sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Te Contei, não ? - Jovens detidos no Aterro perseguindo supostos ladrões admitem que faziam ronda noturna

 

  • Motivo para início da ‘patrulha’ foi o esfaqueamento do pai de um amigo por ter apenas R$ 10 no bolso
Elenilce Bottari

Jovens de classe média do Flamengo agridem cracudos com bastão de madeira. Foto feita em 02/02/2014, dia em que o grupo foi detido
Foto: O Globo / Carlos Ivan
Jovens de classe média do Flamengo agridem cracudos com bastão de madeira. Foto feita em 02/02/2014, dia em que o grupo foi detido O Globo / Carlos Ivan
RIO - Eles dizem que são do tempo em que eram os pais que ficavam preocupados com a segurança dos filhos, mas hoje, garantem, a situação se inverteu. Depois de ficarem sabendo que o pai de um amigo tomou uma facada de um assaltante por ter apenas R$ 10 no bolso, eles decidiram reagir. E, justamente na primeira, segundo eles, “ronda noturna” no bairro, acabaram detidos e levados para a 9ª DP (Catete), onde agora respondem a inquérito por tentativa de lesão corporal e formação de quadrilha. Um dia depois de serem inocentados da suspeita de terem prendido a um poste, pelo pescoço, um adolescente infrator na Avenida Rui Barbosa, no Flamengo, três dos 14 jovens detidos no Aterro na noite de segunda-feira, no momento em que perseguiam dois rapazes, também menores de idade, aceitaram falar. Segundo eles, até o momento em que foram detidos, presenciaram quatro roubos. E, minutos antes de serem levados pelos policiais, teriam evitado um outro assalto a uma mulher, na mesma região.
 
— A gente estava andando pela ciclovia do Aterro do Flamengo quando, um pouquinho antes de chegar à pirâmide (monumento a Estácio de Sá), viu uma galera de dez molequinhos, de vários tamanhos, entre 10 e 15 anos — contou um deles. — Eles vieram atravessando a rua e, de repente, tentaram arrancar a bolsa de uma senhora. Um senhor correu para tentar se meter na frente deles. Quando eles nos viram, saíram correndo pelo Aterro. Fomos para cima deles e botamos todos para correr. Uns municipais (guardas) comentaram que todo dia aqueles moleques fazem o mesmo percurso depois de roubar.
Eles contaram que, pouco depois, encontraram dois dos adolescentes rondando a área de bicicleta.
— Um dos caras do nosso grupo gritou para eles: “Tá roubando?” Os moleques correram no maior pique, parecia que estavam numa motocicleta. Tinha uma patrulha lá na frente, e a gente gritou para a viatura para segurarem os moleques. Só que um deles disse para o PM que a gente tentou agarrá-lo. Depois chamou a gente de playboy e disse que, se estivesse com a rapaziada dele, ia dar tiro na gente. Falou isso na frente do policial. E, mesmo assim, os acusados fomos nós. A gente não agrediu os moleques. A ideia era fazer ronda para passar a mensagem de que o bairro não está abandonado e que ali não é lugar para roubar — contou um dos rapazes, estudante de design, acrescentando que, na mesma noite em que foram detidos, cruzaram com outros grupos de moradores patrulhando o Aterro do Flamengo.
“A gente estava ali para pegar o ladrão”
Eles disseram que não esperavam que sua ação tivesse uma repercussão tão grande e negativa. Dois deles contaram que levaram bronca dos pais. O terceiro preferiu não falar sobre isso.
— Naquela mesma noite, depois da perseguição aos moleques, Yvonne Bezerra (de Mello, artista plástica) publicou no Facebook que viu jovens de classe média agredindo moradores de rua — contou um dos jovens. — Eu sou criado aqui neste bairro e conheço todos os moradores de rua. A gente não bate em morador de rua. Aqueles garotos não são moradores de rua, são moleques que vêm assaltar aqui. Eu acho que a violência é uma parada assustadora, como também o fato de outros jovens, não fomos nós, terem prendido um moleque pelo pescoço. Mas isso mostra a gravidade da situação. Será que ninguém enxerga o fato de que alguma coisa aconteceu para ele merecer aquilo? Aqui se faz, aqui se paga. No nosso caso, a gente não estava ali porque (os adolescentes perseguidos) é preto ou pobre. A gente estava ali para pegar o ladrão.
Na quinta-feira, um deles voltou à 9ª DP para prestar depoimento. Ele contou que levou uma reprimenda da delegada Monique Vidal e que o grupo não pretende organizar novas rondas pelo bairro.
— Nós criamos um fato e chamamos a atenção para a onda de assaltos que está acontecendo no bairro sem que ninguém faça nada. Agora, a classe alta está apontando o dedo contra a gente. Mas eles não andam nas ruas. Não pegam metrô, não andam de ônibus, não conhecem as praças do Flamengo. Falta policiamento, e não é só aqui. A Zona Sul ainda é uma bolha. Vai para a Zona Norte ou Oeste, vai para a Baixada e você vai ver a gravidade da violência. E fazer o quê? Como um policial vai ter vontade de trabalhar, ganhando mal, trabalhando sem condições. Aquela 9ª DP está caindo aos pedaços.
Apesar de garantirem que não vão mais fazer rondas pelo Aterro, os jovens detidos disseram que não vão desistir de lutar para melhorar a segurança do bairro.
— A avó de uma amiga nossa fraturou o fêmur depois de ser empurrada por um assaltante — disse um deles. — Hoje eu não gosto de deixar a minha avó ir sozinha ao mercado. Quando não dá para acompanhá-la, fico preocupado. Vamos convocar pela rede todos os moradores que foram assaltados para que deem seu depoimento no documentário que vamos produzir para jogar na rede. Assim, quem sabe as autoridades prestem mais atenção não só no Flamengo, mas em todo o Rio de Janeiro?
Cabral diz que não vai admitir poder paralelo
Em meio às notícias de atuação de grupos que fazem justiça com as próprias mãos, o governador Sérgio Cabral disse na quinta-feira que o estado não vai admitir ações do poder paralelo. Ele prometeu prender os responsáveis. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, determinou à Polícia Civil que identifique e detenha todos aqueles que agirem por conta própria para punir acusados de crimes. Ontem, o jornal “Extra” divulgou um vídeo em que um homem é executado a tiros em plena luz do dia, numa rua de Belford Roxo. O crime aconteceu em 23 de janeiro. A vítima, Igor Veras de Oliveira Falcão, de 20 anos, estava em liberdade condicional havia quatro meses. Ele tinha sido preso por tentativa de assalto em setembro de 2012. Segundo o delegado Luiz Henrique Guimarães, da 54ª DP (Belford Roxo), Igor foi executado por seguranças particulares da região.


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