sábado, 15 de fevereiro de 2014

Artigo de Opinião - Retorno à bárbarie

Wadih Damous

Uma imagem vale mais que mil palavras, diz um provérbio chinês que tem muito de verdadeiro. A foto de um jovem morador de rua nu e preso a um poste pelo pescoço por uma tranca de bicicleta, numa rua do Flamengo, chocou muita gente. E com razão. Até pela cor da pele do adolescente, foi impossível não associá-la a imagens de escravos negros supliciados por feitores.
 
A foto acabou fazendo com que fosse aberto um debate na sociedade sobre as formas de combate à violência e sobre a suposta conveniência de que cidadãos se organizem autonomamente para combatê-la.
 
Em defesa da justiça feita pelas próprias mãos surgiram algumas vozes que não devem ser levadas a sério. Um exemplo é o deputado Jair Bolsonaro. Vivesse ele nas décadas de 30 ou 40 na Alemanha, certamente estaria fantasiado como as hordas nazistas atacando esquerdistas, judeus, homossexuais, ciganos ou deficientes físicos e defendendo sua internação em campos de concentração.
 
Essas vozes de viúvas da ditadura, dos porões de tortura e dos paus de arara não podem ser levadas a sério como indicadoras de uma tendência relevante na sociedade. Servem apenas para lembrar que o fascismo continua a ter seus adeptos, mesmo em outros momentos históricos.
 
Mas muita gente que não chega a ser um bolsonaro (atenção, revisão, é assim mesmo, com minúscula) se não aplaudiu, pelo menos demonstrou compreensão com o gesto dos jovens de classe média que espancaram o morador de rua.
 
Isso é mais grave. Essas pessoas merecem ser ouvidas e com elas é preciso estabelecer um diálogo.
Vale lembrar que quando surgiram as mal chamadas milícias no Rio, há quase uma década, antes que ficasse claro que elas eram outra cara das antigas máfias, alguns desavisados chegaram a saudar a sua aparição, afirmando que elas seriam um mal menor e que serviriam para o combate aos traficantes de drogas. Até um ex-prefeito, hoje vereador pelo DEM, chegou a escrever artigos louvando sua aparição.
 
É preciso que tenhamos claro. Numa sociedade civilizada, cabe ao Estado o monopólio da força. E essa força deve ser limitada pelo que determina a lei.
 
Se a polícia e a Justiça mostram-se ineficientes no cumprimento de suas funções, devem ser pressionadas pelos canais democráticos para que exerçam seu papel. Fora disso é o retorno a práticas do Velho Oeste. Em outras palavras, é um retorno à barbárie.
 
Wadih Damous é presidente da Comissão da Verdade do Rio e da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB.

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