Em setembro de 2005 fui a Mossoró receber a Medalha da Abolição, concedida pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Na mesma solenidade, Ariano Suassuna mereceu o título de doutor honoris causa.
No voo entre Natal e Mossoró, falamos do que Ariano mais temia: viagem de avião. Conversa de corda em casa de enforcado. Contei-lhe que, um dia, perguntei ao meu mecânico se já havia viajado de avião. Seu Jorge parou de mexer no carburador e me olhou de banda:
— Então, seu Betto, eu vou lá entrar num veículo que anda lá em cima e a oficina fica aqui embaixo?
Ariano disse que amigos tentavam consolá-lo, afirmando que, segundo as estatísticas, há mais acidentes de carros que aéreos.
— Disraelli dizia — lembrou o autor de “Auto da Compadecida” — que há três tipos de mentira: a comum, a deslavada e a estatística. Se esta diz alguma coisa, que me mostrem quantos escaparam de acidente de carro e quantos de desastre de avião. Um amigo ponderou: “Você viaja de carro e, de repente, cai num buraco de estrada. Lá em cima não tem buraco”. Ao que retruquei: “Lá em cima é pior, o avião avança e o buraco segue embaixo”.
No discurso de agradecimento à universidade, Ariano reproduziu a nossa conversa aérea e discorreu sobre as cantorias do Nordeste.
Ariano nunca cedeu ao computador. Nem à máquina de escrever. Preferia tecer à mão os seus belos textos literários. Por isso, foi convidado a participar de um evento no Recife, onde seriam apresentados os avanços da informática e, de quebra, a presumível morte do livro, decretada pelo advento do maravilhoso e-book.
— Quando o japonês mostrou toda aquela parafernália — contou-me Ariano — eu indaguei: “Então é nisso que vou ler livros? E quando quiser ir ao banheiro, carrego junto essa joça? Levo isso para a cama a fim de ler antes de dormir? E se cai no chão? E se a energia acaba?”. O japonês ficou apertado de costura, insistindo em justificar o avanço da tecnologia. Propus um teste: “Já que você diz que vamos fazer livros nesse troço aí, vamos ver como ele escreve textos. Redija aí o meu nome: Ariano Villar Suassuna”. O japonês digitou o Ariano e o bicho aceitou. Digitou o Villar e o diabo fez aparecer o corretor apontando erro e sugerindo vocábulo aproximado — “Vilão”. Em seguida, digitou Suassuna. Mesma coisa. O vocábulo aproximado era “Assassino”. Eu disse: “Como vou escrever numa coisa que me chama de Ariano Vilão Assassino?”.
Para azar do representante de um grande provedor nacional, quando no evento ele exibiu um verso de Camões, retirado da internet, Ariano recitou o poema inteiro. “Eu tenho memória de cão vingativo”, confessou-me ele.
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