Assisti
ao monstro de olhos azuis chamado Tônia Carrero, perguntada em entrevista sobre
se era feliz, responder calmamente: “sou feliz e infeliz várias vezes ao dia”.
Bingo. A felicidade vai e vem o tempo todo. Ou, convenhamos, seria um tédio de
matar. É então nesse espírito, de estar feliz, significando que se estará
infeliz daqui a pouco e feliz de novo e infeliz, e assim por diante vida afora,
que desejo aos compadres felicidades no ano que vem.
Feliz mergulho no pôr
do sol no Arpoador dia 31, feliz longa lista de metas para o ano para ser
descumprida inteira. Feliz virada de ano uma hora antes da meia-noite, pobres
ouvidos dos bichos, feliz fogos de artifícios. Feliz volta de Copacabana de
metrô, feliz carteira batida, feliz ressaca no pr
imeiro dia do ano. Feliz garis
Feliz garis achando moedas, celulares, joias, amuletos e calcinhas na areia. Feliz
alagamentos causados por bueiros entupidos pelo lixo que devia ser jogado no
lixo, não no chão. Feliz leitura de “Fim”, o romance de estreia da Fernanda
Torres. Feliz deslizamentos nas encostas durante o verão e o estaremos
providenciando. Feliz quaresmeiras floridas, feliz andorinhas voando em direção
ao Norte. Feliz esquenta de carnaval, feliz grito de carnaval, feliz carnaval,
feliz saltos quebrados no carnaval, feliz ar-condicionado para não ouvir o
carnaval lá fora. Feliz crise no relacionamento por conta do carnaval, feliz
desfile das campeãs. Feliz, então, acho que agora sim, ano novo.
Feliz
volta às aulas, feliz primeira ida para a primeira aula. Feliz de quem tem aulas
para ir. Feliz palmas para os guerreiros professores. Feliz fotos de servidores
públicos com maços de dinheiro sob roupas de baixo. Feliz despedida de uma
misógina enrustida do comando da comissão dos direitos humanos. Feliz
psicodélicas previsões de crescimento da economia, feliz contas públicas mais
mal maquiadas do que aquelas velhinhas inglesas que não enxergam mais nada e
aplicam a sombra verde acima das sobrancelhas e o batom vermelho no
buço.
Feliz
outono no Rio. Feliz cheiro de jasmim à noite. Feliz páscoa, feliz dieta
pós-páscoa, feliz construção do Pavilhão da Esdi, feliz deslumbrante luz de
maio, feliz tucanos nas palmeiras, que comem os filhotes dos outros pássaros,
mas apanham do bem-te-vi. Feliz macacos-prego levando seu bolo de fubá árvore
acima. Feliz tigre na cabeça no botequim da esquina. Feliz branquinha no balcão.
Feliz inaugurações de piscinões binários. Feliz inaugurações de construções em
ruínas. Feliz noites dormidas na rua sob marquise estreita com chuva forte tendo
papelão e jornal como cobertor. Feliz mês das noivas, feliz provas de vestido,
feliz provas de amor, feliz provas de fidelid… Feliz dia das mães. Feliz luz nos
morros de manhã bem cedinho, feliz pedras no meio do caminho. Feliz imbecis
pichando a estátua do poeta. Feliz explosão de bueiros. Feliz muros grafitados.
Feliz esperança de que a Rita Lee venha morar no Rio. Feliz anúncio de banco
vendendo mais endividamentos a “você, a pessoa mais importante do mundo para
nós”. Feliz carga tributária. Feliz estádios com obras atrasadas precisando de
mais e mais dinheiro.
Feliz
chopinho na esquina, feliz nada pra fazer. Feliz festa na laje, feliz baile
funk. Feliz chão, chão, chão, chão. Feliz sorriso do Nelson Sargento. Feliz
feijoada da tia Surica. Feliz coalizações lisérgicas para disputar a presidência
da pobre República. Feliz alianças que dão vergonha na gente. Feliz promessas
humanamente incumpríveis, feliz direito de votar. Feliz voto. Feliz melhor
projeto para o Brasil. Feliz água de coco no calçadão. Feliz multa por jogar
lixo no chão. Feliz compre seu carro novo, compre seu carro novo compre seu
carro novo. Feliz paciência no trânsito. Feliz trens e ônibus atrasados,
abarrotados, feliz vagões femininos. Feliz cadeias piores que o inferno. Feliz
salve a seleção. Feliz compre sua TV, compre sua TV, compre sua TV, compre sua
TV, compre sua TV. Feliz Copa “do Mundo da Fifa”. Feliz seja lá o que tiver de
ser. Feliz Lei Maria da Penha. Feliz Flip. Feliz crianças atingidas por balas
perdidas e sumiços de trabalhadores sem qualquer explicação. Feliz pelada, feliz
pedalada, feliz futevôlei na praia. Feliz biscoito Globo, feliz mate gelado.
Feliz possibilidade de ver o Ferreira Gullar zanzando por
Copacabana.
Feliz
sequência de ondas verdes parecendo esmeralda líquida. Feliz ondas, feliz vacas,
feliz caldos. Feliz fale mais, fale mais, fale mais, fale mais, fale mais. Feliz
“este número de telefone não existe”. Feliz parada gay. Feliz feriado de Zumbi
dos Palmares. Feliz turistas na favela, feliz meninos jogando bola. Feliz
bicicletas roubadas. Feliz juiz filho da puta. Feliz dicas de livros da Cora.
Feliz topless em paz. Compadres queridos, um feliz ano todo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário