Histórias de Titãs, Deuses e Semideuses
Com a volta aos cinemas do clássico filme da década de 1980, "Fúria de Titãs", retorna o interesse pela riqueza das histórias da antiga civilização helênica, o que prova que o interesse por aquele povo continua mais vivo do que nunca. Por Sérgio Pereira Couto
A história dos gregos sempre rendeu bons trabalhos na área acadêmica e tem um lugar garantido nos corações do público frequentador de cinema. Que o diga produções do feitio de "300", que retratou o confronto entre espartanos e persas, ou Troia, que tencionava mostrar a famosa guerra com os estrangeiros que roubaram a rainha de Micenas.
Desta vez é a mitologia que tira proveito dos avanços tecnológicos e traz de volta um dos filmes de maior sucesso na década de 1980 (confira no box). "Fúria de Titãs', apesar do nome, não se concentra na geração pré-olimpiana, mas sim justamente nos deuses mais populares, comandados pelo todo-poderoso Zeus. Para poder aproveitar melhor o filme, é necessário que façamos uma distinção clara entre essas duas gerações de seres poderosos. Comecemos, primeiro, por definir o ambiente em que surgiram essas lendas, que já foram parte de uma poderosa religião (que foi adotada por Roma mais tarde). A mitologia grega, esta denominação para o conjunto de lendas e mitos que falavam não apenas dos deuses, mas também de heróis (termo dado àqueles que realizavam feitos quase inacreditáveis e que, em geral, eram filhos de deuses com mortais), reuniu grandes histórias sobre a real natureza do mundo, as origens e significados de seus próprios cultos e práticas religiosas. E seu real significado para aqueles que estudam a civilização helênica é, por meio do comportamento dos personagens, entender detalhes sobre as instituições políticas e religiosas daquela civilização, bem como retratar com acuidade sua civilização e compreender a natureza do surgimento desses mitos.
Muito do que conhecemos hoje sobre essas histórias chegou até nós por meio das obras de arte que foram encontradas em vários sítios arqueológicos. Os objetos, que vão de vasos a objetos religiosos diversos, detalham as vidas e aventuras de deuses, deusas, heróis, heroínas e muitas outras criaturas.
Esses relatos eram, disseminados originalmente por tradição oral, sendo passados para a parte escrita muitos anos depois de sua época original. Hoje em dia, os mitos gregos são conhecidos primariamente como literatura grega.
Homero
Vale lembrar que as fontes literárias mais antigas conhecidas são os poemas épicos de Homero, a "Ilíada" (que conta a Guerra de Troia) e a "Odisséia" (relato das aventuras de Ulisses na volta de Troia para sua ilha natal, Ítaca). Há também dois poemas, de autoria de Hesíodo, "Teogonia" e "Os Trabalhos e os Dias", que trazem relatos da formação do mundo, a sucessão de governantes divinos, das eras humanas, das origens dos males humanos e das práticas de sacrifícios. Além desses, há ainda mitos que se preservaram nos chamados "Hinos Homéricos", trinta e três celebrações de várias divindades. Esses textos, de estrutura hexâmetra (igual à usada na "Ilíada"), são tradicionalmente atribuídos a Homero apesar dos especialistas divulgarem que, pela sua heterogeneidade, é bem mais provável que sejam de diversos autores antigos, de diferentes épocas e até de regiões distintas entre si. Há também pistas sobre os mitos originárias de poemas do chamado "Ciclo Épico", uma coleção de poemas que, em algumas versões, inclui, além dos trabalhos de Homero, outros como "Kypria" (que se passa antes da "Ilíada"), "Aithiopis" (depois da "Ilíada"), "Iliou persis" (o relato completo do saque de Troia, com autoria atribuída ao hoje lendário poeta Arctius de Mileto, que teria sido apresentado pela primeira vez entre 775 e 741 a.C.), Nostoi (localizado entre "Iliou persis" e a "Odisséia", de autoria atribuída por uns a Homero, por outros a Agias de Troizen) e, por fim, o "Telegonia" (que fala sobre Telegonus, filho de Ulisses, e a feiticeira Circe). Outros vestígios sobre as histórias dos mitos podem ser encontrados nas tragédias teatrais datadas do século V a.C., nos escritos de acadêmicos e poetas da Idade Helenística (entre 323 e 146 a.C.), além de textos do tempo do Império Romano (27 a.C. a 476 d.C.) por autores como Plutarco e Pausânias. Descobertas arqueológicas fornecem grande parte do que se conhece dos mitos gregos, com deuses e heróis como os principais motivos de decoração em vários objetos. Desenhos geométricos em cerâmica datada do século VIII a.C. retratam cenas do ciclo troiano e das aventuras do semideus e herói Hércules (Heracles, em grego). Nos períodos arcaico (800-480 a.C.), clássico (séculos 8/6-146 d.C.) e no já citado helenístico aparecem muitas cenas homéricas ligadas a esses objetos que completam as evidências literárias. Vale lembrar que a mitologia grega exerceu uma influência intensiva na cultura, arte e literatura da civilização do ocidente e permanece parte da herança e linguagem ocidentais.
Por Sérgio Pereira Couto
Sobrevivência e Evolução
A mitologia grega mudou com o passar do tempo para acomodar a evolução da cultura de seu povo para o qual era uma espécie de indicador de mudanças. Os primeiros habitantes da Península Balcânica eram pessoas com atividades agrícolas que, usando a ideia do Animismo (que todos os seres, sejam animais, vegetais ou minerais, possuíam alma), assumiram que havia um espírito para cada aspecto da natureza. Eventualmente, esses espíritos vagos assumiram forma humana e entraram para a mitologia local como deuses. Quando tribos do norte da península invadiram, trouxeram consigo um novo panteão de entidades, baseadas em conquistas, força, valentia em batalha e heroísmo violento. Outros deuses mais velhos do mundo agricultural se fundiram com esses novos personagens ou caíram no esquecimento.
Após o meio do período arcaico, os mitos sobre as relações entre os deuses e os heróis tornaram-se cada vez mais frequentes, indicando o desenvolvimento paralelo da prática da chamada pederastia pedagógica, prática supostamente introduzida por volta do ano 630 a.C.
No fim do século V a.C., poetas já falavam sobre um rapaz adolescente em suas histórias que era o companheiro sexual de outros deuses, caracterizados como homens mais velhos, exceto o deus da guerra, Ares. Mitos que existiam antes, como o de Aquiles e seu companheiro Pátroclo, também foram refeitos à luz da pederastia. Os poetas da Era Alexandrina e mitógrafos do começo do Império Romano adaptavam frequentemente as histórias para que mantivessem essa característica.
O objetivo da poesia épica era criar ciclos de histórias e, como resultado, desenvolver um novo sentido de cronologia mitológica. Assim, a maioria dos pesquisadores define o conjunto de mitos como uma fase no desenvolvimento do mundo e dos humanos. Embora haja muitas contradições nas histórias, a ponto de tornar impossível arriscar uma linha do tempo, uma cronologia aproximada pode ser traçada. Assim, a versão mitológica para a história do mundo se divide em três períodos básicos, com um ainda em discussão:
1) Os mitos de origem ou Era dos Deuses, com mitos sobre a criação do mundo, dos deuses e da raça humana. 2) A Era em que deuses e mortais se misturam livremente, com histórias sobre as primeiras interações entre deuses, semideuses e mortais. 3) A Era dos heróis ou Era Heroica, em que a atividade divina é mais limitada. 4) Há ainda uma quarta Era (que não é consenso entre os pesquisadores), caracterizada pela Guerra de Troia e o que vem logo após.
Homero e Hesíodo
Enquanto a Era dos Deuses em geral é de maior interesse para os estudantes dos mitos, os autores gregos dos períodos arcaico e clássico tinham uma clara preferência pela Era Heroica, estabelecendo uma cronologia e registros dos supostos feitos humanos como o principal de seus escritos, deixando pontos como a criação do mundo para serem explicados em outras oportunidades. Por exemplo, os épicos impediam os "Hinos Homéricos" e a "Teogonia" de alcançarem o mesmo nível de popularidade. Sob a influência de Homero, o "culto ao herói" leva à reestruturação da vida espiritual, expressa na separação entre o reino dos deuses e o dos mortos, para onde vão os heróis. Hesíodo lança mão do uso de um esquema de Quatro Eras do Homem (ou raças): de Ouro, de Prata, de Bronze e de Ferro. Essas Eras são criações separadas dos deuses, com a de Ouro pertencendo ao reino do Titã Cronos, enquanto as demais são ligadas ao reinado de Zeus. Hesíodo insere a Era Heroica logo após a de Bronze. Afinal, a de Ferro, é o período em que o poeta viveu, que a descreve como a pior de todas, com a presença do mal explicada pelo mito da Caixa de Pandora, quando todas as capacidades humanas, exceto a esperança, saíram de tal objeto aberto por uma mulher. Ovídio, em sua obra "Metamorfoses", segue o mesmo conceito.
