A PRINCESA DAS PIMENTINHAS
Novo fenômeno da literatura para adolescentes, a açucarada Paula Pimenta mobiliza leitoras que agem como tietes em um show de música pop
No início dos anos 1990, a mineira Paula Pimenta era uma adolescente com uma coleção bem convencional de amores. Adorava Menudos e RPM. Idolatrava Xuxa: chegou a reservar um quarto no mesmo hotel em que a apresentadora certa vez se hospedou em Belo Horizonte (não deu certo; Xuxa reservara um andar inteiro para melhor se isolar). Aos 16 anos, prestes a embarcar para um intercâmbio de seis meses nos Estados Unidos, Paula, segundo ela mesma conta, descobriu que estava apaixonada pelo seu melhor amigo – e só percebeu que a paixão era correspondida quando os dois já estavam afastados por milhares de quilômetros. Mais de dez anos depois, formada em publicidade mas insatisfeita com a carreira, ela foi para Londres fazer um curso de escrita criativa. Nas horas vagas (“sem manicure, psicóloga, amigas, pai e mãe para distrair”), recuperou sua história de amor impossível: criou Fani, personagem que, prestes a viajar para um intercâmbio, se apaixona pelo amigo. Era o primeiro livro da série Fazendo Meu Filme, inaugurada em 2008. Há cerca de um mês, ao entrar em uma livraria de São Paulo, Paula diz que se sentiu, por um momento, como Xuxa no show a que assistira duas décadas atrás em sua cidade natal. Cercada de três seguranças, ela foi a sensação no lançamento de seu sétimo livro, Minha Vida Fora de Série – 1a Temporada (Gutenberg; 424 páginas: 37,90 reais), ansiosamente aguardado pelo exército de “pimentinhas”, como são chamadas suas fãs. Os seis livros da autora já venderam 300000 exemplares. Aos 38 anos, Paula Pimenta conserva um ar de princesinha adolescente. Mora com a mãe e um irmão em Belo Horizonte. No seu quarto, a cama é dividida com cachorrinhos, um jacaré, um gato (este, em carne e osso e unhas; os demais, de pelúcia). Ela coleciona em DVD, centenas de “filmes de amorzinho” – categoria em que inclui musicais como A Noviça Rebelde, comédias juvenis como De Repente 30 e clássicos da Disney como Cinderela; A Bela Adormecida, Branca de Neve e os Sele Anões e A Bela e a Fera. “Esses fiImes fazem a geme sonhar”, diz Paula, que também mantêm um blog semanal no site de VEJA. “Não cresci. Nunca saí dos 16anos”, admite a escritora. Essa intimidade com o universo romântico das garotas fez de Paula Pimenta o novo fenômeno brasileiro no que é um dos mais ricos segmentos do mercado editorial: a literatura juvenil. É o terreno de best-sellers como a brasileira Thalita Rebouças e a americana Meg Cabot (autora, aliás, da série O Diário da Princesa, que deu origem a um filme “amorzinho” com Anne Hathaway). E Meg Cabot e Paula, entre outras, estão reunidas na coletânea O Livro das Princesas, na qual os contos de princesas como Cinderela e Rapunzel são recontados com um verniz contemporâneo. Lançado pela Record há dois meses, o livro esgotou sua riragem inicial de 20000 exemplares. Nenhum outro nicho vem crescendo tanto no Brasil quanto o juvenil – ou, pejo menos, o infanto-juvenil, já que nem sempre é possível encontrar dados que discriminem a literatura feita para criança e para adolescentes. Em oito anos, na rede de livrarias Saraiva, as vendas para o público infanto-juvenil aumentaram mais de 500%: em 2012 foi vendido 1,8 milhão de exemplares, contra 277 000 em 2005. Mesmo se considerada a ampliação da rede, é um crescimento impressionante. A mais recente pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros distingue o segmento juvenil do infantil. No juvenil, o crescimento foi sólido: 15,3 milhões de exemplares vendidos em 2012, contra 13.4 milhões no ano anterior – um aumento de 14% em um período no qual o mercado global caiu 7%. Desde o fenômeno Harry Potter, de J.K. Rowling, o segmento infanto-juvenil ganhou – confirmada, aliás, com Crepúsculo, de Stephenie Meyer, série que mesmo povoada por vampiros e outros monstros, reabilitou o romantismo água com açúcar. A saga Crepúsculo, no entanto, também foi devorada por um bom número de marmanjos (ainda que nem todos o confessem). Já a literatura de Paula tem um apelo mais específico: seu público virtualmente exclusivo está na faixa dos 12 aos 15 anos e é do sexo feminino. São essas garotas que lotam as sessões de autógrafo da aurora e a recebem com aqueles gritinhos e manifestaçoe de tíetagern típicos de shows de ídolos pop. Essas leitoras gostam de histórias que retratam suas emoções exageradas – amam e sofrem por um menino corno se fosse questão de vida e morte. Paula considera que as redes sociais e os celulares imprimiram uma nova velocidade a essas paixões tuímínantes. “A paquera no meu tempo era ir ao bar para olhar os meninos. Hoje, a paquera se dá pelo WhatsApp”, diz (o WhatsApp, para quem não conhece, é um aplicativo de mensagens instantâneas em smartphones). E é assim que, nos livros’ da autora, os personagens estão sempre trocando