segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Entrevista - Romário

"Não era hora de o Dunga voltar"

O ex-craque afirma que o novo técnico da Seleção representa uma mentalidade antiga no futebol e, candidato ao Senado pelo PSB, diz ter aceito a coligação com o PT no Rio por ordem do seu partido

por Helena Borges


O ex-jogador Romário, 48 anos, sempre aparece como atacante, mesmo que seu campo de atuação não seja o futebol, mas sim a política, como agora. Deputado federal pelo PSB-RJ e candidato ao Senado em coligação ambígua que une o PT de Lindbergh Farias (que disputa o governo do Estado do Rio de Janeiro) e Eduardo Campos, postulante a presidente da República pelo seu partido, ele passou a evitar críticas à presidenta Dilma Rousseff.

O “baixinho”, como é conhecido, recebeu ISTOÉ entre a piscina e a churrasqueira de uma das suas centrais de campanha, uma casa de condomínio na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Um dos maiores críticos da Copa, Romário não poupou nem Dunga, seu companheiro na conquista do tetracampeonato de futebol há 20 anos, e agora mira os jogos olímpicos. “A Olimpíada está indo para o mesmo ralo. Estão gastando com coisas que não era para gastar.”

ISTOÉ -
 O sr. é o candidato ao Senado com maior intenção de voto no Rio. Esperava esse resultado?


ROMÁRIO -
 Quando ganhei para deputado federal, em 2010, pensei: “Agora minha vida será totalmente diferente. Caí de paraquedas e, tenho certeza, 80% das pessoas não tinham noção exata de onde eu poderia chegar e o que eu poderia fazer. Era tido como mais uma ‘personalidadezinha’ que, como outros, nada faria. Então, chamei as melhores pessoas para trabalhar comigo em um grande grupo, e esse é o ponto mais forte da experiência positiva que tive. Fui uma decepção para quem pensava que eu seria mais um. Hoje, falam: “Poxa, você me surpreendeu...” Na verdade, eu também me surpreendi. Não esperava pegar essa coisa da política em tão pouco tempo.

ISTOÉ -
 É difícil para um deputado de primeiro mandato se sobressair?


ROMÁRIO -
 Muitos deputados novos passam por esse momento de constrangimento. Trabalhamos mais de um mês em cima de um projeto e aí não anda, fica parado em alguma comissão, e você se angustia. É complicado. Sou um cara combativo, falo coisas que machucam e incomodam muita gente. Por isso, muitos projetos meus estão parados em comissões. Tenho certeza de que o mesmo acontece com outros, não sou o único bom político que existe no País ou no Congresso. De qualquer forma, não desanimo. 


ISTOÉ -
 Tem vontade de trabalhar no Executivo?


ROMÁRIO -
 Hoje meu objetivo é o Senado, mas tenho vontade de, um dia, ser prefeito do Rio de Janeiro. 

ISTOÉ -
 Como vê as coligações partidárias?


ROMÁRIO -
 São boas ou ruins, dependendo do caso. Vou dar o meu exemplo. As pessoas não entenderam minha coligação com o PT. Por tudo que venho falando, mais especificamente sobre os gastos dos grandes eventos, questionaram: “O cara fala mal do PT e se aliou ao PT”. É claro que o PT é o mesmo, nacional ou estadual, mas fizemos uma frente popular porque entendemos que é essa a forma de tentar mudar a política do Rio. 


ISTOÉ -
 Por esse objetivo vale até se unir a pessoas de quem discorda?


ROMÁRIO -
 É preciso de legenda para ser político. A partir do momento em que algo é decidido pela direção do partido, você tem que dançar conforme a música, ou não te dão a legenda. Por mais que hoje eu entenda essa aliança como positiva, estou torcendo por uma reforma política para termos independência. Conheço políticos que tiveram quase 100 mil votos e não foram eleitos e outros de três mil votos foram eleitos. 


ISTOÉ -
 Como avalia o andamento do projeto que cria a Lei de Responsabilidade Fiscal no esporte?


ROMÁRIO -
 Para a relatoria do Otávio Leite (deputado federal do PSDB-RJ, autor do projeto), de 1 a 10, eu daria 9. Mas, quando a lei seguiu para a comissão,  foi quebrada. Tiraram artigos que exigiam responsabilidade fiscal da CBF. A possibilidade de, como punição, os clubes abrirem um liga independente também foi retirada. Sei que a CBF é privada, mas é 100% diferente das outras empresas, porque usa o hino, o escudo, a paixão, o patrimônio cultural e esportivo nacional. E o mais importante: a nossa matéria-prima. Por que não pode manter um fundo para o futebol de base, como estava no projeto? Por mais que ela pague seus impostos, me parece natural. Por que não? É uma das empresas privadas que mais ganham com patrocínio público. Mas existe a bancada da CBF, deputados que não estão nem aí para o que é bom para o esporte, que levam direta ou indiretamente da CBF ou de outras instituições, e não deixam esses artigos passarem.


ISTOÉ -
 Qual é a origem da sua raiva pela CBF?


ROMÁRIO -
 Todas as vezes que me virem falando a respeito de alguma situação é porque tenho dados para isso. Se chamo o presidente da CBF, José Maria Marin, de ladrão, é porque ele é ladrão mesmo. Roubou medalha, roubou energia do vizinho, terreno da prefeitura. É ladrão, ué!


ISTOÉ -
 O sr. fez duras críticas à Copa do Mundo no Brasil. O Mundial não teve pontos positivos?