Titãs e Olimpianos
Os mitos da criação representam uma tentativa de colocar o universo em termos compreensíveis para os humanos e explorar a sua origem. A versão mais aceita na época, embora seja um relato filosófico do começo de tudo, é colocada por Hesíodo em sua "Teogonia". Ele começa com Caos, um vasto e absoluto nada. Desse espaço, por assim dizer, surgem Eurínome, Gê ou Gaia (a Terra) e outras divindades primárias, como Eros (o Amor), o Abismo (ou o Tártaro) e o Erebo (a Escuridão). Gaia dá à luz Urano ( Céu) que a fertiliza. Dessa união nascem os Titãs, compostos por seis homens (Céos, Crios - também chamado de Créos; Cronos, Hipérion, Jápeto - também chamado de Iápeto e Oceano) e seis mulheres (Mnemósine, Febe, Reia, Teia, Têmis e Tétis).
Depois do nascimento de Cronos, Gaia e Urano decretaram que nenhum outro Titã nasceria. Depois vieram os Ciclopes, os de um olho só, e os Hecatônquiros, os de cem mãos. O Titã castrou o pai e se tornou o governante dos deuses com sua irmã-esposa Reia, colocando os demais Titãs como sua corte.
O conflito de pai versus filho foi repetido quando Cronos enfrentou seu filho, Zeus. Ele tinha sido traído por Urano e temia que o mesmo acontecesse consigo. Assim, a cada vez que Reia dava à luz, ele agarrava a criança e a engolia. Reia odiava isso e enganou o marido ao esconder Zeus. Em lugar do filho, ela apresentou uma pedra embrulhada numa manta, que foi engolida por Cronos. Assim, quando Zeus cresceu, deu para seu pai uma bebida com uma substância que o fez vomitar, fazendo com que seus irmãos e até a pedra fossem colocados para fora do Titã. Em seguida, Zeus desafiou o pai para uma batalha pelo direito de reinar sobre os deuses. Ao final, com a ajuda dos Ciclopes (libertados do Tártaro por Zeus), Cronos, que havia perdido, e os demais Titãs foram aprisionados no lugar dos Ciclopes. Começava a Era dos Olimpianos. Porém, a mesma preocupação que atormentou Cronos também se fez presente com Zeus. Depois de uma profecia que dizia que um filho seu com sua primeira esposa, Metis, seria "um deus maior que ele", o novo soberano divino simplesmente a engoliu. Ela já estava grávida da deusa Atena, que o atormentaram até o ponto em que provocaram uma enorme dor de cabeça. Numa versão, seu filho com Hera (que também era sua irmã), o coxo Hefestos (deus da metalurgia) deu um golpe na cabeça do pai com um machado e da fenda saltou Atena, totalmente adulta e completamente armada. Em uma outra, a deusa simplesmente aparece de dentro de sua cabeça. Esse "renascimento" de Zeus foi usado como desculpa por ele não ser suplantado por um filho da geração seguinte de deuses. Para alguns pesquisadores, principalmente da corrente europeia, esse mito mostrou uma absorção do culto à Atena, que já havia na cidade de Atenas, e que se tornou parte do panteão olímpico ainda em desenvolvimento. Assim, o ato teria ocorrido sem conflitos, já que o culto antigo não podia ser suplantado pelo novo.
De acordo com a mitologia da Era Clássica, depois de destronar os Titãs, o novo panteão de deuses e deusas foi confirmado. Entre os principais estavam os olimpianos, residentes do topo do Monte Olimpo, todos submissos a Zeus. Além desses, os gregos adoravam vários deuses do campo, o deus-bode Pã, Ninfas (espíritos dos rios), Náiades (que vivem nas fontes), Dríades (espíritos das árvores), divindades dos rios, sátiros e muitos outros. Havia também o "lado negro" do submundo, como as Erínias ou Fúrias, que perseguiam os acusados de crimes contra alguém da mesma família.
Na grande variedade de mitos e lendas que compõem a mitologia grega, os deuses que eram originais dos povos gregos são descritos como tendo corpos idealizados. O pesquisador alemão Walter Burket, da Universidade de Zurique, na Suíça, diz que a característica que mais define o antropomorfismo grego é que seus deuses "são pessoas, não abstrações, ideias ou conceitos".
Apesar de suas formas, os deuses possuem várias habilidades fantásticas e não são atingidos por doenças, além de poderem sofrer ferimentos em determinadas circunstâncias. Sua imortalidade e juventude eterna são garantidas com o consumo constante de ambrosia e néctar, que renova a divindade de seu sangue.
