Leio na revista do GLOBO deste domingo uma coluna do ator João Velho (que agora já sei quem é – peço desculpas, mas não acompanho “Malhação”). É sobre a coragem. Ou o que ele entende por coragem. Visão deturpada, creio eu, que precisa ser contestada.
Antes, ele ia bem. Falava sobre a dor da perda de um irmão em um acidente estúpido. O outro filho da atriz Cissa Guimarães andava de skate – em local proibido, que fique claro – e acabou atropelado por um rapaz que não se deu conta de que o túnel estava fechado. Uma desgraça, para todas as partes envolvidas.
João Velho tenta se colocar na pele de Rafael Bussamra, o responsável pelo atropelamento, seguido de fuga, e imagina seu desespero naquele momento. Ainda assim, julga que faltou coragem, principalmente depois, para procurar a família do garoto morto, para pedir desculpas ao menos.
Tivesse acabado por aí, seria um texto bom, até comovente. Como alguém que já teve um irmão envolvido em um terrível acidente de carro, mas que felizmente se saiu quase ileso (o que só se soube muito depois), posso imaginar a angústia do ator.
Mas ele escorrega feio no final. Muito feio. Mistura tudo, alhos com bugalhos. Lembra, corretamente, que a palavra coragem vem do latim e tem ligação com o coração. Parte disso para concluir coisas bem irracionais, talvez deixando as emoções dominarem demais a razão.
Diz, por exemplo, que falta mais coragem no Brasil, um país que seria covarde. E por que? Porque “precisamos de mais rolezinhos, mais black blocs, mais babás mergulhando na piscina do Jockey, mais Marcha das Vadias”. Como é que é?
Sinto muito, mas que coragem é preciso ter para reunir uma horda de mil arruaceiros e invadir um shopping center, propriedade privada, para tumultuar o ambiente e prejudicar a paz de todos os demais clientes, desrespeitando seus direitos?
Qual coragem é preciso para, covardemente, esconder-se atrás de uma máscara com um grupo de vândalos e depredar o patrimônio público, queimar carros particulares, destruir agências bancárias? Não seria corajoso o policial que enfrenta, sem muito treinamento e com baixo salário, esses vagabundos?
Uma babá que confunde a piscina de um clube particular com o psicinão de Ramos e seu horário de trabalho com o de lazer precisa ter coragem? Não seria apenas um caso de falta de noção ou bom senso, para compreender que naquela piscina estão os sócios do clube, que pagam por isso, e que ela está ali trabalhando?
Vadias que marcham defendendo a prostituição precisam ser corajosas? E eu que jurava que coragem tinha uma mãe que educa seus filhos com dignidade e dá seu suor para que possam estudar e se tornar, quem sabe, médicas ou advogadas, em vez de praticar o degradante ato de alugar o próprio corpo para sexo com estranhos…
Temos, eu e o ator, conceitos bem diferentes sobre coragem. Acho, por exemplo, que falta coragem no Brasil para se respeitar as leis, em vez de cada um se julgar acima do bem e do mal como faria uma criança mimada e nada corajosa. Falta coragem para assumir que o vandalismo não é nobre, e que o manto da ideologia serve somente para justificar atos bárbaros.
Falta coragem, enfim, para uma turma grande da elite, principalmente nossos artistas e “intelectuais”, abandonar o confortável, sensacionalista e hipócrita esquerdismo caviar, e abraçar os pilares de uma civilização decente e livre, entre eles o fundamental império das leis isonômicas. Falta muita coragem…
Rodrigo Constantino
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