ROMÁRIO -
 Nunca fui contra a Copa. Quando a Fifa deu ao Brasil a posição de país-sede e perguntaram se o País tinha condições de fazer uma boa Copa, fui além e respondi que não só tinha condições como faria a melhor Copa. No período que antecedeu a entrega do evento ao Brasil, o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira e o próprio Lula disseram que o investimento seria 90% privado e no máximo 10% de dinheiro público. Foi totalmente diferente. Não é concebível gastar quase R$ 3 bilhões com dois estádios, o Mané Garrincha, em Brasília, e o Maracanã. O orçamento era de R$ 26 bilhões, o que já é um absurdo, e chegou a quase R$ 32 bi. E ainda tem gente achando que a Copa do Mundo foi positiva.


ISTOÉ -
 Não teve legado?


ROMÁRIO -
 O maior legado de todos foi imaterial. O mundo conheceu o verdadeiro brasileiro: hospitaleiro, carinhoso, receptivo. Esse é o legado que a Copa deixou. Qual outro? Nenhum. Por mais que tenha sido vergonhosa nossa derrota de 7 a 1 para a Alemanha, ela reacendeu no Congresso a obrigatoriedade de mudança. Conversei esses dias com o pessoal do Bom Senso Futebol Clube. Eles estão com ideias que vamos colocar na Lei de Responsabilidade Fiscal por meio de emendas. Quando elas passarem, poderei afirmar que o Brasil vai começar a dar passos para a frente. Por exemplo: tem muito jogador que fica três, quatro meses sem receber e não acontece nada. Não pode. Os clubes têm de entender que agora as administrações que não são profissionais não cabem mais no futebol.


ISTOÉ -
 Apesar do clamor por mudanças, temos Dunga de volta à Seleção. O que achou da escolha?


ROMÁRIO -
 Não era a hora de o Dunga voltar. Até esperava que ele voltasse um dia para a Seleção, mas esse momento é de mudanças radicais, de coisas novas e diferentes. Por mais que eu o respeite e tenha grande carinho, ele representa uma mentalidade que já passou. Não tenho um nome para dizer, mas, com certeza, teria alguém no País com ideias diferentes para levar à mudança de atitude. Mas, por exemplo, um Gilmar Rinaldi, coordenador de seleções, tem uma empresa de direcionamento de jogadores, é agente Fifa... O cara não pode ser da Seleção. Não bate, não combina.



ISTOÉ -
 Há informações de que Dunga já agenciou jogadores também.


ROMÁRIO -
 Isso aí é mais uma prova de que não é correto, não está legal. Não é o momento do futebol para ter isso. Desejo ao Dunga boa sorte, mas vai ser difícil fazer a mudança.


ISTOÉ -
 O tetra acaba de fazer 20 anos. Como essa experiência marcou sua vida?


ROMÁRIO -
 Foi uma reviravolta no nosso futebol. Estávamos há 24 anos com aquela coisa da seleção de 1970, de que o Pelé era, e sempre vai ser, o grande nome do futebol mundial. Em 1982 e em 1986, formaram-se dois grandes times e acabaram perdendo, então existia uma descrença. A gente mostrou que não precisa ser só técnico para ganhar a Copa do Mundo, tem que ter um grupo imbuído com o objetivo de ganhar. Tínhamos algumas deficiências técnicas dentro do time em si. Comparando aos times de 1970, de 1982 ou de 1986, e até mesmo em comparação ao time campeão de 2002, o nosso era tecnicamente inferior aos outros, taticamente também, mas sabíamos que só ganharíamos em conjunto. 


ISTOÉ -
 A CBF elegeu seu próximo presidente antes da Copa. O que achou desse movimento?


ROMÁRIO -
 Eles anteciparam a eleição para que o presidente que assumir no ano que vem não seja o perdedor da Copa do Mundo em casa. Até eles já imaginavam que não iriam ganhar. Mais um problema: uma entidade como a CBF não ter mais de um candidato para concorrer. Os caras manipulam, pagam, usam a corrupção e o poder para fazer com que não tenha concorrente. Se a eleição fosse em outubro, como é o normal, nesse movimento atual por uma renovação do futebol, com certeza apareceriam outros nomes.



ISTOÉ -
 Podemos usar a experiência da Copa na preparação da Olimpíada?


ROMÁRIO -
 Devemos! Mas a Olimpíada já está indo para o mesmo ralo. Já estão gastando com coisas que não tem que gastar. Tanto que o Comitê Olímpico Internacional (COI) colocou um representante deles no Rio para acompanhar. É uma vergonha. Mostra que o Brasil não tem capacidade e profissionais para realizar um grande evento. E até tem, só que esses com capacidade não são os escolhidos, porque não estão no meio da corja, da quadrilha.



ISTOÉ -
 O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) também está na sua mira?


ROMÁRIO -

 Vamos ter que provocar futuramente uma nova briga, no bom sentido, para mudar algumas coisas dentro do COB. Não pode continuar como está. Veja as federações, primeiro a do vôlei e agora a do futsal. É um escândalo em cima do outro. Menos mal que o (Carlos Alberto) Nuzman (presidente do COB) vai sair. Há uns meses saiu uma medida provisória dizendo que as entidades esportivas que recebem direta ou indiretamente dinheiro de algum ente estatal vão ter que fazer eleições de quatro em quatro anos. Então ele só vai ter mais quatro anos antes de aparecer outro. Espero que o próximo não seja da mesma quadrilha, do mesmo bando. Porque na CBF entrou um, saiu outro e ficou tudo na mesma. 

Revista Isto É

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