mensagens e e-mails, A resposta das jovens leitoras, como se vê nos autógrafos, é também carregada de intensidade emocional. Algumas enfrentam filas de sete horas para encontrar Paula Pimenta. Levam cartazes, tiram fotos da autora com o celular e alimentam as redes sociais com defesas hiperbólicas de seus livros favoritos. “É uma geração que tem ídolos literários. Elas vestem a camisa de maneira muito apaixonada. E gostam do One Direction tanto quanto da Paula Pimenta”, diz Ana Lima, editora executiva do Galera, selo jovem do Grupo Record. Os meninos, em eventos similares, encaram seus autores preferidos de maneira distinta: como um brother, um grande amigo. “Eles, ficam embasbacados e babões”, diz Fabrício Valério, editor de infanto-juvenil da Vergara & Riba e descobridor no país do fenômeno Diário de um Banana (veja
o quadro ao lado). Os meninos. claro, dispensam o “amorzinho” e preferem a fantasia, às vezes a pancadaria. Com uma série protagonizada por anjos, demônios e alienígenas, o carioca Eduardo Spohr movimentou 600000 exemplares – seu leitor típico e tá entre a adolescência e o início da idade adulta. Os livros baseados no videogame Assassin’s Creed venderam 700000 cópias no Brasil. E o americano Rick Riordan já vendeu no país 2,9 milhões de exemplares das aventuras mitológicas estreladas pelo garoto Percy Jackson. São fenômenos que contrariam o lugar-comum, segundo o qual meninos e meninas ligados no celular, no tablet e no Facebook não mais lerão. Paula Pimenta e seus pares realizaram um feito e ramo: são lidos pela geração do tudo-ao-mesmo-tempo-agora.
o quadro ao lado). Os meninos. claro, dispensam o “amorzinho” e preferem a fantasia, às vezes a pancadaria. Com uma série protagonizada por anjos, demônios e alienígenas, o carioca Eduardo Spohr movimentou 600000 exemplares – seu leitor típico e tá entre a adolescência e o início da idade adulta. Os livros baseados no videogame Assassin’s Creed venderam 700000 cópias no Brasil. E o americano Rick Riordan já vendeu no país 2,9 milhões de exemplares das aventuras mitológicas estreladas pelo garoto Percy Jackson. São fenômenos que contrariam o lugar-comum, segundo o qual meninos e meninas ligados no celular, no tablet e no Facebook não mais lerão. Paula Pimenta e seus pares realizaram um feito e ramo: são lidos pela geração do tudo-ao-mesmo-tempo-agora.
O livro mais íntimo dos meninosSe as meninas sustentam séries de romances como Crepúsculo, de Stephenie Meyer, os meninos têm, no mercado editorial, certa fama de preguiçosos (sim, eles leram os sete volumes de Harry Potter de J.K. Rowling, mas essas obras foram adotadas também pelas garotas). Diário de um Banana contradiz, em parte, essa percepção. A série criada pelo americano Jeff Kinney já conta com sete livros;’ e o autor pretende que ela chegue a dez – o lançamento do oitavo título está anunciado para o ano que vem. São obras muito simpáticas, mas, é justo dizer, ainda um tanto displicentes: texto breve ao redor de bem-humorados desenhos em traço rudimentar, infantil (é por esse caráter híbrido de livro ilustrado, quase em quadrinhos, que a série, apesar de seu sólido desempenho no mercado, não entra nas categorias da lista de mais vendidos de VEJA).Com esses elementos Diário de um Banana tornou-se best-seuer mundial traduzido em 41 línguas – no Brasil, a série vendeu 2,2 milhões de exemplares. Já foram feitos três filmes baseados na obra de Kinney. Todos, aliás, muito bem adaptados. A série Diário tem apelo sobretudo para meninos na faixa dos 7 aos 12 ano. “Os garotos sentem que os livros falam deles com propriedade, de forma leve e com humor”, diz Fabrício Valério, editor de infanto-juvenil da Vergara & Riba, que publica Diário no Brasil. Muito diferente do mago Harry Potter ou do semideus Percy Jackson (ah, sim: a série do autor Rick Riordan desmente a preguiça do menino leitor), o protagonista é um prosaico garoto chamado Greg Heffley, às voltas com as pequenas desventuras típicas da idade escolar: as garotas que o ignoram, o sentimento de inadequação, a branda inveja do amigo mais popular e descolado, os conflitos com o irmão mais velho que é uma peste abominável. Ao lado dos sete livros que narram os percalços desse banana (no original, wimpy kid: fracote, moleirão), há também um volume em que o leitor é convidado a responder a perguntas e escrever impressões pessoais. Por sua matéria íntima, a leitura do Faça Você Mesmo costuma ser vetada aos pais. Episódio verídico ocorrido com uma mãe paulistana: bisbilhotando no Faça Você Mesmo do filho de 8 anos, ela descobriu quem era a menina por quem ele tinha uma paixonite. O nome dela aparecia na resposta que o garoto deu à pergunta “qual foi a coisa mais constrangedora que você já viu acontecer a outra pessoa?”: “Ver a Duda chorando”. Homens (ou homenzinhos) às vezes precisam desabafar o inconfessável, ora.
Revista Veja
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