Suicida-se um homem, nasce um mito. Descrita pelo próprio Getúlio Vargas, em sua carta-testamento, como a saída da vida e a entrada na História, a morte trágica do presidente — que deu um tiro no peito, há 60 anos completos neste domingo — consolidou o ideário coletivo sobre o gaúcho de São Borja. Em meio a uma crise de instabilidade política agravada pelo atentado da rua Tonelero, Vargas disparou também contra ataques que vinha sofrendo da oposição. E catapultou um fascínio que atraiu milhares de pessoas para o seu velório e faz de Vargas alvo de interesse seis décadas depois.
- O mito Getúlio Vargas é muito decorrente da forma trágica como encerrou seus dias. É claro que ele já desfrutava de uma imensa popularidade. Mas morreu como um mártir, dando à sociedade a leitura de que, mais do que um suicídio, cometera uma autoimolação, um sacrifício com tons políticos que o consolidou como herói popular - observa o jornalista Lira Neto, autor da biografia “Getúlio”, cujo terceiro e último volume está sendo lançado este ano.
RESISTÊNCIA NO CONGRESSO
Vargas enfrentava um isolamento político desde sua volta ao poder, em 1951, afirma o biógrafo. Havia resistência ao presidente no Congresso e na imprensa, além de uma inquietação nas Forças Armadas. O cenário foi agravado em 5 de agosto de 1954, quando Carlos Lacerda sofreu um atentado que acabou atingindo fatalmente o major Rubens Vaz. Inimigo de Vargas, o jornalista e político apareceu em público carregado, por causa de um ferimento no pé, que até hoje levanta suspeitas, e acusou o então presidente de ser responsável pelo crime. Depois de investigações, Alcino João Nascimento e Climério Euribes de Almeida, membros da guarda pessoal de Vargas, foram apontados como autores do atentado, e Gregório Fortunato, chefe do grupo, como mandante. O inquérito expôs ainda evidências de que pessoas próximas ao presidente, inclusive o seu filho Maneco Vargas, estavam envolvidas em práticas de tráfico de influência. Segundo Lira Neto, “ali, Vargas sentiu o chão ruir sob o seus pés”.
- O suicídio não foi um ato de um homem deprimido, um ato de desespero, mas um ato de coragem. Era um plano que vinha de muito tempo. Desde 1930, Vargas tinha cinco ou seis anotações em que colocava o suicídio como uma perspectiva de responder aos seus adversários. Ele jamais admitiria passar à História como um derrotado, como um grande vexame, o que provavelmente teria ocorrido se não tivesse se matado - avalia o jornalista, acrescentando que o presidente tinha “uma leitura de cenário precisa”. - Ele teria saído preso do Palácio do Catete e, possivelmente, até sido deportado. Tendo isso em mente, resolveu pôr em ação um plano tão longamente alimentado. Ele sabia que o seu suicídio provocaria uma imediata reorganização de forças, que foi o que aconteceu. Sua morte garantiu a continuidade da ordem democrática.
Marcus Macri, historiador do Museu da República, concorda que o episódio dramático mudou bruscamente um cenário político que se consolidava à época.
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- O segundo governo do Vargas enfrentou muita oposição e sua situação política se tornou insustentável. Ele não poderia permanecer no poder e, se fosse derrubado ou renunciasse, seria empreendida uma campanha muito forte contra ele e seus familiares. O suicídio foi algo que mudou a tendência da politica de um anti-varguismo. Fortaleceu todos aqueles que estavam associados à figura de Vargas - afirma o historiador, antecipando que uma exposição sobre a memória popular ligada ao presidente deve ser aberta no mês que vem.
EXPOSIÇÃO, JORNADA E FILMES
O museu no Catete voltará a expôr o pijama que Vargas usava quando se matou neste domingo, 24 de agosto, dia em que também projetará o filme “Getúlio - Últimos dias de um presidente”, de João Jardim. A peça estava em reserva técnica há meses e será exibida com outras peças do acervo do presidente, como o projétil que atingiu seu coração. Na terça-feira, será realizada a XVII Jornada Republicana com o tema “Saio da vida para entrar na memória” e, de quarta a sexta-feira, um cineclube temático
Para o cientista político Armando Boito Jr, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as circunstâncias ligadas à morte de Getúlio Vargas foram definitivas para a forma como o presidente entraria para a História. Ele destaca a importância da carta-testamento, uma espécie de “apresentação” de sua morte, nesse processo.
- A carta é um libelo escrito em um estilo muito contundente. Nela, Vargas nomeia duas figuras muito mal vistas pela grande maioria da população brasileira à época: os chamados barões e o imperialismo dos Estados Unidos. Ele acusa o país de confabular contra a independência do Brasil, e os os grandes proprietários de conspirarem contra a necessidades do povo. Aquilo teve um impacto muito grande. A população recebeu essa mensagem que havia uma conspiração contra o governo Vargas - avalia Boito Jr, lembrando que o suicídio foi seguido da fuga de Carlos Lacerda do Brasil e quebra-quebras em todo o país.
Para o professor, no entanto, na prática, ao tirar a própria vida, Vargas fez uma renúncia:
- O suicídio significou que ele desistiu da luta. Ele poderia organizar uma resistência. Era o presidente eleito e estava juridicamente respaldado para resistir, ainda que com condições políticas desfavoráveis. Porém, a forma como ele desistiu foi tão espetacular e tão contundente que acabou ocultando o fato de que ele não estava resistindo.
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