculos do Ministério da Saúde, o total sobe para 8.522, o que significa um atropelado morto por hora no país. Cada vez mais a morte sobe às calçadas em carros potentes e desgovernados, dirigidos por irresponsáveis. Em São Paulo, numa noite de sábado no mês passado, um motorista alcoolizado invadiu a calçada em frente ao Shopping Villa-Lobos e matou mãe e filha. Difícil chamar isso de “acidente”.
Juliana não tem medo. Nada vai acontecer com ela. Nem mesmo perder o que já não tinha, a carteira de habilitação.

Ruth Aquino /  Revista Época  

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Te contei, não ???!!!! - Laico e religioso





Cada feriado religioso, como o de Nossa Senhora Aparecida, ocorrido na semana passada, põe em xeque o caráter laico do Estado brasileiro. Fica claro que não é tão laico assim. Urge matizar o suposto laicismo. Seguem-se quatro alternativas:

1) O Estado brasileiro é uma entidade laica que tem o catolicismo como religião oficial.

2) O Estado brasileiro é uma entidade laica que tem o catolicismo (por enquanto) como religião oficial.

3) O estado brasileiro é uma entidade laica imbuída da missão de prestigiar, sustentar e enriquecer as religiões.

4) O Estado brasileiro é uma entidade laica constituída sob a proteção de Deus.

Se o/a leitor/a escolheu uma delas, errou. Todas estão certas, como se passará a demonstrar.

Alternativa 1

A Constituição assegura a liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI), donde decorre que o Estado se manterá neutro diante das várias religiões. É a boa doutrina, parte inseparável do triunfo das liberdades e dos direitos humanos sobre o caráter teocrático das antigas monarquias ou de certos estados contemporâneos.

No entanto, só a religião católica mantém sobre o calendário do país controle suficiente para impor feriados nacionais. Judeus, muçulmanos, budistas, umbandistas e outras minorias carecem de tal poder.

Os evangélicos, a quem já não é lá tão própria a qualificação de “minoria”, ou bem têm de escolher um fim de semana ou bem pegar carona num feriado católico (como o de Corpus Christi) para realizar suas maciças “marchas para Jesus”.

Outro sintoma da predominância católica é a presença de símbolos dessa religião em recintos públicos, a começar pelos mais importantes deles, os plenários da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, todos eles decorados com crucifixos na mais vistosa das respectivas paredes.


Plenário do STF: o crucifixo católico na mais vistosa parede (Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF)

Alternativa 2

O poder do catolicismo já foi muito maior, no entanto. Havia mais feriados em reverência a seus dias santos. E, até as décadas de 50 ou 60, seus representantes eram figuras inevitáveis nas cerimônias públicas.

“Estiveram presentes autoridades civis, militares e eclesiásticas”, informava a imprensa, ao noticiar um desfile de 7 de setembro, uma recepção a visitante estrangeiro, uma posse de presidente, governador ou prefeito.

Uma inauguração não estaria completa sem a bênção do recinto por parte do padre ou do bispo.

Ao recuo católico, nas décadas que se seguiram, corresponde o avanço dos evangélicos. Hoje eles são namorados por políticos, contam com nutridas bancadas no Congresso e nas assembleias e, talvez mais importante do que tudo, dominam como nenhuma outra instituição a arte de ocupar espaços na TV.

Pode não estar longe o dia em que desbancarão os católicos, ou se equipararão a eles, como sócios preferenciais do Estado “laico”.

Alternativa 3

O artigo 19 da Constituição veda à União, Estados e municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

O artigo é em geral considerado como indicação maior do desejável distanciamento entre o Estado e as religiões.

O Estado garante-lhes o funcionamento, mas não se envolve com elas.

Eis no entanto que o Estado faculta o ensino religioso nas escolas públicas (art. 210), reconhece efeitos civis no casamento religioso (art. 226) e, na contramão da proibição de subvenções, estabelece que recursos públicos podem ser direcionados para escolas confessionais (art. 213) e, sobretudo, concede isenção de impostos a “templos de qualquer culto”.

Alternativa 4

Afirma o preâmbulo da Constituição que os “representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte”, etc., etc., a promulgam “sob a proteção de Deus”.

Ponto a favor da neutralidade é que não se especifica se o Deus em questão é o dos cristãos, o dos judeus ou o dos muçulmanos.

Primeiro ponto contra é que, se é um só o “Deus” mencionado, ficam de fora as religiões politeístas – das africanas, afro-brasileiras e indígenas ao budismo, ao taoismo e ao hinduísmo.

Segundo ponto contra é a discriminação dos ateus e agnósticos.

Mas o principal não é isso. O principal é a evidência, logo de saída, no texto constitucional, da laicidade impregnada de religião – tão ambígua, tão cordial, tão malemolente, tão brasileira.

Texto publicado na edição de VEJA de 19 de outubro de 2011