Muitos deuses são associados com vários aspectos da vida. Afrodite era deusa do amor e da beleza, Ares cuidava da guerra, Hades, dos mortos e Atena, da coragem e da sabedoria. Alguns, como Apolo e Dionísio, apresentam personalidades complexas e uma mistura de funções, enquanto outros, como Hestia e Hélios são pouco mais que personificações. Os templos mais impressionantes eram dedicados a um número limitado de deuses que eram o foco de cultos pré-helênicos. Entretanto, era comum para regiões individuais e vilarejos devotar seus próprios cultos a deuses menores. Muitas cidades também honravam os deuses mais conhecidos com ritos locais incomuns e associavam a eles mitos que não eram ouvidos em nenhuma outra parte daquela nação.
A Era Heroica e Perseu
A época dos heróis começa no período arcaico, quando os povos gregos começam a imaginar histórias nas quais os protagonistas se diferenciavam dos mortais comuns pelo fato de serem semideuses e, por isso, tornam-se capazes de realizar façanhas impossíveis. Depois que essas histórias começaram a circular, a esfera sagrada adicionou os heróis a ponto de serem invocados junto com os deuses em juramentos e orações. Ao contrário da Era dos Deuses, não há uma lista fixa de heróis, cujo número varia tanto quanto as versões de suas histórias. Não aparecem novos deuses de grande porte, mas um novo herói poderia surgir do exército dos mortos. Eles então se tornam o centro da identidade do grupo local. O começo da Era Heroica aconteceu quando as histórias sobre Heracles começam a circular. Outros se seguiram a ele, entre eles Jasão e os Argonautas, Aquiles e a Guerra de Troia, Belerofonte e a Quimera, Teseu e o Minotauro e, claro, o mito que é o centro do filme "Fúria de Titãs": Perseu e a Medusa. Perseu era filho de Zeus e Dânae, a filha mortal do rei de Argos, Acrísio. O soberano dos deuses a engravidara sob a forma de uma chuva de ouro. Uma profecia informa Acrísio que seria assassinado pelo neto, e ele então decide banir os dois, aprisionando-os numa espécie de baú e atirando-o ao mar. Zeus faz com que o baú chegue a salvo até a Ilha de Serifo, onde é encontrado por Díctis, um pescador, irmão do rei de Serifo, Polidectes. Dânae e Perseu vivem com o pescador e sua esposa por vários anos.
Um dia, o rei passa pela casa do irmão e vê Dânae, apaixona-se por ela é quer se casar. Perseu cresce e se torna "um homem forte, ambicioso, corajoso, aventureiro e protetor da mãe". Polidectes teme que a ambição do jovem o deponha de seu trono e propõe um torneio onde desafia a obter a cabeça de Medusa, uma das três górgonas, filhas de Fórcis e Ceto, ambos divindades marinhas. Uma versão diz que ela ousou se comparar com Atena, que a tornou um monstro como punição. Medusa tinha cobras em lugar de cabelos e um aspecto tão pavoroso que ninguém podia fitá-la sem se transformar em pedra.
Perseu aceitou o desafio. E o venceu com a ajuda de Atena, Hades e Hermes. A primeira deu-lhe um escudo bem polido que serviria de espelho para guia-lo em direção à górgona sem torná-lo pedra. O segundo lhe deu um capacete que o tornava invisível, e o terceiro emprestou suas sandálias aladas.
Guiado pelo reflexo no escudo, Perseu cortou a cabeça do monstro e a ofereceu à Atena, que a colocou junto a seu próprio escudo. Quando Medusa foi morta, de seu ventre teriam surgido o cavalo alado Pégaso (que seria usado por Belero-fonte para matar a Quimera) e o gigante Crisaor.
Quando voltava para casa, o herói matou um monstro marinho que ameaçava a bela Andrômeda, com quem se casou. Mais tarde, numa prova esportiva de arremesso de disco, matou acidentalmente seu avô sem saber da verdadeira identidade dele. A profecia, então, se cumprira.
Perseu se recusou a governar Argos, cujo trono era seu por direito. Tornou-se, em vez disso, governante de Tirinto e Micenas, esta última fundada por ele. Estabeleceu uma família que gerações mais tarde daria à luz ninguém menos que Heracles, considerado o maior de todos os heróis gregos.
Por causa da obscuridade do nome Perseu, muitos etmologistas afirmam que suas origens são pré-gregas. Alguns acreditam que seria um nome derivado de uma língua proto-indo-europeia. Para Robert Graves, escritor britânico e autor do clássico "Eu, Cláudio", Perseu pode ser uma derivação de um verbo grego antigo, perthein, que significa saquear, destruir. O filologista norte-americano Carl Darling Buck defende a tese de que o sufixo "eus" é usado para formar um substantivo. Assim, ele traduz o nome do herói como "Pers-eus", o saqueador de cidades, um nome digno do primeiro guerreiro micênico.
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sábado, 4 de janeiro de 2014
TE Contei, não ? Histórias de Titás, Deuses e Semideuses
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