Os erros do passado foram deles, não nossos
Rio - Conto pra vocês a história de (vamos chamar a moça de Maya?) Maya, uma
amiga que conheci num encontro mundial de jovens pensadores, uma reunião de
cabeças pensantes focadas em transformações sociais dentro de seus grupos de
convivência. No caso de Maya, baiana, uma linda “menina mulher da pele preta”,
como diz Benjor em sua (nossa) canção, a ação estava toda concentrada em defesa
dos direitos dos quilombolas da Bahia, nos direitos e garantias de cidadania da
mulher e na autoestima e na valorização da mulher negra, atuando em várias
frentes de ação.
Reparei que Maya sentia-se à vontade com minha presença. Conversávamos sobre
nossos universos, os assuntos sempre fluíam. Já meu irmão, com características
genéticas opostas a mim, um rapaz caucasoideano branco, trazia a ela um enorme
desconforto. Nítido. Achei estranho e fui conferir: “Maya, acho estranho. Você
não debate tanto com meu irmão; e quando ele chega, você sai, desconversa...
algum problema com ele?” E ela respondeu:
“Bem, é complicado. Vou tentar explicar. Toni, desde que a minha família
existe, lá atrás, quando os primeiros vieram pro Brasil, escravizados num porão
de navio, quem eram os algozes? Homens. De que cor? Brancos. Nas fazendas, na
chibata, na senzala, quem eram os escravocratas? Quem separou todas as nossas
famílias, para que jamais tivéssemos força juntos? Homens brancos. Já depois da
Abolição, quem deixou meus antepassados sem oportunidade, casa, emprego? Homens
brancos.
Hoje em dia, quem imprime dificuldade na hora que uma mulher negra tenta
arrumar um emprego? Quem atrasou em 400 anos o desenvolvimento de toda uma etnia
continental, negando, durante todo esse período, dignidade e recursos básicos?
Por que 80% da população carcerária é negra e 90% da população universitária
brasileira é branca? Resumindo, Toni, como posso confiar em pessoas com a cor da
pele clara? Elas me provaram e continuam provando que seu maior investimento é
destruir a minha raça, a minha etnia.”
A todo momento, a história de Maya me volta à tona. A maior parte das vezes
pra lembrar que não, não deixe a raiva te consumir e te cegar, Maya. Os erros do
passado foram deles, não nossos. Não, Maya, olhe pra frente. E abra o coração.
Por dentro, somos só fisiologia, perfeita, e amor. Somos filhos feitos de amor.
Saudade da Maya. Mais de uma década se passou. Será que ela miscigenou?
Toni Garrido é cantor e compositor
Nenhum comentário:
Postar um comentário