sexta-feira, 20 de março de 2015

Resenhando - Cuidado com os idos de março !

Um país politicamente tenso. Parlamentares divididos entre o apoio incondicional e a revolta latente contra um governo que muitos consideram populista, corrupto, espúrio e incapaz de manter as conquistas recentes da nação. Um governante que perde popularidade entre os mais pobres, enquanto é sustentado pelos mais ricos que dele dependem. Uma população volúvel, cuja opinião flutua ao sabor do discurso do orador mais sedutor. Uma liderança despótica, desgastada e isolada no quinto ano de governo, contra quem mesmo antigos apoiadores incondicionais já conspiram nos bastidores. Uma personalidade que ouve apenas bajuladores, não tolera má notícia nem contestação, mas ainda resiste, em nome da República, a ceder à última tentação autoritária. Evidente de que país se trata, certo? Evidente. Trata-se de Roma, março de 44 a.C., últimos dias do governo de Júlio César, retratados numa das maiores obras jamais escritas sobre política em todos os tempos: Júlio César, de William Shakespeare.


Shakespeare escreveu a peça entre 1598 e 1599, com base em suas leituras dos historiadores romanos Plutarco e Suetônio. Apesar de ser em boa parte uma fantasia sobre fatos históricos, até hoje é atual pelo que revela da alma humana na sua busca trágica pelo poder. A tragédia começa com aquele ingrediente indispensável à política: conspiração. Inconformados com o risco de César ser sagrado rei, os conspiradores combinam um golpe fatal para a reunião do Senado marcada para dali a alguns dias, quando um grupo de senadores leais a ele pretende oferecer-lhe a coroa do tirano, já recusada três vezes. Cássio se põe a convencer Brutus, considerado por César um filho e tido como um de seus herdeiros, a participar da tramoia – a culpa será deles mesmos, diz Cássio, se não fizerem nada. Brutus está dividido entre a lealdade a César e o temor pelo futuro de Roma. Acaba por aceitar, diz Shakespeare, matar o “espírito” de César, pois “no espírito dos homens não há sangue”. “Brutus não vai matar um homem, não é um assassino”, escreveu o crítico Álvaro Lins. “O que ele pretende é a destruição de um ‘espírito’ que transformava as instituições romanas, aniquilava a república, a democracia.”
E assim se faz. No dia 15 de março, os idos de março no calendário romano, os conspiradores esfaqueiam César no Senado. Ao anunciar a morte ao público, Brutus tenta justificar seu ato. Diz que não deixara de amar César – mas amava Roma ainda mais. Marco Antônio, outro herdeiro de César, permanecera distante da conspiração. Leva o cadáver de César à população. Num pungente discurso em versos, mistura de dor e ironia, chama os assassinos de “homens honrados” – e conclama a revolta contra eles. O conflito ocupa os dois atos finais. Primeiro, entre os próprios conspiradores, Brutus e Cássio, que não se entendem. Depois, reconciliados, eles têm de enfrentar os exércitos de Marco Antônio e Otávio, filho adotivo de César que acabara de retornar de uma campanha militar. A peça de Shakespeare termina com a derrota e a morte de Cássio e Brutus. Mas sabemos que a história não terminou aí. O fantasma da tirania não estava afastado – e Otávio, depois de derrotar Marco Antônio, acabou com a República ao sagrar-se Imperador de Roma.
Diante do cadáver de César, Cássio pronuncia alguns dos versos mais repetidos e proféticos de Shakespeare: Quantas épocas por vir/Será esta nossa elevada cena de novo encenada/em estados ainda não nascidos e sotaques ainda desconhecidos. Pouco – se algo – mudou na política desde então. O sucesso de quem detém o poder leva à desmesura, ao delírio onipotente, à pretensão divina, à tragédia. Quantas vezes, como disse Cássio, já não vimos essa cena? A tragédia, porém, não é só do tirano. César é quase secundário na trama. O verdadeiro personagem trágico é Brutus, dilacerado entre os deveres de filho e cidadão. “É a causa do espírito, da liberdade do espírito contra a força, o que movimenta Brutus”, diz Lins. “Não foi um traidor, nem foi um medíocre. Parece pequeno ante César, porque César dispunha de todos os poderes, enquanto Brutus contava tão só, unicamente com sua consciência de cidadão.”
É provável que, no próximo dia 15, os nossos idos de março, o Brasil seja tomado por manifestações contra e a favor do governo. É provável que haja choques. É improvável que haja uma conspiração para matar alguém – embora muitos, sem nada provado, defendam o impeachment. Politicamente, o país está tenso. Nada melhor, portanto, que reler Shakespeare. Ele pode nos ensinar mais que qualquer cientista político. Basicamente, que não há melhor antídoto contra a tirania do que a consciência dos cidadãos. Nas conhecidas palavras de Cássio a Brutus: “Há momentos em que os homens são donos de seu fado. Não é dos astros, caro Brutus, a culpa, mas de nós mesmos, se nos rebaixamos ao papel de instrumentos”.


Helio Gurovitz é jornalista (hgurovitz@edglobo.com.br)

Um comentário:

  1. O texto faz uma analogia entre o atual momento politico e econômico pelo qual o Brasil atravessa com fatos históricos ocorridos na Roma antiga no período de Júlio César. Trata-se de uma peça do maravilhoso escritor inglês William Shakespeare adaptada de fatos históricos relatados pelos historiadores romanos.
    No momento o Brasil se encontra em um momento politicamente muito difícil com os vários fatos ocorridos de corrupção na Petrobrás e muitas denuncias do envolvimento de políticos do atual governo. Hoje em dia o Brasil esta passando por varias crises, como a crise hídrica, que causa a grande diminuição de agua nos reservatórios e consequentemente forcando o uso das termoelétricas que produzem uma energia muito mais cara e bem mais poluente. Temos também, a crise econômica, o grande aumento de impostos, que é causado por conta do governo Brasileiro estar gastando muito mais do que consegue arrecadar, forçando o aumento de preços.
    Toda essa situação esta dividindo a população em dois grupos diferentes, os que apoiam a Dilma, e os que são contra o governo e pedem saída de Dilma da presidência. No dia 13/03 houve uma manifestação dos que apoiavam o governo, e logo em seguida, no dia 15/03 houve a grande manifestação dos que são contra o governo.
    Ainda hoje, como diz no texto, as pessoas são muito influenciadas por discursos, e pelo que se diz na televisão e nos jornais, sem criar uma opinião própria sobre o assunto.
    E isso demonstra que apesar desta maravilhosa peça do escritor William Shakespeare ter sido escrito a tanto tempo, ainda é surpreendentemente muito atual.

    Mariana Vita~8° ano 802

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